Dona Lotinha, que só prendia suas galinhas e seus oito cães duas vezes por ano, em setembro, para a festa de São Miguel Arcanjo, e em novembro, para o Jubileu de São Miguel Arcanjo e Almas, precisou colocar toda a bicharada na trancaÉ que o lugarejo onde ela mora, Cemitério do Peixe, no município de Conceição do Mato Dentro, no Alto Jequitinhonha, de um dia para outro aumentou sua população de nove habitantes para mais de 30E sabe lá quantas dezenas mais de visitantes deverão aparecer a partir de hoje.
É que o lugarejo, que parecia deserto, vai abrigar a Ocupação Cemitério do Peixe: Morte e magia nas artes visuais, evento que, de hoje a domingo, reúne vários artistas do Brasil e do mundoAlém da exposição de obras de arte, o grupo vai investigar e estimular reflexões sobre a relação da magia e morte nas artes.
São cerca de 200 casinhas de adobe e pau a pique em Cemitério do Peixe, distante 60 quilômetros de Diamantina, mas apenas três delas são ocupadas por moradores durante todo o anoNa casa de Carlota de Oliveira Brandão, a Dona Lotinha, de 63 anos, moram ela e dois filhosMais adiante, outra família com cinco pessoasPerto do cemitério, que deu nome ao lugarejo, no século 19, mora um primo da dona de casa.
Dona Lotinha é uma espécie de “prefeita” do lugar, a sentinela da tradição, e não gosta nem um pouco de quando chamam o lugar de arraial fantasma“Não estou mortaEu e meus filhos estamos muito vivos”, respondeSão tantas histórias para explicar o surgimento de Cemitério do Peixe que Dona Lotinha prefere não bancar nenhuma delasMas que tudo começou com os seus antepassados, isso ela diz ter certeza.
Lendas Entre as lendas para explicar o nome do lugar, consta que há cerca de dois séculos um destacamento da polícia foi montado às margens do Rio Paraúna para impedir o contrabando de pedras preciosas em Diamantina
Além disso, outros falam que um padre apelidado de Peixe viajava a cavalo com o seu secretário, a caminho do jubileu de Conceição do Mato Dentro, e morreu ao passar pela região, onde foi sepultado“Só sei que meu bisavô construiu o cemitério de pedrasNão sei quando foi isso, mas antes tinha uma capelinha dentro do cemitério”, conta a dona de casa.
A atual Capela de São Miguel Arcanjo foi construídas ao lado do cemitério, em 1915, pelo dono das terras na época, Antônio Francisco Pinto, o CaniquinhoNo entanto, há relatos de que as missas para as almas do cemitério já vinham sendo celebradas desde 1887, sempre em 15 de agosto, tradição mantida até hoje com o jubileu em homenagem às almas do lugar e ao padroeiro, São Miguel ArcanjoEste ano, a festa terá outra homenagem: o centenário da doação das terras.
Em novembro de 2010, o Estado de Minas esteve em Cemitério do Peixe e, de lá para cá, muita coisa mudou, a começar pelo número de moradores que triplicou: de três para noveA entrada do arraial foi calçada com bloquetes de cimento e as casas construídas recentemente são em estilos modernos e destoam da paisagem bucólica de antes.
Agito Na entrada do lugarejo existe uma pequena placa com a inscrição: “Cemitério do PeixeLugar de Oração, Respeito e Paz”, dá uma pista do que se pode encontrarAgora, ao contrário de 2010, quando reinava o silêncio no lugar, quebrado apenas pela cantoria dos pássaros, Cemitério do Peixe vive em clima de agitoE olha que a ocupação cultural nem tinha começado ainda
Com tanta gente para alimentar, Dona Lotinha buscou ajuda de uma moradora da região e vão contratar mais uma auxiliar para o feriado“Falei com eles (os artistas)Aqui é MinasVamos comer comida mineiraEu faço o cardápioQuem não quiser comer, que vá comer lá em Congonhas do Norte, 35 quilômetros daqui”, brinca a dona de casa.