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Estado de Minas POR QUE CARTILHA REZA O PADRE?

Sacerdote que fundou a Igreja Independente de Alfenas diz não querer polêmica

Padre quer apenas acolher pessoas sem distinção e cultivar a fé. Sua doutrina inclui ajudar quem enfrenta restrições pelas regras do Vaticano e até ordenar sacerdotes, mas críticos questionam a validade de suas celebrações


postado em 05/06/2015 06:00 / atualizado em 05/06/2015 07:47

Família de Maria das Graças Amâncio foi uma das beneficiadas por reformas polêmicas: 'Ouvi falar que ele foi proibido de rezar, mas como? A palavra de Deus não pode ser proibida' (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.a Press)
Família de Maria das Graças Amâncio foi uma das beneficiadas por reformas polêmicas: 'Ouvi falar que ele foi proibido de rezar, mas como? A palavra de Deus não pode ser proibida' (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.a Press)

Alfenas
– Palco da mais recente polêmica eclesiástica de Minas com a excomunhão do padre André Aparecido Silva, a cidade de Alfenas, localizada na região do Lago de Furnas, no Sul de Minas, é conhecida por sediar duas faculdades renomadas (uma federal e outra particular), ser celeiro de músicos como Rogério Flausino e Wagner Tiso e, nos últimos anos, pela crescente violência urbana. É nessa cidade que se reúne a nova comunidade de fé independente de Alfenas, em um galpão de 600 metros quadrados, onde até o ano passado funcionava uma floricultura. As 380 cadeiras de plástico são emprestadas; o aluguel de R$ 2 mil é custeado pelos fiéis, que têm mantido doações fixas, e interado com a coleta nas celebrações. Como o imóvel é estreito, o altar foi montado em uma das laterais, aproveitando uma pintura na parede de um vilarejo à margem de um rio, feita em spray de tom marrom, à qual foi adicionada a imagem de Cristo ressuscitado.

A celebração dura cerca de uma hora e meia, obedecendo à ordem litúrgica tradicional: ato penitencial, leitura do evangelho e consagração da eucaristia. O padre André Silva não se define como pertencente a nenhuma corrente católica: renovação carismática (voltada aos dons espirituais) ou Teologia da Libertação (com tendências político-sociais). O discurso ameno, ponderado e conciliador do sacerdote, que prende a atenção dos fieis, é pautado por temas como humildade, serviço e inclusão.

“O intuito da criação foi acolher as pessoas sem distinção. Aqui, todos são chamados à eucaristia”, disse André, que recebeu a equipe de reportagem logo depois de uma celebração. “Não queremos expandir. O que queremos é propiciar a toda a comunidade um encontro com Deus. O intuito não é ficar abrindo igreja, nem fazer polêmica. O que queremos é um espaço para cultivar a fé”, acrescentou.

Segundo o padre, todas as decisões da nova igreja são avaliadas por um conselho de nove pessoas e o objetivo é que, futuramente, padres sejam ordenados pela própria comunidade. “Não haverá bispo, nem código canônico. Nossa orientação será baseada em amar a Deus e ao próximo. Simples”, disse. O principal questionamento sobre a nova igreja é sobre a validade dos sacramentos, já que, uma vez excomungado pelo delito de cisma, o sacerdote é “proibido de participar na celebração do sacrifício da eucaristia e celebrar sacramentos”, segundo o código canônico do Vaticano. “A validade de um sacramento se dá pela abertura de coração e vida de alguém. As pessoas que estão vindo se sentem encorajadas, não por mim, mas pelo próprio Cristo”, defende-se André.

Ele afirma que se sujeitou à pena da excomunhão conscientemente. “Sabia que, ao me desligar da Igreja, a resposta seria a excomunhão, por cisma. Muitos alegam que foi falta de humildade e desobediência minha não seguir a punição do bispo. Eu faria isso, se fosse uma punição coerente, de uma pessoa coerente. A prestação de contas (relativa à venda do terreno que deu origem à polêmica) foi notória para a comunidade. Além disso, fizemos reformas para pessoas carentes. Estou com a consciência limpa por ter feito isso, em vez de mandar o dinheiro todo para a diocese.”

COMO PODE?
Entre as famílias auxiliadas pelas reformas está a de Maria das Graças Amâncio, cujo os pais, Vicentina e Sebastião Amâncio, de 85 e 89 anos, respectivamente, moravam um barracão de lona. “Ele veio aqui, conheceu. Era chão grosso, fechado com lona, não tinha como viver”, explicou Maria das Graças. “Eu ouvi falar que ele foi proibido de rezar, mas como? A palavra de Deus não pode ser proibida”, afirmou a dona de casa.

Boa parte dos fieis que hoje fazem parte da Igreja Católica Independente foram acolhidas por padre André ainda na paróquia de São Sebastião e São Cristóvão, em Alfenas. Alguns são casais em segunda união, que não têm permissão para comungar na Igreja Católica tradicional. “A gente sofria. Quando fomos batizar nossa filha, foi difícil. A gente já sofre por tanta coisa na vida aí, na hora de buscar conforto, sofre discriminação? Imagina como dói: todo mundo levanta para comungar e você fica ali, sentado. Uma vez passa. Mas depois da segunda, terceira, todo mundo repara”, desabafou o vendedor Néder Frank de Oliveira, ao lado da esposa Andreia Aparecida Santos Amadeu, um dos seguidores do padre André.

ENTENDA O CASO

27/8/2014
Alegando não conformidade na prestação de contas referentes à venda de parte de um terreno, o bispo da Diocese de Guaxupé, dom José Lanza Neto, pede o afastamento do padre André Silva da paróquia São Sebastião e São Cristóvão, de Alfenas

30/8/2014
Em celebração realizada na paróquia, o padre, ao explicar o motivo do afastamento, teria feito discurso agressivo e crítico ao bispo

15/9/2014

Por causa do discurso, o padre sofreu uma repreensão canônica, segundo a diocese por abuso de ofício eclesiástico, lesão à boa fama alheia e excitação pública de aversão e por incitar os paroquianos à desobediência. Foi intimado a comparecer à diocese para pedir perdão e a redigir uma retratação, que deveria ser lida na paróquia durante missa

25/9/2014
Mesmo aceitando a retratação do padre, o bispo assinou um preceito (similar a um decreto) impondo o afastamento do sacerdote por um ano de qualquer celebração pública, além de outras restrições que, caso não fossem cumpridas, culminariam na “demissão do estado clerical”

Out/2014
Discumprindo a ordem do bispo, o sacerdote passou a celebrar missas para cerca de 30 pessoas em sua casa

15/3/2015
Com o crescimento do número de fiéis, padre André assinou o edital de convocação para a assembleia de criação da Igreja Católica Independente

28/4/2015

Ao ter acesso aos documentos da criação da nova igreja, o bispo instituiu um processo administrativo penal e advertiu o padre a apresentar defesa escrita em 48 horas, o que não ocorreu

7/5/2015
Diante do silêncio do padre, o bispo assinou o decreto de excomunhão latae sententiae (automática), pelo delito de cisma (recusa a se sujeitar ao Sumo Pontífice)

Palavra de especialista

Rodrigo Coppe, professor da pós-gradução em ciências da religião da PUC Minas.

“A excomunhão é uma sanção específica da Igreja Católica romana, prevista no Código de Direito Canônico, que reúne as leis da Igreja. Diante dos casos que ali estão tipificados, a excomunhão ocorre. Nesse episódio específico, o padre, criado e ordenado na Igreja Romana, tinha todos os direitos que o sacramento da ordem dava a ele. À medida que ele não cumpre as prerrogativas estabelecidas, vai sofrer a sanção prevista, a excomunhão latae setentiae. Ao criar uma nova igreja, ele pode até estar celebrando missa, mas o sacramento não tem validade para a Igreja Romana. Tem para ele e para os fiéis”


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