É preciso dar olhos ao coração para as linhas a seguir. Por que não ler o amor de quem ama? Homem e homem; mulher e mulher; homem e mulher. Para muita gente, não faz a menor diferença. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil, Minas Gerais já é o segundo estado com o maior registro de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo lavradas em cartório. Só este ano, entre janeiro e maio, são 97 – número menor apenas que o anotado em São Paulo, com 144. Às vésperas deste Dia dos Namorados, o Estado de Minas ouviu três casais que sonham, batalham e, em coro, apostam no amor.
Há muito em comum nas três combinações de companhia. Não há diferença em muitos dos sabores e dissabores da vida a dois para Thiago Reis, de 28 anos – o Bugu –, e Moisés Borges, de 31; Luisa Piu, de 25, e Clarice Valois, de 20; ou para Elaine Guimarães, de 33, e Tiago Ávila, de 29. Os desentendimentos bestas, os jantarezinhos de carinhos e os planos de família estão presentes nos três endereços. Dos três, apenas Elaine e Tiago vivem juntos. O mesmo teto ainda é vontade para Bugu e Moisés, assim como para Luisa e Clarice. Os dois últimos casais, gays, entretanto, enfrentam um desafio a mais: o preconceito.
“Por que o beijo entre duas senhoras ofende?”, questiona Moisés. “A ideia de 'opção sexual' me incomoda. Não é uma escolha. É um sentimento”, emenda Bugu. O consultor tecnológico, de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, ressalta que, se pudesse escolher, não seria homossexual: “Não escolheria sofrer. Porque não é fácil lidar com toda a intolerância que ainda existe”, desabafa. Moisés, vindo de Arcos, na Região Oeste de Minas, diz não compreender o ódio por parte de tanta gente. “Não consigo entender o que não sinto”, diz o professor e modelo vivo.
Elaine, que há cinco meses trouxe à luz a pequena Valentina, também condena o desrespeito: “Muita gente não tolera a demonstração de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo na televisão, mas não se incomoda com a violência”, reclama. A assistente administrativa, nascida em Belo Horizonte, conta mais de dois anos de união com o músico e pintor de aeronaves Tiago, de Porto Alegre. Religioso, ele avalia que “muitos não estão entendendo nada sobre amar o próximo”.
Apoio Luísa foi noiva de um rapaz. Foram cinco anos de relacionamento. “Terminei porque não era o que eu queria para a minha vida”, conta. Antes de Clarice, com quem soma 14 meses de namoro, Luísa tentou outra sorte. Nada como o que está vivendo e que faz a alegria chamar a atenção na sala do apartamento em que mora no Bairro da Graça, na Região Nordeste. De todo o apoio que encontrou em família, o mais surpreendente foi a força da avó Alvina: “Quando o meu pai contou, ela me ligou e foi muito carinhosa. Fez uma reunião com todo mundo para contar e pedir que me respeitassem”. Já com o padrasto, muito querido, a relação esfriou. “Lamento muito. Queria que ele participasse da minha vida.”
Clarice também namorou um moço. Não deu certo. A recepcionista e estudante de marketing diz que foi bem tranquilo em casa, com muitos gays na família. “Dificilmente sinto algum tipo de preconceito. Quando sinto, não me ofendo. No início, antes de a gente se abrir, é complicado...”, comenta. Luísa participa: “A aceitação interna, em nós mesmos, é bem mais complicada. É um grito no vazio”. Clarice suspira: “E essa agonia parece que vai ser para sempre. Eu tinha medo de perder as minhas amigas”. As duas se olham, cúmplices. Pensam o futuro. “A gente sempre faz mil planos...”, diz Clarice.
Respeito Bugu e Moisés se conheceram por meio de um aplicativo para homossexuais. “É um radar gay”, diverte-se Bugu. A troca de mensagens rendeu. Já são quase dois anos juntos. “Conversamos muito um mês antes de nos conhecermos. E de igual para igual, fugindo do padrão ‘em busca de sexo’. A gente falava sobre trabalho, estudo, sobre nossas atividades... Depois do nosso primeiro encontro, a gente não se desgrudou mais”, revela Bugu. Para Moisés, o segredo está na lealdade e no respeito. “Nosso contrato é muito claro. A gente é amigo e se respeita, sem a paranoia de muitos casais.” Bugu ressalta que a amizade não está no gênero. “Antes do sexo, vem o companheirismo.”
Em família, ainda que em paz, não há um mar de rosas para Bugu. “Minha mãe diz que ‘respeita, mas não entende’. Ela acha que eu tô ‘confuso’. Às vezes é mais difícil para mim do que para eles.” O consultor tecnológico esteve para se casar com uma mulher há sete anos. Por fim, deu voz aos sentimentos e acabou por abrir caminho para o irmão mais novo, também homossexual. “Hoje, sinto-me muito respeitado. Não costumo me ofender. Já o Moisés não suporta se sentir discriminado. Eu respeito o jeito dele e ele respeita a minha postura.” Moisés conta que já perdeu a paciência até com pastor pregando dentro da lotação. “É uma questão de limite. De respeito à individualidade. Se não quer aceitar, ao menos respeite”, pontua.
Futuro O namoro de Elaine e Tiago teve início em show de black metal, no Music Hall. Daquele 7 de setembro em diante, os dois traçaram vida a dois e já somam conquistas, como o apartamento recém-comprado, presente neste Dia dos Namorados. “Com três meses de namoro, a gente já estava morando juntos. Antes, tive relacionamentos longos que não deram em nada”, considera. Tiago tem todo o apoio da mulher na carreira de artista, paralela à jornada como pintor de aeronaves. Tanto que o músico porto-alegrense já se prepara para o lançamento da banda de thrash metal Ásilo. Elaine também conta com o apoio do marido para o doutorado em letras no exterior.
Como Tiago e Elaine, Bugu e Moisés, Luísa e Clarice também pensam o amanhã. As duas moças tocam seus projetos pessoais sem deixar de pensar no que é comum. Luísa trabalha para avançar nos negócios e na arte, enquanto Clarice sonha fazer carreira com o marketing. No futuro, uma casa para as duas e filhos. “Daríamos boas mães”, sorri Clarice. Bugu dá ainda mais brilho ao olhar quando fala em ver um filho brincando pela casa. Diz que ainda tem tempo de convencer Moisés, que não se acha pronto para ser pai. “A vida é maravilhosa. A sociedade é que é um problema”, conclui o modelo.