A parceria entre Fernando Brant e Milton Nascimento começa em 1967, com Travessia, e se estende ao longo de décadas, na forma de outras músicas e de uma sólida amizade. A respeito da relação com Bituca, Brant deu um depoimento para o Museu Clube da Esquina (www.museuclubedaesquina.com.br), no qual contou como conheceu Milton. Foi por acaso, dentro de um ônibus: “Os colegas do Estadual é que me levaram para o (Edifício) Maletta, inclusive um amigo do Marcinho (Márcio Borges). O Marcinho conta no livro dele uma coisa que realmente aconteceu e foi muito rápido, tanto que, na época, eu não percebi muito. A gente pegava ônibus… Esse Sérvulo morava dois pontos antes de mim. E aí eu passei pela roleta e eles estavam lá, e conversamos, mas desceram logo depois, dois, três minutos depois. E o Milton é que depois me falou: ‘Eu vou ser amigo desse cara aí’. Pouco tempo depois, na porta do Maletta, o Zé Fernando nos apresentou.
Em 1967, o padrinho musical de Milton Nascimento, o cantor Agostinho dos Santos, inscreveu em segredo três de suas músicas no 2º Festival Internacional da Canção (FIC), no Rio de Janeiro. Na ocasião, Milton é premiado como melhor intérprete e ganha o segundo lugar com Travessia. Em seu depoimento ao Museu Clube da Esquina, Bituca fala sobre o encontro com Brant.
“Bom, o Fernando (Brant) foi, assim, da leva de Belo Horizonte, um dos grandes amigos que eu tive, e tenho, né, graças a Deus. Mas ele não mexia com música, ele só gostava. Aí, lá em São Paulo, eu fiz a música de Travessia, fiz Morro Velho, que eu escrevi a letra. E chegou na hora de Travessia, eu achei que não era pra eu fazer a letra, e nem pra você (Márcio Borges) fazer, porque ela não tinha cara de nenhum de nós dois. Aí eu falei assim: ‘Ah, quer saber, vou dar essa pro Fernando fazer’. Aí viajei pra Belo Horizonte, falei pro Fernando e ele: ‘Você está louco, eu não mexo com isso não, rapaz’, não-sei-quê, aquele negócio todo, não queria fazer”.
Mais à frente, no mesmo depoimento, Bituca revela como recebeu a letra de Travessia, aquela que o ensina a “soltar a voz nas estradas”. “Passados uns tempos, eu voltei pra Belo Horizonte e estava num bar lá no Maletta e ele com um papel na mão, e não tirava o papel da mão. E eu perguntando a ele o que era aquilo e ele falou: ‘Não é nada não’. Uma hora falei pra ele: ‘Fernando, ou você guarda esse papel ou deixa eu ver’.
Em outro trecho, Brant revela que não cantava no palco porque sua referência de voz era Milton Nascimento. “O Bituca já tinha feito algumas sacanagens comigo. (…) Lá no Teatro Princesa Isabel, ele me chamou pro palco pra gente cantar junto Travessia. Aí, no meio, ele parou de cantar e eu tive que seguir. E fez isso várias vezes”. Entretanto, o compositor mineiro faz um mea-culpa sobre o fato de não interpretar as próprias canções: “Porque a minha referência é o Bituca. Pro cara ser parceiro de um cara que canta daquele jeito, é um negócio meio danado. Até que num determinado momento, a gente estava em casa e ficava cantando e eu cheguei a conclusão: ‘Cantar é um direito humano’.
Luto no Clube da Esquina
Extremamente emocionado, o cantor e compositor Lô Borges resumiu em poucas palavras a sua tristeza com a morte do companheiro Fernando Brant: “Ele era um grande amigo, um grande parceiro. É uma enorme perda para nós e para a música”.
O compositor, violonista e guitarrista Toninho Horta descreveu Brant como um irmão, “um dos maiores poetas do Brasil e do mundo”. E completou: “Ele foi o mais audaz, viajou fundo no coração das pessoas. A obra e o sentimento dele nunca morrerão. Vão viajar pelo mundo, vamos sempre tocar as canções dele”, completou.
Com a voz embargada, o maestro, pianista e compositor Wagner Tiso também lamentou a perda. “Estou sentido pela grande pessoa que era o Fernando. Uma pessoa maravilhosa, sempre disposta a ajudar. Era o mais constante dos meus parceiros musicais”, contou. Entre essas parcerias, citou as trilhas da novela Dona Beja e do filme Chico Rei. Tiso falou com carinho da canção Cafezais sem fim, letrada pelo amigo. “Ir a Belo Horizonte e não encontrá-lo é algo inacreditável para mim. Sempre que precisava recorria ao Fernando”, lamentou.
ESTADUAL O crítico e poeta Affonso Romano de Sant’Anna, que nos anos 1960 foi professor de Brant no Colégio Estadual Central, destaca a mineiridade de sua obra e o talento para compor. “Ele conseguiu chegar a um despojamento de linguagem difícil de alcançar na música popular: o meio termo entre o erudito e a linguagem falada. Fez isso com perícia e habilidade. Não se pode pensar em Milton Nascimento sem Fernando Brant”, resumiu.
O cantor e compositor carioca Pedro Luís, um dos participantes do recém-lançado projeto videomusical Mar Azul, dedicado ao Clube da Esquina, diz que Brant deixou uma assinatura fundamental para a MPB. O artista ressaltou a história “consistente e significativa” construída coletivamente por Brant, Milton e companheiros, chamando a atenção para o fato de o Clube da Esquina representar algo singular, fora do eixo Rio-São Paulo.
Amigos prestam homenagem a Fernando Brant
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