O crescimento econômico, a criação de oportunidades de emprego e a geração de renda são sonhos de toda cidade do interior, em Minas ou em qualquer outro estado. Porém, os efeitos colaterais desse desenvolvimento nem sempre são esperados – e raramente contam com planejamento. É o que vêm testemunhando cidades mineiras que experimentaram crescimento desordenado e saltos populacionais impulsionados por novos negócios e descobriram que, junto da indústria, do dinheiro e dos novos moradores, chega também a criminalidade. Pior: a estrutura da segurança pública não acompanha a escalada de desafios. Por motivos diferentes, mas com resultados semelhantes, é a situação experimentada em cidades tão distintas quanto Nova Serrana, no Centro-Oeste do estado, e Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas. Em ambas, a violência disparou e o efetivo policial não dá conta de responder à nova realidade.
A situação não é diferente em Nova Serrana, cidade que é polo calçadista no Centro-Oeste do estado. Depois de ver a população dobrar, o município assiste ao aumento proporcional dos índices de criminalidade. A média mensal de roubos saltou de 40 em 2012 para 90 nos quatro primeiros meses deste ano. Os assassinatos somaram 19 ocorrências em 2012 e fecharam o ano passado com o dobro de registros.
No caso de Conceição do Mato Dentro, em 2009, a cidade recebeu dois escrivães e três investigadores, depois de concurso da Polícia Civil. Mas um dos escrivães foi embora e não foi substituído. O delegado titular também deixou a cidade e uma colega de fora assumiu o desafio de manter a ordem e desvendar crimes. Desde 2010, a situação continua a mesma. Policiais civis dizem contar com apenas um Uno e um Sandero, veículos que vivem quebrados devido aos longos deslocamentos por estradas de terra.
SUBNOTIFICAÇÃO Os números da violência na cidade contabilizados pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) não correspondem à realidade. Prova disso é que dos 5.601 boletins de ocorrência entregues pela PM de 2013 até o dia 3 deste mês, 3.943 (mais de 70%) não tiveram andamento ou sequer chegaram ao conhecimento da única delegada, Helena Terumi. E a pilha de ocorrências só cresce a cada dia. Sozinha, a policial não dá conta de tanto serviço. Por isso, apenas as prisões em flagrante são despachadas na hora e ela ainda tenta filtrar os casos de maior relevância.
Mais grave ainda é a denúncia de que PMs da cidade, principalmente no fim da jornada de trabalho, estariam “desqualificando” crimes em seus boletins de ocorrência e soltando presos para não precisar passar horas na estrada até Santa Luzia – sem contar o tempo de espera até serem atendidos na delegacia da Grande BH. “Um PM que está trabalhando há 10 horas e que no final do plantão pega uma ocorrência de tráfico de drogas, desqualifica o crime para uso e solta o preso. Tentativa de homicídio acaba virando lesão corporal”, denunciou um policial civil, que pediu para não ser identificado. Segundo ele, a prática gera sensação de impunidade, que acaba incentivando os criminosos. “O bandido rouba uma vez e é solto. Rouba a segunda, e é solto de novo. Depois do terceiro roubo, vira festa. Para os PMs, é melhor soltar um traficante do que dirigir cansados, com risco de acidente. Ninguém vai pagar pela vida deles”, disse o policial.
Dados oficiais da Seds mostram que de janeiro a abril deste ano Conceição do Mato Dentro registrou apenas 17 assaltos, quatro homicídios e dois estupros. “Se a gente acha um corpo com 10 facadas na zona rural, a ocorrência vai entrar silenciosamente entre esses mais de 4 mil casos sem solução”, diz o agente. Há crimes antigos que ainda estão em investigação, alguns de 2003. Nesses casos, a cada dois meses a delegada tem de ir ao fórum pedir aumento de prazo ao juiz. “Os inquéritos também demoram muito no fórum, pois a demanda deles também é absurda”, denuncia o mesmo policial.
O deslocamento da equipe entre os municípios é outra dificuldade, segundo ele, principalmente quando chove, devido à lama. “Já tivemos que transportar um corpo em um trator, pois o nosso carro não passava pela estrada”, reclama. “Quando morre alguém, o rabecão sai de Belo Horizonte. Já teve corpo que levou mais de 12 horas até ser removido”, denuncia.
Além de Conceição do Mato Dentro, a delegacia local é responsável por Santo Antônio do Rio Abaixo, Dom Joaquim, Morro do Pilar, São Sebastião do Rio Preto e Congonhas do Norte. “Falta estrutura na cidade. Antes, a gente não tinha favela e hoje temos barracos, muita invasão de terrenos, muita gente de fora”, observa a delegada Helena Terumi. “Muitos vieram em busca de emprego e aumentou a circulação de riqueza. O comércio também aumentou, mas depois vieram demissões e a crise. Um comerciante me disse que chegava a faturar R$ 30 mil por mês, valor que agora caiu para R$ 3 mil”, disse a policial. O consumo de drogas entre os operários é assustador segundo ela.
Um dos crimes mais preocupantes na cidade é o estupro, afirma a delegada. “Pela quantidade de homens na cidade, e a dificuldade de retorno deles às famílias, isso gera uma crise social. Há relatos de que Conceição do Mato Dentro chegou a receber 8 mil operários em apenas um ano”, conta a delegada. Crimes de furto também acontecem com mais frequência, segundo a policial, e em muitos casos facilitados pelo comportamento de moradores mais antigos, acostumados à calmaria que já não existe. “A população do interior deixa a janela aberta e até guarda dinheiro debaixo do colchão. Os motoristas saem e deixam seus carros abertos, com a chave na ignição. Isso tudo facilita o crime”, alerta.
Mas a cidade está às voltas também com roubos mais audaciosos. Na madrugada de 9 de abril, homens armados invadiram o setor de autoatendimento da Caixa, na Praça Coronel João Paulo, a mais movimentada do Centro, e explodiram os terminais. No dia anterior, uma agência dos Correios havia sido assaltada por ladrões armados. “Nunca tivemos explosão de banco aqui antes. Assalto a gente tinha, mas não explosão”, conta, assustada, a professora de educação física Silvana Moreira, de 56 anos.