A Comissão Parlamentar de Inquérito da Máfia das Próteses e Órteses investiga a suspeita de envolvimento ou omissão da direção de dois hospitais no esquema de fraudes no Sistema Único de Saúde, como venda de próteses coronárias (stents) e dupla cobrança de pacientes. Durante sessão ontem em Montes Claros, no Norte de Minas, o presidente da CPI, deputado Geraldo Resende (PMDB-MS), informou que solicitará auditoria ao Departamento Nacional do SUS (Denasus) nos pagamentos feitos na cidade, a fim de apurar o possível envolvimentos dos hospitais.
Os integrantes da CPI foram à cidade ouvir autoridades e vítimas do esquema de desvio de recursos do SUS desmontado pela Operação Desiderato, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2 de junho. Foram presos temporariamente em Montes Claros três médicos, suspeitos de receber propinas de duas empresas fornecedoras stents, pagas com recursos do SUS.
Durante a sessão na Câmara Municipal, o procurador do Ministério Público Federal André Vasconcelos Dias e o delegado da Polícia Federal Marcelo Eduardo Freitas repassaram para a CPI todas as informações sobre a Operação Desiderato. O procurador disse que, ainda como “bonificação”, empresas fazem doações de equipamentos caros para médicos, cujos valores variam de US$ 700 mil a US$ 1 milhão.
O delegado Marcelo Freitas, que chefia a PF em Montes Claros, reafirmou que em três anos uma empresas pagou cerca de R$ 1,5 milhão aos três médicos, mediante simulação de “prestação de serviços” por uma firma fantasma. Afirmou também que outra empresa pagou aos envolvidos R$ 450 mil em espécie. “Os pagamentos eram feitos no próprio setor do hospital”, revelou o policial. Ele informou que foram bloqueados R$ 5 milhões depositados em contas dos médicos.
O assunto que acabou tomando conta de grande parte dos trabalhos da CPI foi o questionamento se havia conhecimento das irregularidades pela direção das duas instituições onde os médicos envolvidos trabalharam, o Hospital Dilson Godinho e a Santa Casa de Montes Claros. A questão foi levantada logo no início da reunião pelo procurador André Vasconcelos. “Ainda não conseguimos comprovação que aponta a participação dos hospitais (no esquema). Mas, se houver algum indício, deverá ser investigado”, afirmou o procurador, lembrando que a Operação Desiderato ainda terá novas fases e desdobramentos.
PREFEITO FAZ ACUSAÇÕES O prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB), declarou que “pelo menos 20% dos pagamentos feitos aos hospitais conveniados pelo SUS na cidade, referentes a procedimentos de alta complexidade, são fraudulentos. Informou que, de R$ 180 milhões anuais repassados aos hospitais locais, R$ 120 milhões se referem a procedimentos de alta complexidade, sendo que R$ 24 milhões correspondem ao valor das fraudes.
Ele anunciou ainda que a prefeitura vem criando mecanismos para combater as irregularidades, “mas que tem dificuldades para impedir os desvios porque apenas recebe a documentação enviada pelos hospitais e faz o repasse dos recursos”.
Muniz reafirmou a suspeita de conivência dos hospitais com as fraudes, lembrando que são as instituições – e não os médicos – que enviam as faturas para o pagamento dos procedimentos feitos pelo SUS. “Não tem jeito de o gestor (do hospital) não ficar sabendo que tem coisa errada”, disse. Ele informou também que suspeita de fraude em outras áreas, como ortopedia e oncologia.
O prefeito provocou um clima tenso na reunião ao acusar uma série de supostas irregularidades na Santa Casa, onde trabalhava a equipe dos três médicos detidos na Operação da PF do MPF e onde foram identificados também casos de dupla cobrança de pacientes do SUS. Afirmou que, há anos, existem denúncias de cobrança indevida de pacientes do SUS na Santa Casa e que nunca foram apuradas pela direção do hospital. Também apontou a suspeita de enriquecimento ilícito por parte de integrantes da gestão anterior da direção do hospital.
Dirigente da Santa Casa nega fraude
Convocado pela CPI, o superintendente da Santa Casa, Maurício Sérgio Souza, rebateu as denúncias do prefeito Ruy Muniz. “Todas as acusações do prefeito são falsas”, alegou, garantindo que o hospital nunca foi conivente com fraude, mesma argumentação do diretor do Hospital Dilson Godinho, Dilson Quadros Godinho Junior, ouvido antes dele.
Souza foi pressionado pelos deputados, que questionaram se a direção dos hospitais tinha conhecimento do esquema e o que foi feito para punir os infratores. Alegou que assumiu o cargo em 2014 e que um mês depois foi aberta sindicância contra o médico Zandonai Miranda (preso na operação da PF), para apurar a dupla cobrança de R$ 40 mil da família de um paciente internado pelo SUS em 2013, que recebeu quatro stents farmacológicos.
Após a conclusão da sindicância, Zandonai foi suspenso por seis meses. O período de punição acabou sendo reduzido para três meses. Questionado sobre o motivo da atenuação da “pena”, Maurício respondeu que o período de suspensão foi diminuído em atendimento a um pedido de outros médicos que trabalhavam com Zandonai, que alegaram que o colega “estava passando dificuldades”.
Dois médicos detidos na operação - Zandonai e o irmão dele, Gerson Miranda - foram convocados a depor na CPI, mas o advogado deles, Enio Ribeiro, disse que eles estavam viajando e não conseguiram retornar a tempo para depor.
Ainda durante a reunião da CPI, foram ouvidos depoimentos de pacientes, que contaram terem sido vítimas dos médicos detidos em Montes Claros. Uma delas, Maria Elci, declarou que pagou R$ 30 mil ao médico Zandonai Miranda pela instalação de três stents farmacológicos.
Outra depoente, Eliana Alves disse que pagou R$ 15 mil por uma cirurgia particular e foi submetida a colocação de um stent farmacológico. Mas um laudo indicou que ela teria recebido três próteses. “Agora, estou na dúvida se recebi um ou três stents”, disse.
Entenda o caso
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagaram em Montes Claros, em 2 de junho, a Operação Desiderato, para desmontar um esquema de desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Duas empresas são suspeitas de pagar propinas a médicos para fraudar cirurgias cardíacas (angioplastias). Segundo a investigações, médicos recebiam “bonificações” no uso de próteses fabricados pelas duas empresas, pagas pelo SUS. O valor da propina era de R$ 500 pelo stent convencional e R$ 1 mil pelo stent farmacológico. Sete pessoas foram detidas na operação, incluindo três médicos. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Máfia das Próteses e Órteses foi instalada no Congresso Nacional para investigar o esquema.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagaram em Montes Claros, em 2 de junho, a Operação Desiderato, para desmontar um esquema de desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Duas empresas são suspeitas de pagar propinas a médicos para fraudar cirurgias cardíacas (angioplastias). Segundo a investigações, médicos recebiam “bonificações” no uso de próteses fabricados pelas duas empresas, pagas pelo SUS. O valor da propina era de R$ 500 pelo stent convencional e R$ 1 mil pelo stent farmacológico. Sete pessoas foram detidas na operação, incluindo três médicos. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Máfia das Próteses e Órteses foi instalada no Congresso Nacional para investigar o esquema.