Belo Horizonte está às voltas com uma conta que não fecha, mas cujo resultado pode ser observado em todo canto da cidade: apesar de a capital ter 1 mil vagas em abrigos para acolher a população de rua, e praticamente o dobro de pessoas nessa situação, há dias em que a ociosidade nessas unidades de apoio chega a 20%. Quem se recusa a trocar esquinas, marquises e viadutos por uma estrutura pública lista uma série de motivos para isso, que vão desde insegurança nesses locais até as regras de convivência impostas. E muitos são categóricos: se não encontrarem algo melhor, pretendem continuar onde estão. Enquanto isso, a cidade assiste às ruas tomadas por barracos improvisados em papelão e pessoas, inclusive crianças, em situações degradantes de sobrevivência.
O desafio é antigo. A prefeitura até dá sinais de reconhecer a necessidade de mudar o modelo, mas ainda não passou da fase de planejamento. Uma das mudanças é relativa ao tamanho das unidades de acolhimento: o município reconhece que o albergue de 400 vagas não funciona. “Nossa ideia é criar unidades menores, com no máximo 100 pessoas, o que facilita a ressocialização”, comenta a coordenadora do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua, Soraya Romina.
Para Rosângela de Oliveira, de 45 anos, mais da metade – 26 – perambulando pelas ruas da cidade, muita coisa tem que melhorar para que ela mude de vida. Ela diz que já tentou ficar em abrigo, mas não conseguiu. “Há muita briga, bicho, e até drogas lá dentro. A gente fica com medo e é melhor ficar perto dos amigos que temos por aqui”, diz, confessando estar acostumada e até gostar da vida que leva.
MODO DE VIDA Esse é outro desafio que a prefeitura tem pela frente, conforme Michele Rali, psicóloga e pesquisadora associada do Centro de Referência Regional em Drogas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, no censo de 2013, do qual participou, foi identificado que essa população está envelhecendo. Se em 1998, 67% dos moradores de rua se encontravam na faixa etária de 18 a 40 anos, em 2013, o levantamento apontava que a mesma porcentagem tem agora entre 31 e 50 anos. “São pessoas que se habituaram a viver assim. Virou um modo de vida”, diz. Michele considera a questão difícil e diz que, mais que um modelo de acolhimento, é preciso haver um movimento para geração de emprego para essas pessoas. “Muitos têm interesse em ter um trabalho de forma digna. Talvez o passo seja sensibilizar a sociedade para aceitar esses indivíduos e dar a eles mais oportunidades”, diz.
Valdirene Carvalho, de 31, diz que seria candidata, caso houvesse essa iniciativa. Ela conta que está na rua há três anos e que já passou por muita tristeza. “Já tiraram de mim dois filhos.
A prefeitura desconhece qualquer aumento. Segundo Soraya Romina, o município ainda trabalha com o último número do censo de 2013, que dava conta de 1.827 moradores em situação de rua na capital. “Há cerca de mil vagas em abrigos na cidade, sendo que há taxas de ociosidade de 15%, 17% e até de 20% em alguns dias”, afirma.
FISCALIZAÇÃO Outra frente da admnistração municipal para lidar com o problema é a fiscalização e remoção de objetos desses grupos. A política que deve nortear o trabalho é a de recolher tudo o que não possa ser carregado por essas pessoas. Na prática, como se pode observar em moradias improvisadas espalhadas por toda a cidade, não é o que ocorre.
E, quando ocorre, parece ter resultado limitado. Na quarta-feira, o Estado de Minas flagrou a calçada da Avenida do Contorno, próximo ao Viaduto da Floresta, tomada por barracões improvisados. Ontem, a fiscalização da prefeitura foi ao local, por volta das 8h da manhã. Pouco tempo depois, parte das moradias que haviam sido removidas foi novamente levantada. Os moradores de rua reclamaram do recolhimento e disseram que os fiscais levaram documentos, celulares e até a lona que os protegia do frio.
Segundo Soraya Romina, a fiscalização é semanal e, dependendo da regional, pode ocorrer mais de uma vez na semana. “A prefeitura tem poder legal para fazer essa fiscalização. Temos uma atenção redobrada com esse grupo, que é de extrema vulnerabilidade social. Não é permitido recolher objetos que a pessoa carregue consigo, como cobertor, documentos e carrinhos. Aquilo que o morador em situação de rua consegue portar não deve ser retirado”, diz. A ideia, explica, é garantir a essa parcela da população e também aos outros belo-horizontinos o direito de ir e vir..