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Estado de Minas

Sobram vagas nos albergues, mas desabrigados preferem viver nas ruas de BH

Aumento do número de moradores de rua enquanto há espaço ocioso nas estruturas de acolhimento para essa parcela da população indica que desafio social exige novas políticas


postado em 19/06/2015 06:00 / atualizado em 19/06/2015 08:17

A Avenida do Contorno, na Floresta, em dois momentos: na quarta-feira, 'vila' improvisada tomava conta da calçada; ontem, pouco depois de fiscalização que ordenou a retirada, um dos barracos já havia sido remontado(foto: Alexandre Guzanshe/Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
A Avenida do Contorno, na Floresta, em dois momentos: na quarta-feira, 'vila' improvisada tomava conta da calçada; ontem, pouco depois de fiscalização que ordenou a retirada, um dos barracos já havia sido remontado (foto: Alexandre Guzanshe/Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)

Belo Horizonte está às voltas com uma conta que não fecha, mas cujo resultado pode ser observado em todo canto da cidade: apesar de a capital ter 1 mil vagas em abrigos para acolher a população de rua, e praticamente o dobro de pessoas nessa situação, há dias em que a ociosidade nessas unidades de apoio chega a 20%. Quem se recusa a trocar esquinas, marquises e viadutos por uma estrutura pública lista uma série de motivos para isso, que vão desde insegurança nesses locais até as regras de convivência impostas. E muitos são categóricos: se não encontrarem algo melhor, pretendem continuar onde estão. Enquanto isso, a cidade assiste às ruas tomadas por barracos improvisados em papelão e pessoas, inclusive crianças, em situações degradantes de sobrevivência.


O desafio é antigo. A prefeitura até dá sinais de reconhecer a necessidade de mudar o modelo, mas ainda não passou da fase de planejamento. Uma das mudanças é relativa ao tamanho das unidades de acolhimento: o município reconhece que o albergue de 400 vagas não funciona. “Nossa ideia é criar unidades menores, com no máximo 100 pessoas, o que facilita a ressocialização”, comenta a coordenadora do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua, Soraya Romina.

Rosângela de Oliveira, que tem 45 anos, diz viver há 26 na rua: segundo ela, virou hábito(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.a press)
Rosângela de Oliveira, que tem 45 anos, diz viver há 26 na rua: segundo ela, virou hábito (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.a press)
Segundo ela, no censo feito com esses moradores em 2013, quando perguntados sobre o local de preferência para dormir, a maioria dos consultados (56,6%) afirmou preferir a rua, enquanto 43,4 % manifestaram preferência por unidades de acolhimento institucional. As razões principais apontadas por quem escolhe permanecer ao relento foram a inflexibilidade de horários e regras (33,5%) nos abrigos, seguida da falta de segurança (25,6%), dificuldade de acessibilidade (16,3%), falta de conhecimento da localização (16%) e maus-tratos (15%). Porém, 94% dos entrevistados disse desejar sair da rua – 70% deles por meio de acesso à moradia e 60% por trabalho assalariado.

Para Rosângela de Oliveira, de 45 anos, mais da metade – 26 – perambulando pelas ruas da cidade, muita coisa tem que melhorar para que ela mude de vida. Ela diz que já tentou ficar em abrigo, mas não conseguiu. “Há muita briga, bicho, e até drogas lá dentro. A gente fica com medo e é melhor ficar perto dos amigos que temos por aqui”, diz, confessando estar acostumada e até gostar da vida que leva.

MODO DE VIDA Esse é outro desafio que a prefeitura tem pela frente, conforme Michele Rali, psicóloga e pesquisadora associada do Centro de Referência Regional em Drogas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, no censo de 2013, do qual participou, foi identificado que essa população está envelhecendo. Se em 1998, 67% dos moradores de rua se encontravam na faixa etária de 18 a 40 anos, em 2013, o levantamento apontava que a mesma porcentagem tem agora entre 31 e 50 anos. “São pessoas que se habituaram a viver assim. Virou um modo de vida”, diz. Michele considera a questão difícil e diz que, mais que um modelo de acolhimento, é preciso haver um movimento para geração de emprego para essas pessoas. “Muitos têm interesse em ter um trabalho de forma digna. Talvez o passo seja sensibilizar a sociedade para aceitar esses indivíduos e dar a eles mais oportunidades”, diz.

Valdirene Carvalho, de 31, diz que seria candidata, caso houvesse essa iniciativa. Ela conta que está na rua há três anos e que já passou por muita tristeza. “Já tiraram de mim dois filhos. O último foi há três meses. Tinha acabado de dar à luz. O meu sonho é poder um dia ter um lar, mas trabalho olhando carros e o dinheiro é pouco. Quando tento um emprego, as pessoas me julgam pela aparência e não me dão nem ouvido.” Valdirene tem a sétima série e diz que já foi para abrigos da prefeitura e não gostou. “É muita gente e tive medo até de dormir. Não conheço ninguém e as pessoas poderiam fazer algum mal a mim. Prefiro dormir perto de gente que conheço.” Ela diz observar que, nos últimos meses, o número de moradores de rua tem aumentado na cidade.

A prefeitura desconhece qualquer aumento. Segundo Soraya Romina, o município ainda trabalha com o último número do censo de 2013, que dava conta de 1.827 moradores em situação de rua na capital. “Há cerca de mil vagas em abrigos na cidade, sendo que há taxas de ociosidade de 15%, 17% e até de 20% em alguns dias”, afirma.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)
Ela enumera os muitos motivos que levam essas pessoas a evitarem os abrigos. Um deles são as regras. “Há horário de chegada, não pode ter drogas nem álcool. Essas pessoas romperam seus vínculos familiares e encontram nas ruas solidariedade de outros na mesma situação. Então, criam verdadeiros grupos de amizades”, afirma. “Outra questão é a sensação de liberdade de estar nas ruas, de dormir a hora que querem, beber, etc. E há também a questão das doações, que os mantêm ali”, enumera, dizendo que, por mais polêmico que seja, doar objetos de casa e roupas faz com que essas pessoas mantenham a rua como moradia.

FISCALIZAÇÃO Outra frente da admnistração municipal para lidar com o problema é a fiscalização e remoção de objetos desses grupos. A política que deve nortear o trabalho é a de recolher tudo o que não possa ser carregado por essas pessoas. Na prática, como se pode observar em moradias improvisadas espalhadas por toda a cidade, não é o que ocorre.

E, quando ocorre, parece ter resultado limitado. Na quarta-feira, o Estado de Minas flagrou a calçada da Avenida do Contorno, próximo ao Viaduto da Floresta, tomada por barracões improvisados. Ontem, a fiscalização da prefeitura foi ao local, por volta das 8h da manhã. Pouco tempo depois, parte das moradias que haviam sido removidas foi novamente levantada. Os moradores de rua reclamaram do recolhimento e disseram que os fiscais levaram documentos, celulares e até a lona que os protegia do frio.

Segundo Soraya Romina, a fiscalização é semanal e, dependendo da regional, pode ocorrer mais de uma vez na semana. “A prefeitura tem poder legal para fazer essa fiscalização. Temos uma atenção redobrada com esse grupo, que é de extrema vulnerabilidade social. Não é permitido recolher objetos que a pessoa carregue consigo, como cobertor, documentos e carrinhos. Aquilo que o morador em situação de rua consegue portar não deve ser retirado”, diz. A ideia, explica, é garantir a essa parcela da população e também aos outros belo-horizontinos o direito de ir e vir.


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