Jornal Estado de Minas

Prefeitura de Ouro Preto é intimada pela terceira vez a obedecer regras de preservação

Também por três vezes, a administração municipal irá se negar a cumprir a ordem judicial, recorrendo das três liminares, por intermédio da procuradoria do município

Sandra Kiefer
Tráfego de veículos está proibido na histórica Rua Getúlio Vargas - Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press

Em exatos 15 dias, completados hoje, a Prefeitura de Ouro Preto foi intimada por três vezes pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a obedecer às regras de preservação de sua paisagem colonial característica do século 18, tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo próprio município. Na Região Central de Minas, Ouro Preto foi a primeira cidade histórica brasileira a receber o título de patrimônio da humanidade pela Unesco, desde 1980. Também por três vezes, a administração municipal irá se negar a cumprir a ordem judicial, recorrendo das três liminares, por intermédio da procuradoria do município.


A cruzada de ações contra o prefeito José Leandro Filho (PSDB) teve início no dia 3, determinando a partir daí que o administrador recue de atitudes como asfaltar uma rua de paralelepípedos centenários e atue na preservação da Rua Getúlio Vargas, no Centro Histórico, sob ameaça de desmoronamento, além de providenciar o cercamento do Morro da Queimada, o que está sendo pedido há cinco anos pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Ouro Preto. “Não se trata de uma ofensiva do Ministério Público, mas, na verdade, de uma defensiva em relação à prefeitura local, que até acata nossos termos de ajustamento de conduta, porém, na prática, o processo se mostra pouco proveitoso”, afirmou o promotor Domingos Ventura de Miranda Júnior, da 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto. “Vamos recorrer de todas as decisões da Justiça”, avisou o procurador-geral do município, Kleyton Pereira.

De acordo com o Ministério Público, a Rua Getúlio Vargas, que começa no Largo da Alegria, nos fundos da tradicional Igreja do Pilar, está sob ameaça de desabamento, o que poderia levar junto até 12 casarões históricos com seus moradores, se não forem feitas obras de emergência no local. “O MP tem o dever de agir, não pode esperar até ocorrer uma catástrofe impactando diretamente os bairros do Rosário e Pilar”, alerta o promotor Ventura.

Cercamento do Morro da Queimada está sendo pedido há cinco anos - Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press
Já o procurador do município alega que a rua é importante do ponto de vista dos moradores da cidade e que a sua interdição total, que está sendo cumprida desde a semana passada, inviabiliza o trânsito e a circulação de pessoas em Ouro Preto. “Vamos pedir a desinterdição parcial da rua, permitindo que ela retorne ao estado em que estava antes, que passem carros na metade da via, enquanto na outra metade a obra continua sendo executada com a colocação de tapumes”, justifica Kleyton Pereira, alegando que a solução teria sido negociada com a comunidade, especialmente com representantes da associação comercial, prejudicados com o acesso à principal rua dos bancos na cidade.

‘CIDADE SEM ALMA’ Em relação ao asfaltamento das ruas do Bairro Vila Aparecida, que culminou na cobertura dos paralelepípedos em frente à Casa dos Inconfidentes, o secretário de Governo Flávio Andrade alega que se trata de um esforço da administração para integrar o museu à comunidade. “Asfaltamos todo o bairro nessa administração e não havia muito sentido em deixar um pedaço de 100, 200 metros de fora do centro reconhecido como histórico pelos moradores, com autorização do Iphan.

Para dentro do portão, o pátio da casa foi todo mantido com a cobertura original. Não há qualquer intenção, plano ou proposta da parte do prefeito de asfaltar ruas do Centro Histórico de Ouro Preto”, garantiu. “Mas precisamos reconhecer também as necessidades da comunidade para que Ouro Preto não se transforme em uma cidade sem alma, como Parati, usada apenas para festivais e gravação de filmes”, defende o secretário.

Há dois dias, a Justiça concedeu liminar determinando a adoção de medidas emergenciais para garantir a preservação do Parque Arqueológico Municipal Morro da Queimada, área de 67 hectares que fica a dois quilômetros da Praça Tiradentes, com ruínas arqueológicas. Para o MP, que chegou a disponibilizar ajuda material de R$ 100 mil para efetuar o cercamento do parque, o local está sujeito a invasões, despejo de lixo e retirada da vegetação. “O valor é insuficiente para cobrir o orçamento de R$ 162 mil, que já está desatualizado há três meses. Tivemos problemas com o orçamento, que só foi aprovado em abril, e com as doações prometidas por uma mineradora, que iria patrocinar o restante da verba, mas desistiu depois da crise”, justificou a secretária de Meio Ambiente, Érika Curtiss.

A reportagem do Estado de Minas tentou contato com o prefeito, mas, segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, ele estava em agenda fora da cidade, impedido de responder a entrevistas.

Riqueza, revolta e tombamento


Antiga capital de Minas, Ouro Preto foi palco da Inconfidência Mineira, maior movimento libertário do país, no século 18, auge da exploração do ouro no Brasil. Abrigou também o barroco europeu e o adaptou principalmente pelas mãos de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Em 1933, foi elevada a Monumento Nacional. Em 1938, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O maior reconhecimento veio da Unesco, em 1980, quando foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade. Atualmente, tem tombados em nível municipal três núcleos históricos, três conjuntos paisagísticos, seis bens imóveis e dois bens móveis. Pelo Iphan, foram tombados 47 bens, além de dois bens culturais: toque dos sinos em Minas Gerais e o ofício de sineiro, ambos em 2009. Pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), existe apenas um bem tombado, constituído pela Fazenda do Manso.  (Fonte: Portal do Patrimônio da Prefeitura de Ouro Preto)
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