Em exatos 15 dias, completados hoje, a Prefeitura de Ouro Preto foi intimada por três vezes pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a obedecer às regras de preservação de sua paisagem colonial característica do século 18, tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo próprio município. Na Região Central de Minas, Ouro Preto foi a primeira cidade histórica brasileira a receber o título de patrimônio da humanidade pela Unesco, desde 1980. Também por três vezes, a administração municipal irá se negar a cumprir a ordem judicial, recorrendo das três liminares, por intermédio da procuradoria do município.
A cruzada de ações contra o prefeito José Leandro Filho (PSDB) teve início no dia 3, determinando a partir daí que o administrador recue de atitudes como asfaltar uma rua de paralelepípedos centenários e atue na preservação da Rua Getúlio Vargas, no Centro Histórico, sob ameaça de desmoronamento, além de providenciar o cercamento do Morro da Queimada, o que está sendo pedido há cinco anos pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Ouro Preto. “Não se trata de uma ofensiva do Ministério Público, mas, na verdade, de uma defensiva em relação à prefeitura local, que até acata nossos termos de ajustamento de conduta, porém, na prática, o processo se mostra pouco proveitoso”, afirmou o promotor Domingos Ventura de Miranda Júnior, da 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto. “Vamos recorrer de todas as decisões da Justiça”, avisou o procurador-geral do município, Kleyton Pereira.
De acordo com o Ministério Público, a Rua Getúlio Vargas, que começa no Largo da Alegria, nos fundos da tradicional Igreja do Pilar, está sob ameaça de desabamento, o que poderia levar junto até 12 casarões históricos com seus moradores, se não forem feitas obras de emergência no local. “O MP tem o dever de agir, não pode esperar até ocorrer uma catástrofe impactando diretamente os bairros do Rosário e Pilar”, alerta o promotor Ventura.
Já o procurador do município alega que a rua é importante do ponto de vista dos moradores da cidade e que a sua interdição total, que está sendo cumprida desde a semana passada, inviabiliza o trânsito e a circulação de pessoas em Ouro Preto. “Vamos pedir a desinterdição parcial da rua, permitindo que ela retorne ao estado em que estava antes, que passem carros na metade da via, enquanto na outra metade a obra continua sendo executada com a colocação de tapumes”, justifica Kleyton Pereira, alegando que a solução teria sido negociada com a comunidade, especialmente com representantes da associação comercial, prejudicados com o acesso à principal rua dos bancos na cidade.
‘CIDADE SEM ALMA’ Em relação ao asfaltamento das ruas do Bairro Vila Aparecida, que culminou na cobertura dos paralelepípedos em frente à Casa dos Inconfidentes, o secretário de Governo Flávio Andrade alega que se trata de um esforço da administração para integrar o museu à comunidade. “Asfaltamos todo o bairro nessa administração e não havia muito sentido em deixar um pedaço de 100, 200 metros de fora do centro reconhecido como histórico pelos moradores, com autorização do Iphan.
Há dois dias, a Justiça concedeu liminar determinando a adoção de medidas emergenciais para garantir a preservação do Parque Arqueológico Municipal Morro da Queimada, área de 67 hectares que fica a dois quilômetros da Praça Tiradentes, com ruínas arqueológicas. Para o MP, que chegou a disponibilizar ajuda material de R$ 100 mil para efetuar o cercamento do parque, o local está sujeito a invasões, despejo de lixo e retirada da vegetação. “O valor é insuficiente para cobrir o orçamento de R$ 162 mil, que já está desatualizado há três meses. Tivemos problemas com o orçamento, que só foi aprovado em abril, e com as doações prometidas por uma mineradora, que iria patrocinar o restante da verba, mas desistiu depois da crise”, justificou a secretária de Meio Ambiente, Érika Curtiss.
A reportagem do Estado de Minas tentou contato com o prefeito, mas, segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, ele estava em agenda fora da cidade, impedido de responder a entrevistas.
Riqueza, revolta e tombamento
Antiga capital de Minas, Ouro Preto foi palco da Inconfidência Mineira, maior movimento libertário do país, no século 18, auge da exploração do ouro no Brasil. Abrigou também o barroco europeu e o adaptou principalmente pelas mãos de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Em 1933, foi elevada a Monumento Nacional. Em 1938, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O maior reconhecimento veio da Unesco, em 1980, quando foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade. Atualmente, tem tombados em nível municipal três núcleos históricos, três conjuntos paisagísticos, seis bens imóveis e dois bens móveis. Pelo Iphan, foram tombados 47 bens, além de dois bens culturais: toque dos sinos em Minas Gerais e o ofício de sineiro, ambos em 2009. Pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), existe apenas um bem tombado, constituído pela Fazenda do Manso. (Fonte: Portal do Patrimônio da Prefeitura de Ouro Preto)