Fernando Brant, o filho do Moacyr e da Yolanda, fez poesia das pessoas e dos bichos. Como poucos, o compositor que partiu na semana passada deu sentimento às coisas e aos lugares, em versos que vencem o tempo. Por onde passou, o mineiro de Caldas, no Sul de Minas, escreveu paisagens e assentou janela no coração e na alma das gentes. Depois de crescer moleque em Diamantina, aos 9 anos, o menino observador partiu com a família para Belo Horizonte. Da capital, Fernando fez quintal mundo adentro para suas travessuras. Em homenagem ao artista, o Estado de Minas percorreu um pedaço da BH de Brant, e esteve em muitas das esquinas do poeta. A mais famosa, seguramente a das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no Bairro Santa Tereza, que batizou o movimento musical imortalizado por Brant e por amigos como Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges, Beto Guedes e Toninho Horta. Mas há outras.
Das lições deixadas pelo irmão poeta, Ana Brant destaca o valor da família, “do chão e da origem”. “Ele amava muito a terra dele. Preocupava-se sempre em valorizar as pessoas. Conhecemos Belo Horizonte por meio do olhar dele, que sempre trouxe os amigos para dentro da nossa casa. Os amigos dele eram nossos amigos também”, diz a jornalista. Moacyr considera que de “tão belo-horizontino”, o irmão não deu conta de morar no Rio de Janeiro. “Ele pediu transferência na Faculdade de Direito e no trabalho como jornalista na revista O Cruzeiro.
O Bairro Cachoeirinha, na Região Nordeste, é destaque na BH do poeta.
Simplicidade e encanto
Wallace Silva, antes do salão, onde está há 18 anos, já conhecia o compositor de outras passagens pela Quilombo, produtora de Milton Nascimento, nos anos 1980 e 1990. O cabeleireiro, fã e amigo é outro que chama a atenção para a educação e generosidade da família. “É uma perda que a gente nem dá conta de explicar. É o próprio Fernando quem mais vai fazer falta na poesia dele”, diz, com a voz embargada. Gil Marciano era quem cuidava do cabelo do poeta. O empresário já foi inclusive personagem das crônicas de Fernando Brant publicadas no EM.
“Ele cortava o cabelo de pouco em pouco tempo, porque não gostava de ver crescer o topete. Uma vez, mudei o jeito de pentear. Ele demorou a voltar e fiquei preocupado. Quando voltou, perguntei se tinha ficado aborrecido e ele disse: ‘Não acredito que eu passei a vida inteira brigando com o meu topete, penteando para o lado errado. Ficou muito bom’. E sorriu”, conta Gil. “O bom humor e a sensibilidade dele para falar e escrever vão ficar em mim para toda a vida”, pontua.
MERCADO
No Mercado Central, no Mané Doido, Fernando arrebatou o coração da família Drumond. A começar pelo Manoel Penido, o próprio Mané, que, emocionado, mal dá conta de falar sobre a partida do amigo. Fôlego retomado, o comerciante aposentado elogia o poeta: “Desconheço defeito no Fernando Brant. Um amigo que me trouxe muita alegria, quando lançou o livro dele no meu bar. Ele fez morada no coração do povo de Belo Horizonte”, diz. Fátima Drumond, filha do Manoel, também se emociona ao falar do compositor. “Fez caso do meu pai, fez caso de mim. O Fernando é poeta que eternizou a amizade com a Canção da América”, diz a professora, que homenageia o compositor em seu mestrado em administração.
Em outro quadrante da Avenida Augusto de Lima, em mais uma das tantas esquinas do poeta, está o Edifício Maletta. Nele, mais um caminho de encontros: a Cantina do Lucas. O advogado Márcio Santiago, de 72, companheiro de torcida e prosa, na mesa de sempre, a 19, relembra o amigo. “Era um grande americano. Um cinéfilo apaixonado. Achava que o verso, que a poesia, estava acima dele. Tinha um respeito enorme pela palavra. Sabia da força de seus versos. Um refém da poesia. Já bebemos muita cerveja aqui”, diz. Rua da Bahia acima, na Praça da Liberdade, a alameda central tem o nome “Travessia” – homenagem à famosa canção de Fernando e Milton. Ali, no coração de BH, ficou a homenagem ao poeta que tinha BH no coração.
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