A escassez de recursos, pessoal, medicamentos e materiais que sacrifica usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), antes de atingir os pacientes pressiona as equipes que estão dentro das unidades. Os médicos relatam ter medo, não só de agressões mas de serem punidos por complicações provocadas pela falta de infraestrutura ou pela pressão exercida pelos gestores por aumento de atendimentos – que não necessariamente significa melhor qualidade. Segundo uma das médicas da UPA Norte, no Bairro 1º de Maio, em Belo Horizonte, faltam medicamentos básicos, como amoxilina, para tratar infecções respiratórias típicas desta época do ano. Ela diz ainda que o trabalho fica comprometido pela falta de aparelhos de raios x e eletrocardiogramas, que chegam a permanecer inoperantes por dias. Insumos básicos, como talas de imobilização, máscaras para inalação, água filtrada para diluição de medicamentos orais, lençóis para macas e camas de observação, assim como cobertores, também estão na lista de materiais que faltam.
“A infraestrutura também é complicada. A UPA é pequena. Pacientes ficam nos corredores e alguns chegam a receber soroterapia em pé, por falta de leitos. Nos banheiros, faltam sabonete líquido, álcool em gel, papel toalha e papel higiênico”, diz a profissional.
Presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira explica que o problema da escassez de recursos é generalizado em Minas. No interior, onde a infraestrutura é ainda mais precária, os pacientes se vêm obrigados a procurar cidades polo para tratamento. Essa migração, de acordo com Lincoln, provoca um inchaço nos serviços de Belo Horizonte, também sufocados pela região metropolitana. “Como as unidades de pronto atendimento (UPAs) são porta aberta durante 24 horas, sete dias por semana, os doentes dão entrada na urgência e emergência para conseguir tratamento”, disse.
“Quem mais sofre é o paciente, que espera horas para ser atendido ou nem mesmo consegue o tratamento. Mas, na outra ponta, o profissional também vive a angústia de não ter estrutura. Fica de mãos atadas e não encontra retaguarda em outros hospitais para transferir o paciente”, afirma Lincoln Ferreira. Segundo ele, isso ajuda a explicar o motivo da falta de médicos. “Com tantas dificuldades, o profissional não assume o risco de continuar numa unidade onde o paciente pode morrer no seu plantão por falta de condições, porque pode responder ética e criminalmente por omissão de socorro”, ressaltou.
DESRESPEITO
Pior para quem precisa do atendimento. De acordo com a diarista Simone Aparecida Oliveira, de 37 anos, que frequentemente usa o serviço da UPA Norte, as condições chegam a ser desrespeitosas com o cidadão.
Na UPA Nordeste, as dificuldades vivenciadas na Norte se repetem. Um dos médicos plantonistas relata um ambiente que pode ser considerado insalubre. Faltam um sistema de ventilação que funcione, lençóis, assento para vaso sanitário, medicamentos e a estrutura é completamente sucateada. O profissional, que pediu anonimato, lembra que a manutenção de equipamentos é algo problemático, pois a gestão da unidade não se preocupa com essas coisas. “Já ficamos sem água na UPA e o entupimento de pias é frequente. Balanças, macas e estruturas gerais dos consultórios sofrem com a ação do tempo e não são substituídas, apenas repintadas”, acrescenta. Outro problema é a sobrecarga de trabalho.
O problema está longe de se restringir à capital. No Hospital Regional de Betim, uma das médicas, que pediu para não ser identificada, relata o drama vivido pela falta de vagas para fazer partos. “Antes de o parto acontecer, a gente interna a paciente em um setor que chamamos de pré-parto, onde temos sete leitos. Em um dos meus plantões, já atendemos 19 pacientes e tivemos que colocar mulheres em macas espalhadas e também em cadeiras, dada a falta de lugares apropriados”, exemplifica. Outro problema é a falta de vagas no bloco cirúrgico, o que impede que cirurgias agendadas sejam realizadas. “Às vezes, o paciente chega e vê que não tem a vaga. Eles ficam extremamente chateados e a gente fica muito triste ao presenciar uma situação dessas”, afirma.
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