Jornal Estado de Minas

Pacientes do SUS enfrentam riscos na peregrinação em busca de vagas

Equipes incompletas, equipamentos inoperantes e falta de leitos e medicamentos submetem pacientes do SUS a peregrinação em veículos de socorro em BH para conseguir atendimento

Valquiria Lopes Guilherme Paranaiba
Ambulância chega ao João XXIII, onde médicos afirmam receber pedidos de colegas para acolher pacientes - Foto: Túlio Santos/EM/DA Press


A busca pelos serviços de saúde em Belo Horizonte e em outras cidades da Grande BH é um drama que não termina nas unidades de urgência e emergência e gera outro movimento na rede pública: o vaivém de ambulâncias pela capital. Com equipes médicas desfalcadas, equipamentos quebrados ou em manutenção, além de falta de leitos e medicamentos – como mostrou ontem reportagem do Estado de Minas –, pacientes são obrigados a transitar entre as diferentes unidades para conseguir o primeiro atendimento, internação ou exames essenciais para um diagnóstico seguro. Uma corrida que em muitos casos segue na direção contrária à do tratamento, pois piora o quadro dos pacientes e aumenta os desafios de médicos já sobrecarregados. “Como os casos que chegam às unidades de pronto atendimento são de maior complexidade, nesses deslocamentos o quadro clínico do paciente só se agrava”, afirma o presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira. Ele ressalta ainda que o problema é geral no estado. “Basta ir à Região Hospitalar, no Bairro Santa Efigênia (Centro-Sul de BH), para ver como é enorme o número de prefeituras que procuram a capital para atender seus pacientes”, diz.


Na semana passada, a usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) S., que prefere não se identificar, sentiu na pele o drama da desassistência médica em BH. Ela chegou às 7h ao Centro de Saúde Santa Terezinha, na Região da Pampulha, levando o filho com suspeita de dengue. A criança recebeu indicação de transferência para uma unidade de urgência e emergência, mas não pôde ser levada à UPA de sua regional porque não havia pediatras de plantão na última quarta-feira.

De ambulância, mãe e filho seguiram para a UPA Norte, onde o menino foi atendido no fim da tarde. Durante todo esse tempo, S. segurou um recipiente de soro ligado a um cateter venoso que havia sido colocado na criança ainda no posto de saúde. “O que fazem com a gente é um desrespeito, mas temos que nos sujeitar, porque não posso ir pra casa com ele sem uma consulta”, disse a mãe, enquanto cuidava da criança, revelando a angústia da espera no olhar.


De acordo com médicos que trabalham nas UPAs de Belo Horizonte, o vaivém de ambulâncias motivado por falta de estrutura em unidades é comum. “Isso gera atraso para o atendimento do paciente, desconforto, além de aumentar o risco de agravamento do quadro clínico”, afirma uma médica de uma das unidades de urgência e emergência, que também pede anonimato. Ela ainda critica a forma como os pacientes são transportados: “Andam em ambulâncias pequenas e superlotadas, e ficam expostos ao risco de acidentes”, disse.


Apesar de ser referenciado para casos graves de traumas e atendimentos complexos de urgência, como acidentados do trânsito e baleados, o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII tem sido porta de entrada para pacientes que não encontram retaguarda nas UPAs ou outros hospitais da capital. Integrante da Comissão de Mobilização da unidade, o clínico-geral Carlos William Delfim diz serem frequentes os pedidos de colegas que trabalham em unidades de pronto-atendimento para aceitar pacientes que precisam de internação urgente. “Eles ligam pedindo até ‘pelo amor de Deus’; como são casos graves, não há como negar”, afirma. Carlos William cita exemplos como os de pacientes com pneumonia grave, que precisam de ventilação mecânica. Como o serviço não existe na UPA e não há vaga nos hospitais, acabam indo parar no João XXIII. “Vejo a sensação de impotência em que o colega fica, porque ele sabe que existe o tratamento, que algo pode ser feito, mas ele não tem o recurso disponível. Isso gera um estresse muito grande para o profissional, que acaba sendo também vítima desse sistema”, afirma o médico.

Pacientes se espremem em veículo na busca de tratamento que não encontraram em UPA de BH: além de sofrimento, risco de acidentes - Foto: Divulgação

Até aparelhos
Outro problema que alimenta a movimentação de ambulâncias pelas ruas de Belo Horizonte é a quantidade de aparelhos para a realização de exames que ficam inoperantes por longos períodos, à espera de conserto e manutenção. Médicos do Hospital Infantil João Paulo II, antigo Centro Geral de Pediatria (CGP), denunciam que o colonoscópio, aparelho usado para exames no intestino, ficou cerca de um ano estragado antes de ser encaminhado para a manutenção.

Já o broncoscópio, bastante usado nas crianças com traqueostomia para fazer a varredura da traqueia e dos brônquios, ficou cerca de seis meses com problema e ainda aguarda o retorno da manutenção.


A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) informa que o colonoscópio e o broncoscópio estão passando pela manutenção devida e serão entregues ao Hospital João Paulo II em 45 dias. A Secretaria Municipal de Saúde da capital alega que só há registro de equipes incompletas na rede pública no setor de pediatria. Para tentar contornar o problema, foi feita uma escala de atendimento para a especialidade. Segundo o órgão, pacientes com pulseira verde ou amarela, escalas de prioridades menos graves, são direcionados a outras UPAs, enquanto os que recebem a pulseira laranja ou vermelha, que correspondem a casos mais complexos, são estabilizados pelo clínico geral de plantão. Depois, são encaminhados, de ambulância, a uma unidade que tenha pediatra de plantão.

Tomografia


Uma das apostas da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) para diminuir o tempo de espera dos pacientes em suas unidades de saúde deve começar a funcionar nos próximos 45 dias. O Hospital Júlia Kubitschek vai substituir um tomógrafo antigo, cuja vida útil se esgotou em outubro do ano passado, por um novo aparelho, com previsão de realizar 350 exames por mês nas clínicas de pneumologia, tisiologia, clínica médica, clínica cirúrgica, maternidade, neonatologia, terapia intensiva, unidade de emergência e cirurgia torácica. O problema obriga a saída de pacientes para serem examinados em outras unidades da rede e, consequentemente, aumenta a necessidade de transporte pela cidade. O serviço de tomografia computadorizada vai beneficiar também outros exames de contratos com o SUS, demarcação para radioterapia do Hospital Alberto Cavalcanti e solicitações de outros hospitais da Fhemig. O investimento no novo equipamento foi de R$ 1,6 milhão.

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