A saúde pública, sistema em que a insuficiência de recursos já sacrifica pacientes e profissionais, enfrenta agora o risco de tornar-se ainda mais precária. Sem saber quais serão os efeitos individuais do contingenciamento de 11,3% nas verbas da saúde, anunciado pelo governo federal, municípios mineiros informam estar de mãos atadas para planejar seus gastos na área. “A informação do bloqueio de mais de R$ 11,7 bilhões no orçamento repercutiu de forma muito negativa entre as prefeituras. O que está pactuado não deve mudar. Mas ainda existe uma grande indefinição sobre como os serviços vão se comportar”, afirma o presidente da Associação Mineira de Municípios, Antônio Júlio, prefeito de Pará de Minas, no Centro-Oeste do estado.
No caso de Minas, o Ministério da Saúde ainda não informou qual será o tamanho do corte. No ano passado, R$ 7,4 bilhões de recursos federais para a saúde foram executados no estado. Até a última sexta-feira, exatamente metade desse montante havia sido liberada, ou seja, R$ 3,7 bilhões.
O setor técnico da AMM está fazendo um levantamento para avaliar o impacto do bloqueio de verbas, mas a entidade teme que, mesmo sem cortes em programas principais ou na execução de obras, a falta de novos investimentos somada à demanda crescente leve ao colapso do sistema público. O impacto do bloqueio de recursos é mais um dos desafios da saúde, em um quadro de escassez que afeta pacientes e médicos, como vem mostrando o Estado de Minas em reportagens publicadas desde domingo.
Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Saúde informou que, até o momento, não houve redução de repasses federais. Porém, a União já anunciou, por exemplo, que vai padronizar o dinheiro do Programa de Incentivo às Cirurgias Eletivas, pagando até 100% acima da Tabela SUS. A medida representaria um impacto de R$ 4,5 milhões mensais a menos para Belo Horizonte para a realização de operações agendadas. Com esse valor fora do orçamento, a redução nas cirurgias é estimada em 40%. Isso porque o incentivo recebido pela PBH, atualmente, gira em torno de 218% da tabela SUS.
TESOURA FEDERAL Em 22 de maio, o governo federal autorizou um bloqueio total de R$ 69,9 bilhões em gastos no Orçamento de 2015. Por ministério, o das Cidades foi o que sofreu o maior corte (R$ 17,23 bilhões). A Saúde veio em segundo lugar, com um bloqueio de R$ 11,77 bilhões em seu orçamento. Apesar do contingenciamento, o governo informou que o limite autorizado para gastos neste ano com o SUS ficou R$ 3 bilhões acima do valor mínimo constitucional (de R$ 98 bilhões), assegurando recursos para o sistema público e para os programas Mais Médicos e Farmácia Popular.
Mas o corte na previsão orçamentária ocorre em um setor já sacrificado. No interior e na Região Metropolitana de Belo Horizonte, hospitais têm fechado as portas ou interrompido serviços de urgência e emergência. O movimento obriga pacientes a conviver com longos períodos de espera, além de sobrecarregar a capital, que já enfrenta problemas com equipes de médicos incompletas e falta de remédios, de equipamentos e de insumos.
De acordo com o presidente da AMM, o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Pará de Minas, ainda está funcionando, mas em condições financeiras precárias. “A maior parte das unidades de saúde da nossa região está com a vida financeira comprometida. Em Formiga, Oliveira, Campo Belo e Divinópolis, os serviços de urgência e emergência foram paralisados. O de Pará de Minas ainda está aberto, mas, se não houver um socorro, vai parar também”, afirmou Antônio Júlio. Segundo ele, diante do clima de incerteza sobre o contingenciamento, os prefeitos não estão tendo condição de planejar novas ações.
Vizinho a Belo Horizonte, o município de Sabará, na Região Metropolitana de BH, vive situação semelhante. O prefeito Diógenes Fantini (PMDB) afirmou também não ter sido informado oficialmente sobre bloqueios, mas teme que a situação da saúde se complique ainda mais no município. “Temos apenas uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). Na Santa Casa, só são atendidos casos mais simples. Toda a demanda de alta complexidade entra na central reguladora e é encaminhada principalmente para BH”, afirma. “Não só em Sabará, mas em todo o estado, tenho visto hospitais fechando serviços essenciais para a população”, afirmou. De acordo com o prefeito, o município já está sacrificado com os gastos com o setor. “Enquanto o previsto para ser investido deve ser de 15%, estamos destinando 25% à saúde. Qualquer arrocho vai ter efeito direto nas equipes médicas e atrapalhar até mesmo atendimentos básicos”, afirmou.
Em Santa Luzia, também na Grande BH, o atendimento médico, que já era ruim, piorou com o fechamento do único hospital que atendia pelos SUS. Toda a prestação de serviço agora é concentrada na UPA do Bairro São Benedito, que vive lotada. A dona de casa Natália da Silva Aquino, de 21 anos, que apresentava sintomas da dengue, passou mais de quatro horas à espera de consulta. Ela levou a filha de 9 meses, já sabendo que demoraria, e a criança estava impaciente. “O atendimento está cada vez pior”, disse ela, reclamando de dores de cabeça e no corpo.
COMPROMISSOS Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que a previsão de repasses da União para o estado, em 2015 é de R$ 1,4 bilhão e que não há previsão de cortes. Além do montante, a União faz repasses diretos aos municípios. A Lei Orçamentária do Estado para 2015 prevê gastos de R$ 5,02 bilhões em recursos próprios. A SES reitera que todos os compromissos e investimentos assumidos pela atual gestão estão mantidos.
De acordo com o Ministério da Saúde, o contingenciamento não afetará a oferta de serviços e a execução de obras, uma vez que o bloqueio será em recursos da gestão, no setor administrativo.