“Ainda estamos em situação extremamente preocupante. A vazão do Rio das Velhas tem caído dia a dia, assim como o nível dos reservatórios. Estamos em pleno início do tempo seco e não descartamos, infelizmente, a possibilidade de racionamento nem a cobrança de sobretarifa (nas contas de água)”, disse Sinara Meireles, durante seminário que trouxe a Belo Horizonte a experiência espanhola de enfrentamento da crise hídrica vivida pelo país europeu em 2007.
Nessa mesma época de 2014, a situação do Sistema Paraopeba, um dos responsáveis pelo abastecimento dos 5,5 milhões de habitantes da Grande BH, era capacidade de 56,1%. Um ano depois, a reserva é de 36,3%, mesmo tendo recuperado volume entre janeiro, data do anúncio oficial da crise, e ontem.
“Na Grande BH, os reservatórios estão com 30% do volume de água acumulado. Isso significa que estamos entrando em um período de seca com um terço do que usualmente se tinha. Daí a importância de reforçar o apelo, pedindo à população que economize água. Os 30% são essenciais nesse momento”, alertou a presidente da Copasa. A empresa ressalta que o programa Caça-Gotas, lançado no início do ano para diminuir o tempo de solução dos vazamentos, já surtiu efeitos na Grande BH. O tempo médio para atender as ocorrências, que era de nove horas, caiu para quatro horas e 31.
SOBRETARIFA A sobretarifa nas contas de água também está na mira da empresa, cuja metodologia é definida pela Agência Reguladora dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (Arsae/MG). “A Arsae já avançou na metodologia. A Copasa solicitou que ela suspendesse a fase externa de desenvolvimento, que é justamente a parte de audiência pública. Vamos em meados de julho definir, de acordo com o nível dos reservatórios, se trabalharemos com a sobretarifa”, acrescenta Sinara Meireles.
O diretor-geral da Arsae/MG, Antonio Caram Filho, diz que o pedido de suspensão da Copasa vale por 30 dias e vence em 11 de julho. “Se não houver outra solicitação, a partir dessa data a Arsae volta a trabalhar na sobretarifa, mas novos estudos referentes a julho deverão ser considerados”, afirma o diretor.
Outra situação que preocupa bastante é a do Rio das Velhas, que fornece 60% da água consumida em Belo Horizonte. Desde 18 de maio, o manancial está em estado de atenção, pois o resultado de sua vazão na estação de tratamento Honório Bicalho da Copasa, em Nova Lima, na Grande BH, é igual ou menor do que 200% do nível mais baixo medido nos últimos 10 anos, em sete dias consecutivos, o chamado índice Q7,10.
Essa situação prevê bastante cuidado, pois o próximo nível na escala da escassez dos recursos é o estado de alerta, que antecede a restrição de uso da água. “Tivemos uma ajuda importante do tempo até maio, que contribuiu para a recarga hídrica do Velhas. Mas agora estamos trilhando um caminho de travessia, pois estimamos chegar a agosto com uma vazão abaixo dos 12 metros cúbicos por segundo”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.
A Q7,10 do Rio das Velhas na Estação Honório Bicalho é 10,25, valor muito próximo do estimado pelo ambientalista para agosto, mês considerado crítico no período seco. Se a vazão se repetir durante sete dias em um valor que não ultrapasse a Q7,10, automaticamente o rio entra em estado de alerta. “Estamos tentando trabalhar com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e com os usuários da bacia para fazer um plano de contingenciamento. Como a vazão vai baixar, teremos que fazer ajustes nas outorgas. É importante lembrar também que o rio não serve só para suprir BH, ele tem que seguir o caminho até o São Francisco e para isso precisa ter vazão”, completa Polignano.
O objetivo é evitar que aconteça com o Velhas o que já está acontecendo com o Rio Piranga, primeiro manancial a entrar em estado de alerta, em 19 de maio, quando saiu o primeiro boletim do Igam com o monitoramento hidrológico dos cursos d’água em Minas. O manancial, que integra a Bacia do Rio Doce, ficou sete dias com vazão inferior ou igual ao valor total de sua Q7,10.
“Esse é um resultado do perfil de dois anos de chuvas. Nos últimos dias, houve oscilação entre os estados de alerta e atenção e ele ainda não está totalmente consolidado em estado de alerta”, informa a engenheira civil do Igam, Patrícia Carvalho. A estação que registra as vazões que foram consideradas para que o manancial entrasse em estado de alerta fica em Ponte Nova, na Zona da Mata.
Palavra de especialista
Carlos Martinez, coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG
Sobretaxa não é razoável
“Observando os dados disponibilizados pela Copasa, é possível perceber que a situação é crítica, pois os reservatórios estão bem abaixo do que foi registrado na mesma época do ano passado em um momento de período seco mais crítico. Porém, antes de racionamento, é importante saber sobre as perdas do sistema, que ficam na faixa dos 40%. Se existem perdas acentuadas no sistema, a captação continuará alta para atender a uma demanda que se perde no meio do caminho. Se houver redução de perdas confiável e, mesmo assim, a situação ainda for crítica, o certo é partir para o racionamento. Sobretaxa não é uma alternativa razoável em um momento de crise econômica e inflação alta.”
Prefeito veta proposta
O prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), vetou uma proposição de lei para criar normas de captação, conservação e uso de água nos prédios do município. De autoria do vereador Adriano Ventura (PT), a lei pretendia também promover a conscientização dos usuários sobre a importância do uso racional da água. Entre as normas, estava a instalação de sistemas hidráulico-sanitários com materiais reconhecidos como de menor consumo de água, dispositivos economizadores como chuveiros e lavatórios de volumes fixos de descarga. A regra também estabelecia a captação de água de chuva para regar jardins e hortas, lavagem e roupas, veículos, vidros, calçadas e pisos.