Jornal Estado de Minas

Confira a entrevista com o fundador da Fraternidade Kayman, no Bairro Ipiranga

Fundador da fraternidade que alia rituais da umbanda e do santo-daime fala sobre Chico Xavier, a descoberta da ayahuasca e como recebeu do Sol o presente para criar a Kayman

Daniel Camargos
Médium e pai de santo, Pierry fundou a Fraternidade Kayman há 13 anos, após ter uma visão estimulada pela ayahuasca - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press

Robespierry Caetano, o Pierry, fundador da Fraternidade Kayman, que une a umbanda ao santo-daime em Belo Horizonte, planeja criar uma comunidade, ou uma ecovila, em alguma área rural próximo à capital. Quer erguer uma igreja e um terreiro. “Um local em que as pessoas possam plantar e produzir aquilo que consomem”, vislumbra. A segunda parte do plano é transformar o espaço da Fraternidade Kayman, no Bairro Ipiranga, em local para realização de cirurgias espirituais.

Pierry diz ter descoberto sua mediunidade ainda criança, quando vivia com os pais em uma fazenda, em Ouro Verde de Goiás. Aos 21 anos, decidiu procurar o médium Chico Xavier, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Ele lembra que entrou na fila para conversar com Chico diversas vezes, mas não conseguia, devido ao grande número de pessoas e à velocidade do andamento da fila.

“Na sétima vez, eu tinha acabado de passar por ele quando recebi o Pai João. Foi então que o Emmanuel (um dos espíritos incorporados por Chico Xavier) nos chamou. Ele disse que eu tinha um dom e uma missão muito grandes”, relata Pierry.

No ano seguinte, após a morte do deputado Ulysses Guimarães, em 12 de outubro de 1992, Pierry diz ter recebido um recado espiritual do político, informando sobre a localização do helicóptero, que havia caído no litoral sul do Rio de Janeiro.
“Meu pai vendeu umas vacas e me deu o dinheiro viajar. Cheguei a Parati (RJ) e fui até o local onde a Marinha fazia as buscas. Disse que sabia onde estava o helicóptero, mas todos riram e me mandaram embora”, recorda.

REVELAÇÕES Quando estava saindo, Pierry diz ter incorporado Pai João, que começou a conversar com um tenente: “Você é filho da dona Marta de Mogi Mirim e tem um irmão que está sofrendo muito, mas vai conseguir sair do vício das drogas”, disse. Segundo Pierry, o militar ficou assustado e aceitou a ajuda. Com a localização indicada pelo médium, foi encontrado o primeiro destroço do helicóptero, o tanque de combustível. A ajuda se tornou notícia e foi destaque em todos os jornais do país. Pierry ficou famoso, foi personagem de uma reportagem do Fantástico, na TV Globo, e entrevistado por Jô Soares, à época no SBT.

“No dia em que chegou, mergulhadores desceram num ponto indicado por ele e encontraram o tanque de combustível do aparelho acidentado”, destacou a edição do Estado de Minas. O corpo de Ulysses nunca foi localizado.

CIRURGIAS Em 1996, quando Pierry conheceu Belo Horizonte, também foi notícia no EM. Uma foto na capa da edição de 13 de fevereiro mostrava o médium com uma faca de cozinha na mão e tratando o pé de uma senhora. “Centenas de pessoas, das mais diferentes crenças, enfrentam diariamente uma longa fila em frente ao Exoteric Center, na Avenida Augusto de Lima, para serem atendidas pelo médium”, publicou o jornal, na capa.

Segundo Pierry, nessas cirurgias, ele trabalhava com os médicos – já desencarnados – Custódio Vilela Ribeiro e Lazarino, este último um mexicano com aparência feminina. Em apenas um dia, Pierry atendeu 700 pessoas. “Minha vinda a BH foi determinada pelo plano espiritual, a fim de que eu pudesse resgatar uma missão. A cidade tem muita energia espiritual e aqui me sinto bem”, explicou ao EM, há 19 anos.

No ano seguinte, em janeiro de 1997, Pierry voltou às páginas do EM.
Ele estava atendendo em Montes Claros, no Norte de Minas. A reportagem destacava que as filas chegavam a dois quarteirões. A operária Maria Isaura Lopes procurou o atendimento porque tinha um problema no útero. “Vim e estou curada”, disse.

Pierry calcula que nos sete anos dedicados ao atendimento espirituais, entre 1993 e 2000, operou 1,08 milhão de pessoas  no país, percorrendo 80 cidades apenas em Minas. “Eu chegava a um lugar e procurava um local, geralmente alguma entidade de assistência social, pedindo um espaço. Em troca, arrecadava alimentos e roupas para distribuir às pessoas carentes”, relata.

Em 2000, Pierry decidiu se fixar em BH. Fundou a Sociedade Mineira de Amparo Social (Somas), que seguia as linhas kardecista e de umbanda, no Bairro Renascença, Região Nordeste de BH. “Eu estava descrente e meu mentor espiritual percebeu. Foi quando o Pai João me orientou a tomar o santo-daime”, lembra o médium.

Veja o vídeo da cerimônia



Mistura de religiões não é bem vista


A Fraternidade Kayman é a referência em umbandaime em Minas Gerais. No Brasil, existem dois outros centros conhecidos, o Reino do Sol, na capital paulista e Flor da Montanha, em Lumiar, no Rio Janeiro.
Este último é, inclusive, o pioneiro em umbandaime no país, quando iniciou as cerimônias na década de 1980 com a Mãe de Santo Baixinha. O diretor cultural da Federação Brasileira de Umbanda, José Carlos Gentil, entende que a mistura das religiões não é boa. “Com todo o respeito que tenho pelo santo-daime, mas não faz parte da umbanda tomar o chá”, acredita Gentil. Mas ele pondera que todas as religiões têm “um elo de ligação uma com as outras”.

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‘Curado’ pelo chá


Pierry recorda que não teve tempo de pesquisar e que, por coincidência, havia no Somas alguns adeptos do santo- daime. “Pai João sabia que eles eram daimistas, e pediu que fizessem um trabalho de cura para ver se eu voltava a ficar animado”, recorda Pierry. “Passados uns 40 minutos, eu comecei a sentir o daime, mas muito leve. Comecei até a questionar: 'O que estou fazendo tomando esse chá? Isso pode ser uma droga'”, lembra Pierry. O presidente da sessão, porém, falou para ele esperar mais 15 minutos. “Eu senti o daime muito forte. Achei que ia morrer, pois minha pressão caiu e eu comecei ter a sensação de que estava virando água. Saí da cadeira e caí. Achei que estava tendo um AVC ou algo parecido. Mas aí começou uma miração”, relata, referindo-se a uma visão estimulada pela bebida.

Pierry lembra ter visto um vale de morte e ter ficado com medo. Porém, segundo ele, Pai João de Aruanda pediu que seguisse na miração. Passou a enxergar um jardim alegre, com muitos pássaros. “Tinha uma estrada que chegava a um castelo, em um lugar muito alto. Eu cheguei a esse lugar e vi dois sentinelas vigiando a porta de entrada. Observei a porta e vi que tinha muitos entes queridos, pessoas amigas que haviam desencarnado, quando, de repente, uma voz me chamou e eu olhei. Era o Sol”, detalha.

O Sol, descreve Pierry, tinha olhos, boca e nariz e apresentou a ele a Lua, dizendo que era casado com ela e que as estrelas eram seus filhos e filhas. “De repente, ele me perguntou: ‘Você quer fazer um pedido?’”, recorda. Pierry diz ter pedido um espaço maior para poder trabalhar com a doutrina do santo-daime. “Ele imediatamente disse: ‘Pois não’. Aí veio uma ânsia de vômito. Eu consegui levantar e fiz a limpeza, como chamamos”, explica, referindo-se ao fato de ter vomitado. No dia seguinte, segundo Pierry, um conhecido o procurou e contou que tinha sonhado com ele. “Ele disse que sonhou que eu precisava de um espaço maior e que ele tinha que me trazer aqui nesse lugar (onde funciona a Kayman)”, relembra.

A Fraternidade Kayman foi fundada em 31 de agosto de 2002, sete meses após a visão de Pierry. A casa tem 140 filhos batizados na linha de umbanda e capacidade para receber até 260 pessoas durante as cerimônias. Quem passa pela Rua Pio X e vê a placa com o nome da Fraternidade e um discreto portão dificilmente imagina a configuração do local. No terreno com poucos metros de frente e bem comprido, há algumas casas, onde Pierry e outras pessoas vivem, e várias construções com motivos religiosos – Casa de Exu, Senzala (espaço para atendimento dos preto velhos) e o grande salão, com altares e espaço para as cerimônias. Entre os filhos da casa, estão pessoas de diversas classes sociais e profissões, incluindo psicólogos, publicitários, médicos, engenheiros, advogados e muitos estudantes. A maioria do público é formada por pessoas abaixo de 30 anos..