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Estado de Minas

Seca e falta de recursos agravam a situação nas favelas do Jequitinhonha

Abundam construções precárias, esgoto é jogado em rio e um buraco serve de lixão. Moradores dizem que já perderam a esperança


postado em 29/06/2015 06:00 / atualizado em 29/06/2015 07:46

Local conhecido como Calhauzinho, às margens do Rio Araçuaí, está totalmente abandonado, segundo os moradores(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS)
Local conhecido como Calhauzinho, às margens do Rio Araçuaí, está totalmente abandonado, segundo os moradores (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS)

Em uma casa de dois cômodos, sem banheiro, quase às margens do Rio Araçuaí, mora Iduviges da Costa Soares, de 34 anos, e seus cinco filhos. Há dois anos, ela deixou Laranjeira, na zona rural de Itinga, para tentar a vida em Araçuaí. Sem dinheiro para pagar aluguel, foi morar em um barraco em uma pequena faixa de terra, construído pelo pai, já falecido, que também deixou a terra natal para arriscar a sorte no município, uma das cidades-polo da Região do Médio Jequitinhonha, que vive um processo de favelização e degradação a olhos vistos. Batizado de São Jorge, o bairro de Eduviges é um exemplo disso. No aglomerado, as ruas não têm asfalto, o lixo está espalhado por todos os cantos e o esgoto corre a céu aberto. Os moradores também enfrentam problemas com o consumo e o tráfico de drogas e muitos têm medo de falar e sofrer represálias.

Mesma situação do lugar conhecido como Calhauzinho, também na beira do Rio Araçuaí, onde a cidade começou. Lá fica a primeira rua do município, a Gentil de Castro, homenagem a um coronel e um dos fundadores da cidade, onde mora seu Joscelino Costa Almeida, de 59, e toda a família. Nascido no mesmo dia da posse do presidente Juscelino Kubitschek, daí seu nome – grafado errado no cartório –,  ele criou todos os filhos nesse local. Alguns continuam na casa do pai ou em moradias precárias construídas ao redor. A rua, que já foi uma das vias mais movimentadas da cidade, nem de longe lembra seus tempos de glamour.

No lugar, abundam construções precárias, o esgoto é jogado diretamente no rio e um buraco enorme serve de lixão, onde são despejados eletrodomésticos velhos, carcaças de animais e toda sorte de resíduos. A louça é lavada no rio, um pouco antes de onde corre o esgoto. “Aqui era muito bom”, lamenta Joscelino, que já trabalhou na prefeitura, na Vale do Rio Doce e foi canoeiro, mas cujo lema hoje é “esperar o que vem e comer o que não tem”. “Não tenho salário, não tenho emprego mais. Do que eu vou viver? Como vou melhorar minha casa, manter arrumada como já foi um dia. Aqui, estamos abandonados”, conta o morador, que, para amenizar o mau cheiro do esgoto no quintal, cobre os dejetos que saem de um cano com terra.

Nos bairros Nova Esperança e Santo Antônio, as ruas são largas e as casas não são grudadas uma nas outras, mas muitas não têm asfalto, esgoto e energia elétrica. Esses bairros de Araçuaí, municípios que já teve dias de glória e chegou a ser conhecido como a capital do Nordeste mineiro, não fazem parte da listagem oficial de favelas do IBGE, mas não devem nada aos aglomerados da capital em termos de falta de infraestrutura e problemas com tráfico. O prefeito de Araçuaí, Armando Jardim Paixão (PT), admite esse processo de favelização e afirma que ele não se restringe ao seu município.

Veja vídeo sobre os aglomerados no Jequitinhonha

CULPA DA SECA Presidente da Associação dos Municípios do Médio Jequitinhonha (Ameje), o prefeito atribui os problemas à seca prolongada que castiga a região há quatro anos consecutivos, à falta de recursos dos municípios, que estão em “processo de falência”, e ao desemprego, causado em grande parte pela legislação que estabeleceu a colheita totalmente mecanizada da cana-de-açúcar até 2017, cortando postos de trabalho na região. Maior produtor de cana da América Latina, São Paulo tinha os vales do Jequitinhonha e Mucuri e o Norte de Minas como as maiores fornecedoras de mão-de-obra para essa colheita. Atualmente o novo destino dos trabalhadores do semiárido mineiro é a colheita de maçã no interior de Santa Catarina, mas a distância de cerca de 2 mil km não torna o recrutamento tão atrativo quanto era para o interior paulista.

Segundo ele, a única saída para a região é solucionar o problema da falta de água. “Sem água, o povo abandona a zona rural e vem para cidade em busca de emprego. Chega aqui, não tem condição de alugar ou comprar casa e acaba vivendo de maneira cada vez mais precária”. Os municípios, afirma, não têm condições de resolver o problema da moradia sem recursos do estado e do governo federal. “Temos a promessa de recursos para a construção de 150 moradias. Vamos ver”. Em relação à questão da segurança, a situação é semelhante. Em Araçuaí, a prefeitura, segundo Armando, paga parte da gasolina das viaturas, ajuda no conserto dos veículos e mantém quatro funcionários trabalhando às custas dos cofres municipais. Reclamação semelhante foi feita pelo prefeito de Virgem da Lapa, Harley Lopes (PT), também no Vale do Jequitinhonha. Segundo ele, está havendo uma migração grande de moradores da zona rural para a urbana e muitos deles acabam enfrentando dificuldades para construir ou alugar moradias dignas. Por isso, se instalam em habitações precárias.

Em meio ao crack e à violência


Além da falta de planejamento urbano e da proliferação de moradias precárias, Araçuaí e outras cidades do Vale do Jequitinhonha, região com o menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do estado, enfrentam um problema comum às grandes cidades, principalmente nas favelas, e que já é realidade nas pequenas: o comércio do crack e, com ele, o aumento da violência. Nos três primeiros meses deste ano já foram registrados 56 crimes violentos em Araçuaí, o que corresponde a 57% de todas as ocorrências verificadas em 2014 na cidade, considerada pelo Observatório do Crack, mantido pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), um local com alto nível de circulação da droga. Araçuaí vive amedrontada.

Muitas casas estão cercadas com grades eletrificadas, arame ou com tradicionais fileiras de caco de vidro. À noite, as ruas ficam desertas e os casarões do centro velho, abandonado em 1979 depois de uma grande enchente, se transformam em locais de venda e consumo da droga. Tombadas como patrimônio público, essas construções estão tomadas pelo mato, depredadas, sujas e com restos de cachimbos usados para fumar crack. O uso da pedra já está tão disseminado que é tratado com naturalidade pelos moradores. Um garoto de apenas 13 anos, que se intitula guia, leva os turistas para conhecer os casarões e relata como se fosse um fato corriqueiro:  “Aqui foi destruído pelos usuários de pedra... Aqui eles usam para fumar durante a noite... Aqui também...”. As margens do Rio Araçuaí, onde moram dezenas de famílias, também viraram ponto de consumo e comércio de crack.

Quem mora na periferia sofre mais ainda com a ação dos traficantes que, segundo relatam os moradores, no ano passado chegaram a cobrar pedágio da população em uma das pontes da cidde. No dia em que a reportagem esteve em Araçuaí, um senhor foi assaltado por volta das 12h na rua mais movimentada . No dia seguinte, uma força tarefa da polícia chegou à cidade e os consumidores e vendedores de crack sumiram do centro velho.

No Bairro Nova Esperança,  loteamento criado há cerca de 20 anos, a situação é alarmante. As ruas são largas e as casas não são grudadas uma na outra, como acontece na maioria das favelas das cidades grandes, mas a falta de infraestrutura não difere muito dos aglomerados da capital. Quem manda são os traficantes. E muitas casas não têm água encanada A família de dona Hilda Maria Batista e seus filhos mora sem água e luz, em um barracão de dois cômodos, sem banheiro. Ao lado, mora Fernanda Santos Rodrigues, de 31, seu marido, Geraldo Luiz Santos, ambos desempregados, e os sete filhos do casal. No lote em frente, uma casa está abandonada. De acordo com os moradores, o proprietário se mudou por medo da violência.

Uma das primeiras moradoras do local, a viúva Vera Lúcia Rodrigues Souza, de 56, conta que no começo eram poucas casas e o desejo de que o bairro honrasse seu nome de batismo. “Quando cheguei aqui tinham quatro moradores. A gente não tinha moradia e a prefeitura marcou um lote para a gente, onde fizemos uma casinha. Tudo isso que você está vendo aí é casa nova, mas o bairro não está melhorando. Pelo contrário. Deveria ter mais assistência se não vai virar uma favela. O que tem mais aqui é tráfico e muita gente passando necessidade. Quando vim para cá tinha esperança de ser um lugar tranquilo, asfaltado, com assistência, mas isso a gente não vai ter. Hoje, a gente sente vergonha de falar que mora aqui”, conta Vera que, durante a entrevista, falava baixinho e ressabiada

CORONEL MURTA
Realidade parecida enfrenta a pequena Coronel Murta, 10 mil habitantes, também no Vale do Jequitinhonha. Há dois meses, traficantes da região levaram pânico a um dos bairros mais pobres da cidade, conhecido como Mutirão. A situação só se acalmou com a prisão de um suspeito de comandar a venda de drogas no local. O assunto, no entanto, ainda é tabu. Durante a visita da reportagem ao bairro, ninguém quis dar entrevista e muito menos ser fotografado.

Itaobim, 21,5 mil habitantes, enfrenta problemas parecidos. Alvo de alerta vermelho por parte do Observatório do Crack, a droga corre solta e domina a periferia da cidade. No Bairro Santa Helena, às margens do Rio Jequitinhonha, se aglomeram dezenas de pessoas vivendo em moradias precárias e sob o domínio de gangues de traficantes. Os moradores se recusaram a dar entrevistas. E não é por menos. Durante o tempo todo em que a reportagem esteve no local, foi acompanhada de maneira intimidadora por um grupo de três homens e não conseguiu conversar a sós com ninguém. Em maio, a polícia fez uma operação na região para combater o tráfico. Segundo um comerciante , que também não quis ser identificado, a situação se acalmou por uns dias para depois voltar tudo ao “normal”.


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