A migração de moradores de pequenos municípios para cidades maiores em busca de melhores oportunidades de vida está gerando duas novas realidades que implicam perda de qualidade de vida e graves problemas socioeconômicos. Conforme o Estado de Minas mostrou nas edições de segunda e terça-feira, a maior parte da população que se muda para centros maiores tem pouca instrução e baixa renda e acaba indo morar na periferia, contribuindo para o processo de favelização, em meio à falta de saneamento e violência. Agora, um estudo inédito sobre a migração no Norte de Minas mostra o outro lado desse êxodo: o esvaziamento demográfico de pequenos municípios encravados em regiões pobres, de onde saiu essa população, que correm o risco de virar cidades-fantasma.
Em quase 80% dos municípios do Norte de Minas, sai mais gente do que chega, principalmente por causa da seca. O estudo sobre o efeito da migração na região, elaborado pela professora Gildette Soares Fonseca, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), revela que é cada vez maior a saída de jovens que buscam melhores condições de vida nas cidades de maior porte, deixando somente as pessoas mais velhas nos lugares de origem.
“Alguns municípios tendem a diminuir tanto a população ao ponto de se tornarem insustentáveis. Não oferecem opção de trabalho ou outros atrativos de melhoria de vida para os jovens e tendem a concentrar somente a população mais velha”, avalia Gildette Fonseca, que desenvolveu o trabalho para tese de doutorado em Geografia – Tratamento da Informação, em fase de conclusão na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Com o uso de um software, a professora analisou os números relativos à saída e chegada de pessoas nos 89 municípios do Norte de Minas em um intervalo de 10 anos (2000/2010), com base dos dados do IBGE, conforme o Censo 2010, e elaborou o estudo “Migrações da mesorregião Norte de Minas Gerais: Análise demográfica de 2010” . Para analisar os dados, ela distribuiu os municípios em sete microrregiões.
Dos 89 municípios, 70 (78,6%) tiveram saldo negativo, com a saída de habitantes maior do que a entrada. Apenas 19 (21,4%) alcançaram saldo positivo, com maior entrada de pessoas. Em uma década, ocorreu evasão de 246.965 pessoas, enquanto chegaram apenas 164.718 à região, um déficit de 82.247 habitantes.
Na maioria dos municípios, além da emigração ser maior do que a imigração, há um decréscimo da taxa de fecundidade, verificada em todo o país”, comenta a professora da Unimontes. Ela ressalta que o fato de uma cidade apresentar saldo migratório negativo em determinado período não significa necessariamente que sofreu queda de população, por causa da “compensação” do crescimento vegetativo (taxa dos nascimentos x taxa de mortes). Isso explica o fato de que, embora 70 cidades tenham registrado saldo migratório negativo na década avaliada, no Censo 2010, apenas 21 municípios apresentaram quantidade de habitantes inferior à medida em 2000.
O Censo 2010 apontou nos 89 municípios do Norte de Minas um total de 1.610.413 moradores, com um acréscimo de 117.696 (7,8%) em relação à população contada no Censo 2000, que foi de 1.492.717 habitantes. “Mas temos que observar que, em boa parte dos pequenos municípios, se não houve redução da população, o crescimento do número de moradores também foi muito pequeno em um intervalo de 10 anos”, descreve a especialista.
A pesquisadora argumenta que, como ainda não defendeu a tese, não pode divulgar integralmente os resultados do estudo sobre os municípios que mais perdem habitantes em função da migração. Mas adianta que o número de pessoas que migram para outras regiões de Minas é superior à quantidade que sai em direção a cidades fora do estado. Quando se fala na saída para outros estados, São Paulo é o mais procurado pelos retirantes, seguido por Goiás e o Distrito Federal.
SÃO FRANCISCO O levantamento mostrou uma curiosidade em relação a São Francisco, cujo resultado do fluxo migratório foi negativo. A grande maioria dos moradores que deixam o município às margens do rio homônimo tem como destino Brasília (a 422 quilômetros de distância). “Não existe uma explicação clara para isso. Talvez seja por causa da ligação que São Francisco tem com o Noroeste do estado, mais próximo de Brasília”, comenta Gildette.
Entre os municípios que tiveram saldo positivo, com número maior de pessoas que chegaram do que as que saíram em 10 anos, está Jaíba, uma das cidades mais crescem na região. O crescimento do município é impulsionado pela produção do projeto de irrigação, que garante melhoria das condições de vida da cidade. Por outro lado, o município enfrenta uma escalada do aumento da violência, conforme revelou reportagem recente do Estado de Minas.
Seca é maior causa de fuga
A seca, historicamente, fomentou a migração de regiões como o Norte de Minas, que está no terceiro ano seguido de estiagem prolongada. Diante da falta de perspectivas, para escapar da fome e da sede, famílias inteiras de sertanejos abandonam os pequenos municípios, engrossando as populações dos aglomerados das grandes cidades, onde enfrentam dificuldades para conseguir emprego, devido à pouca instrução.
O estudo da professora da Unimontes Gildette Soares Fonseca mostra que, nas microrregiões do Norte do estado mais castigadas pela seca, é maior o número de municípios com saldo migratório negativo. Na microrregião da Serra Geral de Minas, por exemplo, onde os efeitos da estiagem são maiores, 11 municípios registraram saída maior do que a entrada de migrantes. Dos 17 municípios da microrregião de Salinas, apenas quatro tiveram saldo positivo. Em todos os seis da micorregião de Grão Mogol, o resultado do fluxo migratório foi negativo.
Gildette Soares Fonseca afirma que a “expulsão” de moradores pela falta de chuva se perpetua porque não são oferecidas condições para que os moradores dos pequenos municípios do semiárido superem as intempéries e permaneçam no lugar de origem. “O problema é que são implementadas ações governamentais para o combate à seca, porém, ninguém combate a seca, que é um fenômeno natural. São necessárias ações de convivência com a estiagem para minimizar os efeitos ”, recomenda a especialista.
A pesquisadora também aponta erros nas políticas públicas. “Os gestores municipais precisam de políticas públicas que garantam emprego e renda e condições de vida ideais para as pesssoas, sobretudo os jovens, permanecerem em seus lugares de origem”, alerta.