Alvo da tesoura sobre recursos federais, que de imediato cortará 2 mil cirurgias eletivas ao mês na cidade, a saúde é percebida pela população de Belo Horizonte como o pior serviço público prestado na capital, antes mesmo que sejam sentidos os efeitos da crise mais recente. Pressionado pela demanda do interior, que tende a se agravar com a decisão do estado de também cortar 12 mil procedimentos cirúrgicos ao mês, o setor aparece como o que traz mais insatisfação para a população, segundo levantamento feito pelo instituto MDA Pesquisa, sob encomenda do Estado de Minas, que entrevistou mil pessoas distribuídas pelas nove regionais belo-horizontinas, entre os dias 27 e 30 do mês passado. O desempenho das unidades de atendimento desagrada quase metade dos entrevistados. A situação é tão crítica que, mesmo quando os entrevistados foram estimulados a revelar a segunda maior causa de reprovação, a saúde aparece com 24,5% das indicações.
O segundo serviço que mais recebeu reclamações foi a segurança pública, com 18,2%, seguida da educação, que recebeu críticas de 10% dos cidadãos ouvidos . A pesquisa identificou as prioridades da população para o município, ao entrevistou pessoas acima de 16 anos. O intervalo de confiança, de acordo com o instituto, é de 95% e a margem de erro é de 3,1 pontos percentuais. A quantidade de entrevistas foi determinada pelo volume populacional de cada regional administrativa da cidade. Os entrevistadores foram estudantes da Universidade Federal de Lavras especialmente treinados para o levantamento.
A demora no atendimento é uma das razões para a insatisfação dos usuários com o serviço público de saúde. Foi o que ocorreu com o aposentado Eustáquio Jesus de Moura, de 41, que saiu de casa às 7h, mas só conseguiu ser atendido por volta das 15h30 e, mesmo assim, depois de uma pequena via-sacra. Primeiro, foi ao centro de saúde e só depois foi encaminhado à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Venda Nova. “Eles trocam o plantão ao meio-dia, mas ninguém nos avisa”, reclamou Eustáquio. Devido a uma cirrose, ele vai regularmente para receber transfusão de sangue. “É muito trabalho nas UPAs para poucos profissionais. Os enfermeiros ficam sobrecarregados e não conseguem dar a atenção necessária. O resultado é que muitas vezes ficam nervosos com os pacientes”, afirmou a estudante Larissa Layra de Moura, de 23, que foi acompanhar seu tio Eustáquio.
A situação no setor de urgência e emergência da capital é tão crítica que a área enfrenta um paradoxo. Conforme revelou série de matérias publicada pelo EM no mês passado, apesar de enfrentar superlotação e demanda crescente, o número de atendimentos vem caindo nas UPAs nos últimos cinco anos. Em 2010, cerca de 615 mil usuários foram acolhidos nessas unidades, número que caiu para 570 mil no ano passado. Porém, a Prefeitura de BH argumenta que essa oscilação está relacionada à variação nos atendimentos provocada pela dengue.
TROCA DE CARREIRA Do ponto de vista dos usuários, o fenômeno de fuga das UPAs tem entre suas explicações as dificuldades enfrentadas por usuários como Alzenira Amaro de Freitas, de 58, que ontem passou seis horas e meia esperando ser atendida. Com uma crise de bronquite, chegou à UPA Venda Nova às 9h30, mas só foi recebida no consultório às 15h50 de ontem. “Ela estava com uma crise de asma. Tive que reclamar várias vezes para que ela fosse atendida”, disse a neta da paciente, Scaren Lorrane Araújo de Oliveira, de 20.
A insatisfação com a saúde pública no Brasil levou inclusive a jovem a mudar de curso superior. Depois de começar a graduação de enfermagem e estagiar em um centro de saúde, resolveu se transferir para o curso de direito. “Estava muito insatisfeita com a saúde, então resolvi estudar para saber quais são os meus direitos e da minha família”, disse.
O carpinteiro Sebastião José da Silva, de 76, e a mulher dele, Izabel Maria da Silva, de 74, levaram à UPA o filho Fábio Antônio da Silva, de 46, devido a uma suspeita de pneumonia. Devido a problema cognitivos, Fábio precisa de atenção especial. “Já são dois dias que ele tem febre à noite. Também fez vômito. Da última vez que teve isso, era uma pneumonia”, disse a mãe. O casal estava preparado para esperar. “Vem muita gente do interior para ser atendida aqui em Belo Horizonte. Dentro da UPA está cheio. Não sabemos que hora vamos sair”, resignou-se Sebastião.
Medo da violência e alívio na cultura
A criminalidade é a segunda maior preocupação dos habitantes de BH, segundo o levantamento do instituto MDA. Foi o que responderam 18,2% dos mil entrevistados. Por outro lado, o cenário cultural se destaca como fator de maior satisfação, com 17% das respostas. Mesmo com engarrafamentos e um metrô que só conta com um ramal, o transporte público vem em seguida, aprovado por 13,6% dos entrevistados, muito próximo da educação pública, que marcou 13%.