Jornal Estado de Minas

Nível da água preocupa e mais de 70 cidades estão próximas da restrição em MG

Rio Piranga, que abastece dezenas de municípios na Zona da Mata, foi o primeiro no estado a entrar em situação de alerta, que antecede o corte obrigatório de 20% no consumo humano de água

Guilherme Paranaiba - Enviado especial

Curso que corta Ponte Nova tem pedras do leito expostas: rio abastece toda a população, da qual recebe 100% dos lançamentos de esgoto - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS


Ponte Nova – A crise hídrica que atinge Minas Gerais fez disparar o alarme no primeiro rio do estado – o Piranga, principal manancial de uma bacia que abastece 77 municípios, a maioria na Zona da Mata, e um dos dois formadores do Rio Doce, um dos principais do estadoDesde que o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) começou a monitorar os dados de vazões dos cursos d’água mineiros com publicações em sua página da internet, em 19 de maio, o Piranga foi o primeiro a entrar em estado de alerta, conforme publicação de 18 de junho confirmada anteontem, já que, durante uma semana, a vazão medida em uma estação de Ponte Nova, não ultrapassou o valor mínimo dos últimos 10 anos em sete dias consecutivos, índice conhecido como Q7,10O alerta chama a atenção para a iminência de restrições de consumo.


O segundo ponto monitorado a entrar em alerta está no Rio Araçuaí, parte da bacia do JequitinhonhaCom a perspectiva de pelo menos mais três meses de seca, a situação de outros 10 pontos monitorados – hoje em estado de atenção – pode piorarTrês desses locais estão no Rio das Velhas, e um deles é exatamente o ponto de captação de água da Copasa para abastecer 60% da população da capital, em Nova Lima, na Grande BHA previsão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas é de que o manancial chegue em agosto, período crítico de seca, com 12 metros cúbicos de água por segundo, bem próximo do limite considerado para entrar em estado de alerta, os 10,25 metros cúbicos por segundo da Q7,10.


Já no Rio Piranga, a Q7,10 considerada na estação da Agência Nacional das Águas (ANA) de Ponte Nova é de 27,42 metros cúbicos por segundoNo documento publicado pelo Igam em 18 de junho, as medições não tinham ultrapassado esse índice entre os dias 11 e 17 do mesmo mêsJá na planilha publicada na quinta-feira, a medição se repetiu abaixo do valor mínimo entre 22 e 28 de junhoIsso significa o enquadramento no último estágio antes da decretação de restrição de uso da água, segundo Deliberação Normativa 49/15 do IgamIsso ocorrerá, se a vazão medida em sete dias consecutivos não ultrapassar 70% da Q7,10, 19,19 metros cúbicos de água por segundo no Piranga, em Ponte NovaOs municípios afetados são Ponte Nova, Diogo de Vasconcelos, Acaiaca, Guaraciaba, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Amparo do Serra e Oratórios

Chegando ao estado de restrição, haveria necessidade de corte de 20% da captação de água para consumo humano.


A redução pode ser mais crítica para os demais municípios, já que o diretor do Departamento Municipal de Água, Esgoto e Saneamento de Ponte Nova, Guilherme Resende Tavares, diz que a autarquia municipal já pratica uma redução de 25%na captação para atender a população de 57 mil habitantes“Fizemos um investimento de quase R$ 5 milhões em melhorias na nossa rede, que significaram uma redução de perdas em 16 meses de 52% para 33% e continuamos monitorandoDa mesma forma, estamos batendo forte na questão da economia junto à população”, afirmaO resultado, segundo ele, é que a captação de 200 litros por segundo para abastecer os habitantes da cidade já caiu para 150 litros por segundo sem prejudicar o fornecimento.

O vigilante Geraldo Aleixo da Silva diante da régua que indica o nível do Piranga, hoje abaixo da marcação mínima: 'Culpa do ser humano' - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS
EFEITO
Apesar disso, nas ruas de Ponte Nova a população já percebe o efeito da crise no Piranga, que passa no meio da cidade e recebe 100% do esgoto da populaçãoUma régua posicionada e um dos pontos da calha do rio mostra o nível da água abaixo da menor marcação, que é de 50 centímetrosAs rochas do fundo do leito estão expostas, da mesma forma que toda a base de alvenaria de uma das pontes que transpõem o curso d’água“O normal de ver esse rio é na marca 150 (1 metro e 50 centímetros)Hoje está dando para atravessar a péMoro em Ponte Nova há 15 anos e é a pior situação desde que estou aqui”, diz o vigilante Geraldo Aleixo da Silva, de 58 anos“Sem dúvida nenhuma isso é culpa do homem, que vai desmatando a vegetação que protege os rios e causa uma situação dessas

As autoridades precisam tomar uma atitude para que não falte água para as pessoas”, completa.


O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piranga, Carlos Eduardo Silva, diz que, desde 2012, quem usa a água do manancial paga pela captação, o que rende de R$ 6 milhões a R$ 7 milhões por anoSegundo Carlos Eduardo, o valor é revertido em benfeitorias para a bacia“Dos 77 municípios, 52 foram escolhidos para que desenvolvessem o Plano Municipal de Saneamento, que é uma regra federal, e 30 já fecharam seus planos com esses recursosAgora, estamos discutindo a contratação de uma empresa para trabalhar em um programa de recuperação de nascentes e matas nativas ao longo da bacia”, disse, durante reunião bimestral do comitê, na última quinta-feira, em Ponte Nova.


Alarme no Araçuaí e ameaça no Velhas

Na publicação de 29 de junho do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) referente ao monitoramento hidrológico, o Rio Piranga ganhou a companhia do Rio Araçuaí entre os mananciais que entraram em estado de alertaAs medições de sete dias consecutivos não ultrapassaram o valor da Q7,10 do curso d’água, que faz parte da bacia do Rio Jequitinhonha, estipulada em 11,6 metros cúbicos de água por segundo.


Os dados do Igam mostram que o Rio Araçuaí entrou em estado de alerta devido às vazões contabilizadas entre 8 e 14 de junho, todas abaixo da Q7,10 do manancial na Estação Pega, em Virgem da Lapa, que é de 11,6 metros cúbicos de água por segundoOs reflexos de uma restrição de uso, que pode ser decretada caso a vazão fique durante sete dias seguidos abaixo de 70% do mínimo histórico, podem chegar aos municípios de Carbonita, José Gonçalves de Minas, Turmalina, Leme do Prado, Chapada do Norte, Berilo, Virgem da Lapa e Francisco Badaró.


Outro manancial que preocupa é o Rio das VelhasO curso d’água é responsável por 60% do consumo de Belo Horizonte e se torna ainda mais relevante em um contexto de restrição de uso do Sistema Paraopeba, composto pelos reservatórios Vargem das Flores, Serra Azul e Rio Manso.


Desde que o Igam começou a divulgar o monitoramento hidrológico, em 19 de maio, o Velhas apresenta índices de vazão que o colocam em estado de atençãoE o problema não é localizado: repete-se em três locais diferentes de medição ao longo do cursoMas, na estação da Copasa de Honório Bicalho, em Nova Lima, na Grande BH, as medições são as mais baixas.

É nesse ponto que a Copasa capta a água que abastece a maior parte da capital mineiraA Q7,10 nesse ponto é de 10,25 metros cúbicos de água por segundoEntre os dias 22 e 28 de junho, o valor mais baixo chegou a 15,6Se durante sete dias consecutivos a vazão não superar a Q7,10, o Velhas seguirá o caminho do Piranga e do Araçuaí, entrando em estado de alerta, último estágio antes da decretação de restrição de uso.


Se isso ocorrer, o racionamento estará estar mais próximo, já que o Velhas é usado hoje como margem de manobra para garantir as perdas com as restrições no Sistema ParaopebaA previsão do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, é chegar em agosto com 12 metros cúbicos por segundo, bem perto da Q7,10.