Ponte Nova – A crise hídrica que atinge Minas Gerais fez disparar o alarme no primeiro rio do estado – o Piranga, principal manancial de uma bacia que abastece 77 municípios, a maioria na Zona da Mata, e um dos dois formadores do Rio Doce, um dos principais do estado. Desde que o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) começou a monitorar os dados de vazões dos cursos d’água mineiros com publicações em sua página da internet, em 19 de maio, o Piranga foi o primeiro a entrar em estado de alerta, conforme publicação de 18 de junho confirmada anteontem, já que, durante uma semana, a vazão medida em uma estação de Ponte Nova, não ultrapassou o valor mínimo dos últimos 10 anos em sete dias consecutivos, índice conhecido como Q7,10. O alerta chama a atenção para a iminência de restrições de consumo.
Já no Rio Piranga, a Q7,10 considerada na estação da Agência Nacional das Águas (ANA) de Ponte Nova é de 27,42 metros cúbicos por segundo. No documento publicado pelo Igam em 18 de junho, as medições não tinham ultrapassado esse índice entre os dias 11 e 17 do mesmo mês. Já na planilha publicada na quinta-feira, a medição se repetiu abaixo do valor mínimo entre 22 e 28 de junho. Isso significa o enquadramento no último estágio antes da decretação de restrição de uso da água, segundo Deliberação Normativa 49/15 do Igam. Isso ocorrerá, se a vazão medida em sete dias consecutivos não ultrapassar 70% da Q7,10, 19,19 metros cúbicos de água por segundo no Piranga, em Ponte Nova. Os municípios afetados são Ponte Nova, Diogo de Vasconcelos, Acaiaca, Guaraciaba, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Amparo do Serra e Oratórios. Chegando ao estado de restrição, haveria necessidade de corte de 20% da captação de água para consumo humano.
A redução pode ser mais crítica para os demais municípios, já que o diretor do Departamento Municipal de Água, Esgoto e Saneamento de Ponte Nova, Guilherme Resende Tavares, diz que a autarquia municipal já pratica uma redução de 25%na captação para atender a população de 57 mil habitantes. “Fizemos um investimento de quase R$ 5 milhões em melhorias na nossa rede, que significaram uma redução de perdas em 16 meses de 52% para 33% e continuamos monitorando. Da mesma forma, estamos batendo forte na questão da economia junto à população”, afirma. O resultado, segundo ele, é que a captação de 200 litros por segundo para abastecer os habitantes da cidade já caiu para 150 litros por segundo sem prejudicar o fornecimento.
EFEITO Apesar disso, nas ruas de Ponte Nova a população já percebe o efeito da crise no Piranga, que passa no meio da cidade e recebe 100% do esgoto da população. Uma régua posicionada e um dos pontos da calha do rio mostra o nível da água abaixo da menor marcação, que é de 50 centímetros. As rochas do fundo do leito estão expostas, da mesma forma que toda a base de alvenaria de uma das pontes que transpõem o curso d’água. “O normal de ver esse rio é na marca 150 (1 metro e 50 centímetros). Hoje está dando para atravessar a pé. Moro em Ponte Nova há 15 anos e é a pior situação desde que estou aqui”, diz o vigilante Geraldo Aleixo da Silva, de 58 anos. “Sem dúvida nenhuma isso é culpa do homem, que vai desmatando a vegetação que protege os rios e causa uma situação dessas. As autoridades precisam tomar uma atitude para que não falte água para as pessoas”, completa.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piranga, Carlos Eduardo Silva, diz que, desde 2012, quem usa a água do manancial paga pela captação, o que rende de R$ 6 milhões a R$ 7 milhões por ano. Segundo Carlos Eduardo, o valor é revertido em benfeitorias para a bacia. “Dos 77 municípios, 52 foram escolhidos para que desenvolvessem o Plano Municipal de Saneamento, que é uma regra federal, e 30 já fecharam seus planos com esses recursos. Agora, estamos discutindo a contratação de uma empresa para trabalhar em um programa de recuperação de nascentes e matas nativas ao longo da bacia”, disse, durante reunião bimestral do comitê, na última quinta-feira, em Ponte Nova.
Alarme no Araçuaí e ameaça no Velhas
Na publicação de 29 de junho do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) referente ao monitoramento hidrológico, o Rio Piranga ganhou a companhia do Rio Araçuaí entre os mananciais que entraram em estado de alerta. As medições de sete dias consecutivos não ultrapassaram o valor da Q7,10 do curso d’água, que faz parte da bacia do Rio Jequitinhonha, estipulada em 11,6 metros cúbicos de água por segundo.
Os dados do Igam mostram que o Rio Araçuaí entrou em estado de alerta devido às vazões contabilizadas entre 8 e 14 de junho, todas abaixo da Q7,10 do manancial na Estação Pega, em Virgem da Lapa, que é de 11,6 metros cúbicos de água por segundo. Os reflexos de uma restrição de uso, que pode ser decretada caso a vazão fique durante sete dias seguidos abaixo de 70% do mínimo histórico, podem chegar aos municípios de Carbonita, José Gonçalves de Minas, Turmalina, Leme do Prado, Chapada do Norte, Berilo, Virgem da Lapa e Francisco Badaró.
Outro manancial que preocupa é o Rio das Velhas. O curso d’água é responsável por 60% do consumo de Belo Horizonte e se torna ainda mais relevante em um contexto de restrição de uso do Sistema Paraopeba, composto pelos reservatórios Vargem das Flores, Serra Azul e Rio Manso.
Desde que o Igam começou a divulgar o monitoramento hidrológico, em 19 de maio, o Velhas apresenta índices de vazão que o colocam em estado de atenção. E o problema não é localizado: repete-se em três locais diferentes de medição ao longo do curso. Mas, na estação da Copasa de Honório Bicalho, em Nova Lima, na Grande BH, as medições são as mais baixas.
É nesse ponto que a Copasa capta a água que abastece a maior parte da capital mineira. A Q7,10 nesse ponto é de 10,25 metros cúbicos de água por segundo. Entre os dias 22 e 28 de junho, o valor mais baixo chegou a 15,6. Se durante sete dias consecutivos a vazão não superar a Q7,10, o Velhas seguirá o caminho do Piranga e do Araçuaí, entrando em estado de alerta, último estágio antes da decretação de restrição de uso.
Se isso ocorrer, o racionamento estará estar mais próximo, já que o Velhas é usado hoje como margem de manobra para garantir as perdas com as restrições no Sistema Paraopeba. A previsão do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, é chegar em agosto com 12 metros cúbicos por segundo, bem perto da Q7,10.