Jornal Estado de Minas

Nossa história: brasileiro troca cartas com Thomas Jefferson sobre independência do Brasil

Ilustração de Tiradentes: líder da Inconfidência Mineira nunca saiu do Brasil, mas usava dicionários para entender as mensagens de teor libertário - Foto: Arquivo O Cruzeiro/EM/Reprodução - 8/5/1965“Sou brasileiro e sabeis que a minha desgraçada pátria geme. Os bárbaros portugueses nada poupam para nos fazer desgraçados.” Com essas palavras, escritas há mais de dois séculos, em novembro de 1786, o estudante José Joaquim Maia pedia apoio ao então embaixador norte-americano na França Thomas Jefferson, para um movimento de independência do Brasil. O texto mais famoso escrito pelo político norte-americano – a “Declaração de Independência das 13 Colônias Inglesas”, que completa aniversário hoje – influenciou intelectuais, clérigos, fazendeiros e populares mineiros no final do século 18. Um dos grupos de insatisfeitos com o domínio de Portugal se organizou em Vila Rica, capital da província de Minas Gerais – hoje Ouro Preto – na conspiração que ficou conhecida como Inconfidência Mineira.


“É a vossa nação que julgamos mais própria para nos ajudar. Não somente porque foi quem deu o exemplo, mas também porque a natureza nos fez habitantes do mesmo continente”, continua o estudante carioca, que assinava com o pseudônimo Vendek. As cartas escritas em Montpellier, na França, e endereçadas a Thomas Jefferson estão disponíveis no site do Arquivo Público Mineiro, nos Autos da Devassa. Foram pelo menos três cartas enviadas ao embaixador norte-americano, que anos depois seria eleito presidente dos Estados Unidos. Jefferson  respondeu ao brasileiro, explicando que não tinha autoridade para assumir compromissos oficiais por seu país, mas combinou um encontro para trocar ideias com José Joaquim.

A reunião, no entanto, não foi registrada oficialmente e até hoje não se sabe se ocorreu.


Em relatório enviado ao então presidente George Washington, em 1794, Jefferson contou sobre seu contato com o estudante brasileiro e afirma que deseja “ver o fim de impérios e reinados no continente”. Em outra carta enviada ao Congresso dos EUA, o político norte-americano defende a instalação de um governo republicano no Brasil. “Eles consideram a revolução norte-americana como um precedente para a sua. Pensam que os Estados Unidos é que poderiam dar-lhes um apoio honesto e, por vários motivos, simpatizam conosco. No caso de uma revolução vitoriosa no Brasil, um governo republicano seria instalado”, avaliou Jefferson.


VILA RICA ILUMINISTA Influenciado pelas ideias iluministas que se espalhavam pela Europa no século 18 e pelos acontecimentos nas colônias inglesas da América do Norte, o fazendeiro de Juiz de Fora Domingos Vidal Barbosa foi um dos responsáveis por transmitir ideias que circulavam na Europa até a província de Minas. Domingos também procurou apoio do líder norte-americano durante passagem pelo velho continente, mas o limite desse contato divide os historiadores. Alguns afirmam que o inconfidente conseguiu o apoio dos EUA, outros questionam esse acordo.

Na Vila Rica, o inconfidente era um divulgador entusiasmado de ideais libertários que ganhavam força na França. Com o fracasso do movimento da Inconfidência Mineira, desmantelada em 1789 pela Coroa Portuguesa, ele foi degredado para a ilha de Cabo Verde, na África, onde morreu quatro anos depois.


“A influência da independência nas colônias inglesas chegou aqui por meio de jornais, entre eles a Gazeta de Lisboa, que circulava na colônia, a edição do livro História filosófica e política dos estabelecimentos europeus nas duas Índias, do abade Raynal, que, na edição de 1780, já trazia a narrativa da independência na América do Norte, e a coleção das leis constitutivas dos Estados Unidos da América, que tem vários documentos importantes, como a Declaração dos Direitos do Homem. Os inconfidentes se apropriaram desses escritos, assim como usaram também documentos sobre a restauração portuguesa de 1640”, explica Luiz Carlos Villalta, coordenador do programa de pós-graduação de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


O historiador ressalta que as influências não partiram apenas de estudantes brasileiros que retornavam da Europa após cursar instituições de ensino superior, mas alguns moradores da colônia também tinham acesso aos ideais iluministas e relatos da independência das colônias inglesas. “Pessoas que nunca foram para a Europa leram obras importantes aqui mesmo na colônia. Tiradentes, por exemplo, nunca saiu do Brasil e teve acesso a escritos de fora. Ele não dominava o francês, mas usava dicionários para entender as mensagens. Não podemos exagerar a difusão dessas ideias, até porque a camada de quem sabia ler naquele período era bastante restrita, mas tivemos até mesmo algumas obras traduzidas para o português por inconfidentes”, explica Villalta.


Linha do tempo

1719
Portugal determina a criação do “quinto”, imposto sobre o ouro encontrado no Brasil

 

1763
Transferência da capital da colônia da cidade de Salvador para o Rio de Janeiro

1776
Em 4 de julho, os líderes das 13 colônias se reúnem no Congresso de Filadélfia, onde promulgam a Declaração da Independência


1789
Movimento dos inconfidentes mineiros é denunciado e reprimido por determinação da Coroa portuguesa


1792

Em 21 de abril, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro

1808
Corte portuguesa se muda para o Rio de Janeiro

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