Para impedir a presença de moradores de rua, cada vez mais donos de imóveis estão recorrendo à instalação de grades em passeios do Centro e Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Embora a prática seja proibida por leis municipais nesses locais, com multa prevista de R$ 940,63, proprietários e administradores de edifícios alegam que a medida é necessária para evitar transtornos como brigas, sujeira e depredação de patrimônio. A Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH critica o isolamento provocado pela implantação de cercas em vias públicas.
Encontrar passeios cercados no Centro e na Zona Sul não é difícil. Nessa terça-feira, a reportagem do EM flagrou três casos de grades instaladas para delimitar espaço em áreas no interior da Avenida do Contorno. Em outro prédio, a administração foi notificada pela prefeitura para retirar as grades, sob pena de multa. Na tarde de terça-feira, um soldador terminava a instalação em frente a um prédio recém-construído na Avenida Getúlio Vargas, na Savassi. O porteiro do edifício informou que a decisão foi tomada por conta de um vidro quebrado durante uma discussão entre moradores de rua.
Funcionários de lojas próximas à que instalou grades esta semana informaram que o local serve de abrigo para um morador, que aproveita a proteção da marquise para dormir. Os objetos dele ainda estavam ontem na calçada. “O pessoal do prédio colocou alegando que é uma coisa temporária, até inaugurar a loja. Nesse caso, o que motivou foi o problema do vidro, mas às vezes ocorrem aglomerações”, disse o cabeleireiro Rodrigo Marcelino. A 200 metros dali, o mesmo tipo de grade ocupa uma área do passeio que dá acesso a uma agência bancária. Além da cerca, dois painéis que simulam as montanhas de Minas também foram instalados na calçada. O dono de banca Vander Martins, de 64 anos, trabalha em frente ao imóvel gradeado e aprova a medida. “Antes dessa grade, 12 moradores de rua faziam as necessidades de qualquer jeito e em qualquer lugar. Depois que colocou a grade, isso acabou”, diz.
Na esquina da Rua dos Timbiras com a Avenida Amazonas, no Bairro Santo Agostinho (Região Centro-Sul), a administração de um prédio instalou grades que ficam içadas durante o dia e são fechadas quando o comércio para de funcionar, bloqueando o acesso à parte do passeio que fica sob a marquise. Funcionários do complexo comercial informaram que a instalação ocorreu por conta de uma aglomeração de moradores de rua. Bem em frente, já no cruzamento da Rua Mato Grosso com a Avenida Amazonas, as marcas nas colunas indicam que ali existia uma grade. O síndico do Edifício Dulce Mourão, Ener Geraldo de Oliveira, conta que o condomínio precisou tirar há três meses. “A prefeitura infelizmente ordenou a retirada, caso contrário seríamos multados. A situação é crítica porque moradores de rua fazem aqui suas necessidades, fazem sexo e até ameaçaram um porteiro”, reclama.
Restrições Defendida por parte dos comerciantes, a multiplicação das cercas também é alvo de críticas. “O certo é acolher essas pessoas, para evitar esses confrontos”, opina o fazendeiro Márcio Vargas, de 55. Vanessa Vila Nova, de 39, que mora nas ruas e costuma dormir embaixo da marquise do Edifício Dulce Mourão, pede mais apoio. “Já encontrei abrigo lotado e não tinha jeito de ficar”, conta. O relato contraria informações da prefeitura. Recentemente, a administração municipal informou ao EM que há cerca de 1 mil vagas em abrigos da capital, com ociosidade de 20% em momentos do dia. Censo feito em 2013 indicou que 1.827 pessoas moravam nas ruas.
A educadora social Claudenice Rodrigues Lopes, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH, também critica as grades. Para ela, a prática contribui apenas para o afastamento e acirramento das relações. “Infelizmente, essa é uma forma cada vez mais desumana de relacionamento. Desse jeito, a tendência é afastar mais do que aproximar os moradores de rua da sociedade”, avalia. “É uma situação muito complexa, que demanda inserção social para que essas pessoas superem a condição de rua. Enquanto isso não ocorre, a inexistência de banheiros públicos na cidade é um problema, por exemplo”, completa.
O Código de Posturas pune obstruções em qualquer área da calçada de vias arteriais, classificação em que se enquadram todas as ruas no interior do perímetro da Avenida do Contorno. Por meio de nota, a Prefeitura de BH limitou-se a informar que o único obstáculo em passeios admitido é o mobiliário urbano, como postes e lixeiras, desde que o trânsito de pedestres fique livre.
O que diz a lei
O Código de Posturas de Belo Horizonte proíbe qualquer tipo de obstrução do passeio nas vias consideradas arteriais, aquelas com significativo volume de tráfego usadas em deslocamentos de maior distância. Todas as vias posicionadas no interior do perímetro da Avenida do Contorno são consideradas arteriais, conforme cartilha da Prefeitura de BH. Nesse caso, obstruir o passeio com grades é uma infração com multa prevista de R$ 940,63.
Cancela em condomínio: proibição avança na Câmara
O Projeto de Lei 1.526/15, que pretende revogar a prática de fechamento dos espaços públicos com cancelas ou guaritas para formar condomínios exclusivos de moradores ou de acesso restrito a outros cidadãos, recebeu ontem parecer favorável da Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Agora, o texto segue para análise das comissões de Meio Ambiente e Política Urbana, Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário e Administração Pública, antes de ser submetido à votação dos vereadores em plenário. O projeto é de autoria do vereador Wellington Magalhães.