O Hipercentro de Belo Horizonte é o lugar favorito dos ladrões, com maior concentração de roubos na Praça Rio Branco (da Rodoviária) – exatamente onde estão instalados os comandos das polícias Militar e Civil na sede da Região Integrada de Segurança Pública (Risp). A constatação vem de levantamento da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), que analisou todos os roubos e tentativas em BH entre janeiro de 2014 e 31 de maio deste ano. A área mais central da cidade concentra quase 10% de todos os assaltos (veja mapa) e é a principal zona quente para esse tipo de ocorrência. Outras oito regiões da capital também se destacam, como o entorno do Shopping Estação (Venda Nova), Minas Shopping (Nordeste) e Via Shopping (Barreiro). A arma de fogo é o meio mais usado, porém, com menos frequência no Hipercentro do que nas regiões mais periféricas. Considerando apenas os roubos consumados, são mais de 50 mil casos no período, o que, segundo a Seds, equivale a 95% do universo pesquisado.
A segunda maior zona quente de roubos em BH está no entorno do Shopping Estação, na Região de Venda Nova, com 3,5% de todos os assaltos e tentativas. No local, o fluxo de pedestres, que são alvo em 61% dos casos, é intenso devido ao centro de compras, mas também motivado pela proximidade de faculdades e da Estação Vilarinho do Metrô e do Move, que concentra milhares de passageiros todos os dias. Outro local que se destaca de forma negativa é a Avenida Nossa Senhora do Carmo, considerada a terceira zona quente de roubos em BH, com 2,5% das ocorrências. Áreas residenciais também aparecem no ranking, como o Bairro Cidade Nova (Nordeste), que está na sexta posição, com 1,2% dos assaltos, e o Coração Eucarístico (Noroeste), nono colocado na lista das zonas quentes de roubos, com 0,6% das ocorrências.
O coronel reformado da PM Alberto Luiz, consultor em segurança pública, diz que o Hipercentro se destaca pela disponibilidade de alvos para o roubo. O grande problema, segundo ele, é a falta de integração entre o efetivo de diferentes unidades da própria Polícia Militar. “Não há um planejamento integrado para as ações de unidades como Batalhão de Trânsito, Cavalaria, Rotam e a 6ª Companhia do 1º Batalhão. O lançamento do efetivo tem que ser pensado de forma integrada, para aumentar a visibilidade policial. Às vezes, acontece de um suspeito passar ao lado de algum policial que não seja da unidade da área e nada acontecer, pois falta essa integração”, afirma.
COMPLICADO A delegada titular da Regional Centro da Polícia Civil, Adriana Monteiro, admite que o Hipercentro de BH é uma área mais difícil de atuar, devido à quantidade de pessoas circulando e às oportunidades para os assaltantes. “O grande problema é a população flutuante. São 2,5 milhões de pessoas por dia e esse fluxo muito intenso acaba gerando uma concentração das ocorrências. E normalmente as pessoas não têm vínculos com o Centro, o que dificulta as investigações”, afirma a policial.
Segundo ela, no mesmo período do levantamento da Seds foram concluídos 1.331 inquéritos policiais na região, a maioria relacionada a furtos e roubos. “Estamos aumentando as operações na área e também dando prioridade à identificação dos autores dos roubos. O Judiciário também tem convertido as prisões em flagrante em preventiva, nos casos de reincidência.”
O comandante do 1º Batalhão da PM, tenente-coronel Vitor Augusto Araújo, responsável pelo policiamento no Centro, disse que a unidade tem desenvolvido operações coordenadas pela Seds, em conjunto com as polícias Civil e Federal, Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, receitas Federal e Estadual, BHTrans e Prefeitura de BH, e que o foco principal tem sido a Praça da Rodoviária e seu entorno. “Desde 11 de junho, várias atividades estão sendo realizadas com o objetivo de controlar a criminalidade, especialmente o roubo e o furto a transeuntes, números que nos preocupam, pois é o nosso maior índice”, informou.
Ainda de acordo com o oficial, de 1º de janeiro a 8 de julho, militares do 1º BPM detiveram 3.946 suspeitos de diversos crimes e contravenções. “Por tudo isso, podemos afirmar que o Hipercentro da capital é um local seguro”, afirmou. Porém, o militar adverte que os cidadãos devem adotar cuidados básicos de segurança, como não ostentar objetos de valor, não transportar grandes quantidades de dinheiro e ter o controle de malas, bolsas e demais objetos pessoais.
Praça da Rodoviária e também do roubo
“Se cochilar aqui, já era. Eles levam celular, carteira, correntinha, bolsa... e até pensamento. Se o cara estiver pensando em cifrão, é capaz de roubarem também”, comenta o segurança de uma das três drogarias que cercam a Praça Rio Branco, mais conhecida como Praça da Rodoviária, na região central da cidade. Luiz Cordeiro, chefe de segurança da rede de farmácias, há 15 anos no ramo, concorda com o subordinado. Chega a propor um desafio: “Basta ficar parado aqui neste ponto, por cerca de meia hora, para você ver alguém ser assaltado”.
Ontem não era o melhor dia para fazer o teste. Em função de uma blitz de trânsito, o trecho contava com dezenas de policiais do regimento da cavalaria e da Polícia Militar, baseados em um trailer da polícia comunitária, estacionado no centro da praça. “Precisava ter mais policiamento, e mais constante. Dia sim, dia não a PM vem. Quando dá 18h, vai embora, deixando as pessoas vulneráveis nos pontos de ônibus”, explica o dono de uma relojoaria, que pede anonimato.
Na loja de calçados vizinha, o funcionário novato já foi assaltado, com menos de um mês e meio de serviço. “No sábado retrasado, eu estava chegando para abrir a loja, por volta de 9h30, quando três apareceram. Puxaram minha mochila e tentaram tomar o celular, mas não deixei levar. ‘É meu celular, cara!’ Ameaçaram me cortar e me bateram, mas consegui sair e entrei na loja da esquina, onde tem fiscais trabalhando como seguranças. Eles ainda ficaram me esperando por uma meia hora, mas depois foram embora”, diz o vendedor.
Nesses casos, segundo Cordeiro, o assaltante desaparece por uma, duas semanas, mas depois volta a atuar no mesmo ponto. Geralmente, os furtos sustentam o vício do crack, que tomou conta das imediações da rodoviária. “A criminalidade aumentou muito nos últimos tempos. O que mais chama a atenção é o modo de operação dos bandidos. Eles vêm em grupo de três ou quatro. Um fica estudando a vítima e o outro dá o pulo. O terceiro fica parado no meio do caminho, impedindo a pessoa de fugir”, afirma o chefe da segurança, que comanda a equipe de seis vigilantes 24 horas.
Outro golpe comum na praça da rodoviária é tentar furtar pedestres desavisados, que chegam dos ônibus no interior mineiro ou passam pelas imediações com mochilas penduradas nas costas. “Eles já são treinados. Abrem o fecho da mochila sem que a pessoa perceba. Tiram o celular, a carteira e ainda conferem para ver se tem algo de valor. Se não tiver, costumam até devolver”, conta o segurança. “Ontem, por volta das 13h, um malandro inventou de roubar um desses meninos que vendem celular roubado. Na hora, uns 10 cercaram o ladrão e começaram a bater. Ele só escapou de ser linchado por que é esperto e simulou um desmaio”, descreve.
Com cabelos louros compridos e blusa com estampa de onça, Bárbara, de 24 anos, caminhava apressada a caminho do terminal rodoviário. Levava duas malas cor-de-rosa, de rodinhas. Prestes a embarcar no ônibus em direção a Curvelo, a professora revelou que evita atravessar a Praça Rio Branco. Aponta para o lugar onde foi roubada, em 2013, por três homens armados: “Levaram o celular e bolsa com todos os documentos. Um deles puxou a correntinha de bijuteria, que custou a sair. Acho que ele ficou nervoso e me deu uma coronhada na cabeça. Fiz o boletim de ocorrência. Meses depois, em abril deste ano, me chamaram para fazer o reconhecimento dos ladrões, mas eu já não me lembrava de mais nada”.
FEIRA DO CRIME Em 26 de abril, o Estado de Minas já havia denunciado a feira clandestina comprodutos de diversos tipos, sem nota fiscal, que funciona na Praça Rio ranco, em frente ao edifício da PM e da Polícia Civil. Receptadores negociavamno local mercadorias roubadas e furtadas comatravessadores, livremente, em um dos pontos mais movimentados da capital. A reportagem flagrou 52 envolvidos, entre negociadores, olheiros e “murinhos”, como são chamados os que usam o próprio corpo para bloquear a visão das transações.