Marliéria, Dionísio e Timóteo – Dois roncos de motores acelerando rompem a vegetação densa, de onde apenas o pio estridente das seriemas escapava. Movimentando a correia de lâminas contra os troncos de perobas, vinháticos e coqueiros, duas motosserras vão pondo abaixo as espécimes da mata atlântica, uma das florestas mais devastadas do mundo e detentora da maior biodiversidade do país. A cena flagrada pelo Estado de Minas ocorre nos flancos do Parque Estadual do Rio Doce, a maior reserva de mata atlântica remanescente em Minas Gerais, com 35.970 hectares e a um dia de a unidade completar 64 anos – 14 de julho. O absurdo se torna ainda mais evidente porque, apesar de o bioma ser protegido por lei, o desmatamento se dá em área de proteção ambiental. Dentro do parque, nascentes e cursos que alimentam o Rio Doce dependem de conservação e mostram que a devastação da floresta acelera a degradação do manancial que, de tão combalido, não chega sequer ao mar por sua foz original, como mostrou ontem a reportagem do Estado de Minas.
Para encontrar essa devastação a reportagem do EM se valeu de imagens de satélites que mapearam a cobertura florestal da região. Ao conferir comparativamente a extensão dessa vegetação ao longo dos últimos 10 anos foi possível identificar grandes clareiras sendo abertas recentemente em áreas antes de selva fechada. Só no entorno do parque, esse levantamento permitiu identificar 19 áreas devastadas entre 2014 e 2015, somando 114 hectares ou 281 campos de futebol, nos municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo, no Leste de Minas.
A mata derrubada das árvores abre espaço para chacreamentos, loteamentos, plantações de eucaliptos e pastagens. A vegetação serrada no pé tem destinos diferentes, segundo a reportagem apurou junto às serrarias dessas regiões. Algumas são misturadas a eucaliptos e vendidos a fornos de carvão, enquanto outros carregamentos de exemplares nobres da flora nacional são incinerados nas próprias fazendas, sem qualquer temor de fiscalização.
Num desses espaços abertos em Marliéria, primeiro um trator foi usado para abrir caminho na floresta, fazendo uma estrada para dentro da mata. Lá dentro, dois funcionários serravam as árvores abrindo uma clareira que não podia ser vista de estradas vicinais, como a LMG-760. Os troncos cortados eram empilhados e depois transportados por caminhões. Segundo apurado, parte ia para fornos da propriedade e outros eram vendidos.
IRREGULARES Resck lembra também que a falta de chuvas fez com que o problema ganhasse uma abordagem mais direta, mas acredita que essa conta não pode ser paga apenas pela estiagem. “Se olharmos o exemplo do Rio São Francisco, em uma das margens que está mais preservada o volume de água dos tributários é maior. O assoreamento tem impacto direto na redução de volume de nascente e, além disso, estamos contribuindo com entrada de sólidos na água o tempo todo”, complementa.
De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), os empreendimentos consultados pela reportagem não têm licenças para derrubar mata nativa, apenas plantações de eucaliptos. A Semad informou ainda que, em razão do aniversário do parque, um levantamento com áreas mais sensíveis ao desmate seria divulgado hoje.