Pagar diária de R$ 180 de um carro para trabalhar como taxista auxiliar ou repassar 20% de cada corrida em veículo próprio ao aplicativo Uber? Esse trajeto de mão dupla, a ser seguido por duas classes de motoristas, pode até representar o fim da viagem, em Belo Horizonte, da multinacional de transporte de passageiros Uber, que opera em 58 países por meio de plataforma na internet. Há quase 10 meses na capital mineira, a atividade informal deixou taxistas regulares com 30% a menos em seu faturamento. Mas o crescimento da nova modalidade, além do questionamento legal, está ameaçado a longo prazo, devido ao elevado preço do modelo de automóvel para o serviço e dos gastos operacionais.
Exigência de veículos de luxo, com até três anos de uso e preços acima dos R$ 70 mil, mais impostos, taxas e seguro elevados, além da manutenção mais cara do que a dos carros básicos, colocam os parceiros do aplicativo em um beco sem saída. Principalmente porque os taxistas permissionários têm nos incentivos fiscais de compra do automóvel e na isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) um diferencial que pesa a favor da categoria. Os auxiliares pagam diárias e combustível, mas não são atropelados por outros gastos com o carro.
Cálculos com base em dados do Uber apontam ganhos de R$ 5 mil a R$ 7 mil por parte de seus motoristas, que em BH somam 400 cadastrados para 300 carros (cerca de 5% da frota de táxi da cidade). O faturamento diário é de R$ 280, menos os 20% cobrados pela empresa, que na totalidade enche os cofres da multinacional com mais de R$ 2 milhões mensais, em BH. Comparados aos taxistas auxiliares, os parceiros do aplicativo têm ganhos próximos, embora tenham de custear itens como seguro e manutenção, além de perder com a depreciação do carro.
O taxista auxiliar, quando roda em bandeira 1, recebe R$ 2,73 por quilômetro, segundo a BHTrans, que gerencia o transporte público de passageiros na capital. Na soma, chega-se a mais de R$ 400 por jornada de 150 quilômetros rodados, dos quais entre R$ 150 e R$ 180 se destinam a pagamento do aluguel do carro. No fim do dia, tirando o combustível, em torno de R$ 50, parceiros do Uber e auxiliares levam para casa menos de R$ 200. Quem ganha mais é o taxista dono da permissão e do veículo. Como não paga diária, lucra cerca de R$ 350, mas também banca custos de manutenção e seguro, entre outros.
LUCRATIVO Parceiros do Uber consideram a atividade lucrativa para quem já tem um carro de luxo e renda fixa em outra área profissional. “Em seis dias trabalhando mais de 10 horas por jornada, rodando cerca de 170 quilômetros, com meu carro, ganhei livres R$ 1,3 mil (R$ 216,66/dia). Vale a pena, pois tenho outra renda fixa”, atestou J., cadastrado na empresa. Porém, L., um dos primeiros a aderir ao aplicativo, alerta os aventureiros: “Quem compra um veículo com prestações acima de R$ 2 mil, com IPVA e seguro que somam cerca de R$ 8 mil, nem pode pensar em parar. Quando iniciar a fase de manutenção do carro, estará fora do mercado. Os gastos normais já deixam muitos trabalhando no limite”.
A longo prazo, os custos para os prestadores do serviço do aplicativo demonstram-se mais elevados do que para os permissionários do serviço público, que contam com incentivos fiscais que dão fôlego ao setor regulamentado. Na aquisição do veículo, são 23% de isenção fiscal – 11% do Imposto sobre Produto Industrializados (IPI) e 12% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Tomando por base o modelo de automóvel padrão exigido pelo Uber para BH, o parceiro do aplicativo desembolsa R$ 73.360 por um Corolla GLi Automático Couro 2015/2016, que custa R$ 56.487,20 para o taxista. O novato no sistema regular paga R$ 5 mil de outorga para a administração municipal. Já o veterano tem uma taxa de R$ 54,02 para inserir o novo automóvel no sistema.
O Uber exige de seus cadastrados carros com ar-condicionado e bancos de couro, com no máximo três anos de uso, um período curto para ter retorno do investimento na compra de um zero-quilômetro. O serviço regulamentado de táxi da capital mineira aceita veículos com até cinco anos de uso, inclusive modelos básicos. O presidente do sindicato dos taxistas (Sincavir), Ricardo Faedda, diz que a idade média da frota regular é de 2,5 anos, a maioria de automóveis médios, tipo sedã. Na composição da planilha de custo, a BHTrans leva em consideração a depreciação do carro e prevê uma remuneração dos taxistas ao definir a tarifa do serviço.
Outro incentivo fiscal que deixa os taxistas em posição vantajosa em relação aos parceiros do Uber é a isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). A alíquota é de 4% em Minas Gerais sobre o valor de mercado do carro. No caso dos parceiros do aplicativo, o Corolla modelo 2015/2016, que atende à exigência do Uber, tem IPVA em torno de R$ 3 mil. A taxa de licenciamento, que este ano foi de R$ 77,60, e o Seguro Obrigatório (Dpvat) de R$ 105,65, são comuns aos dois setores.
Seguro é mais caro para transportador
O Uber, dentro de seu procedimento de cadastro do veículo, determina a contratação de cobertura para acidentes pessoais de passageiros (APP) de R$ 50 mil por pessoa. Incluído no pacote do seguro convencional, eleva de R$ 2,5 mil o valor a ser pago para quase R$ 4 mil, a depender do perfil do motorista, calculo que também serve de base para os táxis regulares. Um corretor, que prefere não se identificar, alerta sobre o não pagamento da indenização em caso de sinistro, se feito o seguro convencional, desconsiderando a atividade remunerada de transporte de passageiros. “Quando o veículo é usado em atividade comercial, mesmo particular, é preciso fazer a cobertura específica. Do contrário, em um acidente a seguradora investigará e, se constatada a irregularidade, não pagará a indenização contratada”, adverte.
Há ainda uma série de custos variáveis, como manutenção e limpeza do automóvel, que são iguais para os dois setores, assim como o combustível. Os taxistas regulamentados pela BHTrans passam a cada cinco anos pelo curso de operador de transporte, que por meio de convênio tem custo de R$ 80 para veteranos e R$ 160 para iniciantes. A BHTrans ainda cobra dos permissionários taxa anual de Custo de Gerenciamento Operacional (CGO) de R$ 232,71, que se encontra suspensa. E também valores abaixo de R$ 50 para vistorias, cadastro de novos taxistas e segunda via de documentos.
O preço da corrida do aplicativo é até 5% mais barato que os táxis regulares, quando o deslocamento ocorre sem retenção no trânsito. A cobrança parte de R$ 4,50, mais R$ 0,30 por minuto, acrescidos de R$ 2,17 por quilômetro. O pagamento é por cartão de crédito. O táxi regulamentado, em bandeira 1, parte de R$ 4,40, mais R$ 2,73 o quilômetro rodado. A hora parada custa R$ 26,23. Na bandeira 2, o quilômetro rodado é R$ 3,28 (de segunda a sexta, das 22h às 6h; sábados após as 14h; domingos e feriados o dia todo). Alguns taxistas aceitam cartão de crédito ou débito. Se ligados a cooperativas, estão sujeitos a mensalidades que variam conforme a prestação de serviço de cada.