Órgãos ambientais reagem à devastação na região do Rio Doce

Depois de denúncias de série do EM, Secretaria de Estado do Meio Ambiente anuncia operação para combater desmate clandestino

Mateus Parreiras Guilherme Paranaiba

Área derrubada recentemente ao lado de mata protegida: autoridades consideravam a região "pacificada" - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Os desmatamentos que ameaçam matas ciliares, áreas de recarga e nascentes do Rio Doce, sobretudo nas reservas de mata atlântica da região do Parque Estadual do Rio Doce, serão alvo de operação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) nas próximas semanas. A fiscalização é uma reação às denúncias do Estado de Minas de que áreas nos flancos das unidades de conservação estão sendo devastadas de forma criminosa para dar lugar a empreendimentos imobiliários, plantações de eucalipto e pastos, com as árvores se tornando carvão. O Ministério Público estadual também informou que aguarda informações de levantamento da Agência de Desenvolvimento Metropolitano do Vale do Aço para atuar em chacreamentos e loteamentos que destroem a mata protegida por lei. Atualmente, 18 empreendimentos se encontram embargados por esse motivo. De acordo com o comitê da bacia hidrográfica (CBH-Doce), com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e com ambientalistas, esse tipo de pressão é um dos principais motivos para o assoreamento e a escassez hídrica que levaram o maior manancial do Sudeste brasileiro a não mais atingir o mar em sua foz tradicional, em Regência, distrito do município de Linhares (ES), como mostra o EM desde domingo.


A Semad informou que dispõe de um pelotão da Polícia Militar no interior do Parque Estadual do Rio Doce, que é a maior unidade de conservação da mata atlântica no estado, com 35.970 hectares – e que hoje completa 64 anos. Dentro do parque estão concentradas 104 lagoas marginais do Rio Doce, que são pontos de reprodução de peixes e outros animais. De acordo com a secretaria, as ações de fiscalizações são rotineiras e seriam antecipadas em razão dos flagrantes de tratores abrindo estradas dentro das áreas preservadas e motosserras derrubando a vegetação em clareiras abertas nesses espaços – que formam uma das principais áreas de recarga hídrica do rio. Informações extraoficiais dão conta de que esses espaços, nos flancos do parque, eram considerados “áreas pacificadas”, nas quais a ação de desmatadores era tida como controlada.

No ano passado, por exemplo, uma construtora responsável pela derrubada de 1.597 árvores do bioma, perto da rodovia MG-452, foi multada em R$ 180 mil.


Mas o assunto parece longe de ser resolvido, uma vez que as ações de recuperação são lentas e os desmatadores, insistentes. Apenas pelo levantamento feito pela reportagem do EM para encontrar áreas devastadas na mata protegida foram identificados 19 espaços de 114 hectares derrubados. Enquanto isso, no ano passado, o Instituto Estadual de Florestas realizou o cadastramento e implantou ações de recuperação de 600 hectares, atendendo 306 produtores, com mourões, arames, grampos e adubo. As áreas beneficiadas foram nascentes, áreas de preservação permanente e outras áreas degradadas, com a doação de 50 mil mudas.


A secretaria informou também que está “apurando a situação da bacia do Rio Doce”,  mesmo sendo o rio de domínio da União. “As agressões encontradas são generalizadas e contribuem para que o rio não consiga alcançar mais a foz, no estado do Espírito Santo.” Segundo a Semad, a atuação do IEF “tem como um de seus focos principais recuperar áreas degradadas e manter o equilíbrio ambiental, garantindo a diversidade biológica, a produção da água, o equilíbrio climático e a qualidade do solo. O fomento também tem como função reduzir a pressão sobre as florestas nativas”.

Pressão Para o coordenador regional das promotorias de Justiça de Meio Ambiente da Bacia do Rio Doce, Leonardo Castro Maia, a maior pressão atualmente sobre o Parque Estadual do Rio Doce é imobiliária. “O problema do desmatamento existe e a fiscalização está aquém do necessário. O MP atua, mas sozinho não consegue informações que deveriam ser repassadas por órgãos fiscalizadores do estado”, disse Maia. “Estamos atuando na questão da reserva legal e das Áreas de Proteção Permanente, de forma coercitiva e ajuizando ações para recuperar essas áreas”, afirma.


O secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH Doce), Luiz Cláudio Figueiredo, mostra-se preocupado com o futuro. “Da mesma forma que o que aconteceu na foz é resultado de um processo lento, a reversão do quadro também é lenta, com ações de longo prazo, como os planos de saneamento e o programa de recuperação de nascentes”, afirma.


Uma das ações importantes do comitê tem sido investir as verbas de R$ 56 milhões originárias da cobrança pelo uso da água da Bacia do Rio Doce, que ocorre desde 2011, em fomento a projetos. Desse total, R$ 21 milhões foram investidos na elaboração de planos municipais de saneamento para 156 das 228 cidades da bacia, sendo que até o final do ano todos estarão concluídos. O investimento em preservação de nascentes também é importante e tem sido prioridade do CBH-Doce no Rio Suaçuí, que é um dos principais tributários, e uma parceria com o Instituto Terra para recuperação de mais olhos d’água vem sendo negociada.


No Espírito Santo, uma das lutas para conservar o Rio Doce pleiteia a implantação de unidades de preservação como a Reserva Biológica de Comboios, em processo de criação, o Corredor da Mata Atlântica Socongo e o Mosaico das Unidades de Conservação da Foz do Rio Doce.


Espanto e alerta nas redes sociais

A série de reportagens especiais que desde o domingo mostra o quadro de degradação que levou ao secamento da foz do Rio Doce em Linhares (ES) provocou grande repercussão nas redes sociais. Mais de 500 pessoas compartilharam e curtiram as matérias que mostram que as agressões sofridas pelo manancial em Minas são responsáveis pela situação no litoral.
Os internautas demonstram, por meio dos comentários, preocupação com a situação do maior curso d’água do Sudeste brasileiro, que já começa a correr poluído, no encontro dos rios Piranga e do Carmo.

“O rio está morrendo. Os cidadãos têm que se mobilizar para mudar essa situação com urgência. Socorro!”, comentou Neiva Carmo.


A preocupação é a mesma em outras áreas do estado: “Moro no Alto Paranaíba, em Patos de Minas, região rica em lençol freático, nascentes, córregos e rios. Estamos vendo nossos mananciais secarem, inclusive o Rio Paranaíba, que está virando uma córrego”, alertou o internauta Cléber Cardoso.


Já Hamilton Jabour destaca que “todos os córregos, rios e nascentes estão correndo o risco de extinção, e todos somos responsáveis por não fazer a nossa parte”. “Captar e tratar esgotos deveria ser prioridade de todos os governos; além de se captar pouco e se tratar menos ainda, as pessoas podem optar por não usar o sistema oficial de esgotos”, completa o internauta Geraldo de Freitas.

Na contramão, estado dá anistia a poluidores


Deputados estaduais aprovaram ontem em segundo turno o Projeto de Lei 1.915/15, de autoria do governo estadual, que vai anistiar multas ambientais. A proposição extingue, por remissão, os créditos estaduais decorrentes de penalidades aplicadas pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e pelas entidades integrantes do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) de valor igual ou inferior a R$ 15 mil, para autuações feitas até 31 de dezembro de 2012, e de até R$ 5 mil, entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2014. O projeto prevê também que o estado delegue aos municípios competência para promover o licenciamento e a fiscalização ambiental de atividades e empreendimentos poluidores.

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