O patrimônio cultural de Belo Horizonte, com seus prédios da época da construção da cidade e outros representativos das primeiras décadas da história, está ameaçado de sumir do mapa devido a um projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal e já aprovado em primeiro turno, segundo especialistas e moradores de bens protegidos. Conforme publicado no Diário Oficial do Município(DOM), a proposta pretende alterar as leis de tombamento, fixando prazo de 90 dias entre a indicação de um bem cultural, a contar da notificação ao proprietário, e o seu tombamento definitivo pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (CDPCM-BH).
Outro ponto ainda mais polêmico do texto significa, dizem os defensores do patrimônio, a “pá de cal” na preservação: “Caso, ao fim desse período (três meses), não haja deliberação final sobre o tombamento definitivo, a notificação e o tombamento provisório deixam de vigorar, ficando proibida nova notificação do mesmo bem para fins de tombamento por 12 meses”. Na capital, há 1,2 mil processos abertos de tombamento municipal, sendo a maior parte (288 imóveis) no recém-tombado Bairro de Santa Tereza, na Região Leste. “Isso é um absurdo. Foi uma luta grande para conquistarmos o benefício e agora vem isso. Com 90 dias um processo caduca? Isso não existe”, reagiu indignado o presidente da Associação Comunitária do bairro, João Bosco Alves Queiroz.
A questão preocupa os integrantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil/Seção Minas Gerais (IAB/MG), que hoje vai discuti-la em reunião para, na sequência, encaminhar o tema à direção nacional da entidade.
Rose ressalta que o tombamento aprovado pelo conselho deliberativo demanda um serviço minucioso e profundo por parte da equipe da Diretoria de Patrimônio da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para conferir o valor cultural ao bem edificado. “O tombamento é um registro da nossa memória e a comissão técnica encarregada dos estudos envolve arquitetos, historiadores, pesquisadores e outros profissionais. Por que será que as pessoas visitam a Europa, valorizam os acervos de Roma e Veneza, na Itália, o Palácio de Versalhes, na França, e outros e não valorizam o daqui? Será que precisam destruir tudo?, pergunta a presidente do IAB.
CONTRA A LEI Em Santa Tereza, com seu casario dos anos 1920, 1930 e 1940, moradores e defensores do patrimônio procuram conscientizar os moradores e lançar alertas nas redes sociais contra o projeto de lei (PL 1255/14), de autoria do vereador Wellington Magalhães (PTN), também presidente do Legislativo municipal. Antropólogo, mestrando em preservação do patrimônio e integrante da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza, Rafael Barros lembra que a proposta é inconstitucional, ferindo os artigos 215 e 215 da Constituição Federal. “A proposta impede o poder público de salvaguardar os bens culturais”, disse Barros, que assinou, ontem, ao lado de outros moradores, uma carta de repúdio ao projeto do vereador divulgada na internet.
“O vereador mostra total desconhecimento da política de patrimônio e desrespeita a lei municipal 3.802/1984, que regulamentou a proteção dos bens”, disse o antropólogo, certo de que medida irá favorecer apenas mercado imobiliário em detrimento da memória de BH. “Não há tempo hábil para se fazer o tombamento definitivo em 90 dias. O pior é que, se o serviço não for feito nesses três meses, haverá um tempo de mais um ano até a abertura de novo processo. Esse será mais do que suficiente para o proprietário derrubar o imóvel”, afirmou.
O diretor de Patrimônio Cultural/Fundação Municipal de Cultura, arquiteto e restaurador Carlos Henrique Bicalho, conta que Belo Horizonte é das “pouquíssimas” cidades no país com um conselho deliberativo, formado portanto por representes da sociedade, para cuidar dos seus bens sob proteção.
Num giro pelo Bairro Santa Tereza, é possível ver casas que embelezam a cidade e enriquecem a história. “Moro nesta casa há nove anos e a preservo. É muito bom morar aqui, é um lugar bonito, mas gostaria de ter mais informações sobre o patrimônio”, disse na tarde de ontem a comerciante Junia Lessa, moradora da Rua Gabro. João Bosco adiantou que a associação vai abrir um escritório, com estagiários de arquitetura, para assessorar quem vive nos bens tombados.
AUDIÊNCIA PÚBLICA O parlamentar Wellington Magalhães reafirmou ontem que o prazo de três meses “entre a indicação do imóvel e o tombamento definitivo” e acredita que há prazo suficiente para a conclusão dos processos. A expectativa é que o PL-1255/14 seja votado no mês em segundo turno no mês que vem. “Antes disso, vamos fazer uma audiência pública para avaliar várias questões.