Hotel no Centro de Belo Horizonte abriga painéis de artista francês

Hotel Amazonas, construído na década de 1950, têm obras de Robert Tatin. Uma delas está carcomida pela ação de cupins

Daniel Camargos
Painéis com temas de Paris e Diamantina fazem parte da decoração de bar no Hotel Amazonas - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

Se você estiver passeando pela França, próximo à pequena cidade de Cosse- Le-Viven, na Região Nordeste do país, pode visitar o museu do escultor e pintor Robert Tatin (1902-1983). O espaço repleto de esculturas é um parque, com obras expostas a céu aberto e muito bem recomendado em sites de viagem. Porém, para conhecer um pouco da obra de Tatin não é preciso ir tão longe. Basta desembarcar em um dos 20 ônibus com ponto no primeiro quarteirão da Avenida Amazonas, no Centro de Belo Horizonte, caminhar poucos passos até o Hotel Amazonas Palace, no número 120, e pedir – com gentileza – a algum funcionário da recepção para visitar o Bar Tejuco, no primeiro andar dos 13 do edifício, de estilo arquitetônico protomoderno. No bar, estão três painéis pintados por Tatin em 1953, ano seguinte à inauguração do hotel.

O Amazonas Palace chegou a ser um dos mais importantes da cidade e hoje ostenta três estrelas, aspecto nostálgico, mobiliário original de 60 anos atrás e diárias que vão de R$ 130 até R$ 200, dependendo da época e das dimensões dos quartos – 96 no total. Para entender o motivo de os quadros estarem ali é preciso voltar ao final dos anos 1940 e início da década seguinte, quando as arrancadas e frenagens dos ônibus em frente ao hotel não faziam o tenebroso barulho de atualmente e as maritacas cantando nas palmeiras-imperais podiam ser escutadas com mais clareza.

Obras teriam sido encomendadas por donos do imóvel durante passagem do artista francês por Belo Horizonte - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

O projeto do prédio é dos arquitetos Mazoni e Magalhães e foi encomendado pela família Haas, de tradicionais comerciantes de origem judaica de Belo Horizonte.
À época, Tatin estava no Brasil, quando participou da primeira Bienal de Arte de São Paulo, em 1951. O mais provável é que a família Hass tenha encomendado as obras ao artista. Posteriormente, os Haas venderam o hotel para o empresário Dirceu Coutinho, em 2001, em uma transação de “porteira fechada”, ou seja, com móveis, quadros e, inclusive, os painéis do francês. O valor da transação foi de US$ 800 mil.

- Foto: Jair Amaral/EM/DA PressEm 2003, o imóvel foi tombado pelo patrimônio histórico e artístico da prefeitura. De acordo com o dossiê de tombamento, elaborado pela Gerência de Patrimônio Histórico da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o estilo do Amazonas Palace coincide com outros prédios da época, com balcões e volumes em projeção, como os edifícios Mariana, Rio Branco e Hotel Financial. “Quando o proprietário comprou o hotel não sabia nada sobre os painéis e fizemos contato com o museu do Tatin, na França”, recorda a gerente do Amazonas Palace, Adriane Ramiro. Os curadores do museu enviaram folhetos do local e páginas com descrições das obras de Tatin e aspectos da vida do artista.

INFLUÊNCIA “O tempo que ele passou no Brasil é de fato muito importante na vida e criação dele”, explica à reportagem Hélène Guédon, uma das coordenadoras do Museu Robert Tatin, na França. A especialista na obra do francês detalha que Tatin ficou cinco anos viajando pela América do Sul, entre 1950 e 1955, principalmente no Brasil, mas também visitou Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. “Ele fez diversas exposições e vendia suas obras de arte para ser capaz de continuar sua jornada”, diz Hélène.

Hotel Amazonas, no Centro de BH - Foto: Jair Amaral/EM/DA PressNo hotel, deixou três painéis. Um com temas de Paris, onde é possível identificar a Torre Eiffel, a Catedral de Notre Dame e uma ponte sobre o Rio Sena. Este é o maior deles e se divide entre duas paredes do bar.
Outro painel, chamado Diamantina, remete a pontos conhecidos da cidade do Vale do Jequitinhonha. No canto inferior esquerdo é possível notar alguns pedaços lascados, que segundo a gerente Adriane Ramiro, são consequências da ação de cupins. O terceiro é chamado de Tejuco, e, provavelmente, uma referência ao antigo nome de Diamantina e também batiza o bar onde os três painéis estão.

Aliás, o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), filho ilustre de Diamantina, foi frequentador contumaz do Bar Tejuco, onde apreciava o jazz e bossa-nova tocada no piano junto a seus pares da elite mineira. Outro frequentador famoso do hotel foi o ator Marco Nanini. O pai de Nanini gerenciou o hotel entre a década de 50 e 60, quando o ator era criança e a família viveu em um dos quartos.

OUTRAS OBRAS Na recepção do hotel há ainda um quadro do pintor paraense Theodoro Braga (1872-1953). Chamada Brasil, a pintura datada de 1953 segue o estilo de Tatin. Outro quadro no hotel é um desenho de Tatin mostrando o cotidiano da cozinha do hotel. O desenho foi ampliado e está na parede do restaurante, anexo ao espaço do Bar Tejuco.
Apesar de não funcionar mais como bar, a gerente Adriane tenta manter o aspecto “retrô” do local. “Trouxe objetos que estavam no porão e coloquei aqui”, explica, referindo-se a um antigo rádio e uma máquina de costura.

O estilo de Tatin era controverso quando começou a ser notado no país. Adriane guarda um recorte de jornal de Florianópolis, de maio de 1954, em que uma exposição do francês é resenhada: “O estilo do professor Tatin não é moderno, não é surrealista, nem abstracionista. O academicismo passa longe. O professor criou uma escola própria, através de um estilo que, fugindo da preocupação das cores vivas, imprime aos seus trabalhos e aos dos que adotam seu estilo algo impressionante”.

- Foto: Reprodução das internetPintor percorreu vários continentes

Robert Tatin nasceu em 1902, em Laval, na região da Bretanha, e em 1918 mudou-se para Paris para trabalhar como pintor e decorador. Estudou desenho e pintura na Ecole des Beaux-Arts e, entre 1922 e 1924, fez o serviço militar em Chartres, onde se especializou em trigonometria e geometria. Aos 28 anos, em 1930, voltou para sua cidade natal e fez sucesso, conseguindo dinheiro para viajar pela Europa, África e Nova York. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Tatin deixou a França e veio para o Brasil a convite de Ciccillo Matarazzo. No Brasil, aprofundou os conhecimentos em cerâmica e participou da Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, que trouxe ao país obras de Picasso, Alberto Giacometti, René Magritee eGeorge Grosz. Além de viajar pelo Brasil, percorre a América do Sul até a Terra do Fogo, na Argentina. Retorna à França em 1955 e recebe prêmio da crítica de Paris, em 1961. No ano seguinte, compra casa em Cosse-Le-Viven, onde monta museu. Ele morreu em 1983..