De um lado, proteção privada, com vigilantes rodando pelas praças mais movimentadas de Belo Horizonte, como a Savassi e o Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul, para dar segurança aos motoristas parceiros do aplicativo Uber. De outro, taxistas com pelo menos três redes de contato por grupos de redes sociais, compartilhando em seus smartphones as placas dos rivais e conclamando os permissionários do sistema de transporte gerenciado pela BHTrans a intimidar quem lhes tira passageiros. Os embates entre os dois sistemas de transporte que hoje disputam passageiros em BH, o táxi e o Uber, dividiram a capital mineira em zonas de confrontos e outras onde a circulação pode terminar em depredação, ameaças e agressões. Em contato com motoristas dos dois lados, a reportagem do Estado de Minas mapeou as áreas onde a necessidade de deslocamento pode se tornar perigosa, como na Conexão Aeroporto e o Mercado Central, onde taxistas não admitem a concorrência do aplicativo (veja mapa). A Polícia Militar admite que a tensão entre os grupos tem aumentado e diz estar atenta para inibir crimes e vandalismo.
Depois de pelo menos sete ataques aos carros pretos de luxo do Uber desde o início deste mês, os parceiros do aplicativo passaram a contar com um sistema de seguranças particulares, acionado por um número 0800. “São vigilantes de uma empresa privada que ficam circulando. Quando alguém é perseguido por um táxi, aciona o serviço e eles vêm para controlar a situação até a chegada da polícia”, conta um parceiro de BH, que não pode falar pelo Uber. “Mas um colega já precisou da segurança, ligou e disse que demoraram demais.
Pelo menos dois grupos de taxistas mais exaltados foram identificados pela equipe do Estado de Minas. São permissionários que rodam à noite e que costumam se reunir na Região Hospitalar (Centro-Sul da capital) e no Bairro Estoril (Região Oeste). Em arquivos de áudio partilhados por eles por meio de aplicativos, pelo menos 100 placas atribuídas a veículos parceiros da plataforma on-line foram repassadas ao grupo. Em suas mensagens, os condutores conclamam os colegas a reagirem, inclusive fazendo apologia clara a agressões e depredações. “Chamar a polícia não adianta, porque liberam eles (sic)”, diz uma das mensagens compartilhadas. Em outro recado, essa turma explicita os pedidos de apoio aos motoristas auxiliares, que não detêm a permissão e só trabalham para os taxistas. “A gente tem de conscientizar os permissionários. Eles estão de braços cruzados. Tem de estar todo mundo junto, porque quando o negócio começar a quebrar, temos de estar juntos”, diz outra mensagem.
Até o momento, o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários, Taxistas e Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens de Minas Gerais (Sincavir), Ricardo Faedda, considera que as autoridades não reagiram ao Uber, que ele quer banido da cidade. “Só o Ministério Público (MP) é que está nos ouvindo e investigando a ação clandestina desse aplicativo. O poder público, a polícia e a BHTrans, estão omissos. Em São Paulo, por exemplo, já se apreende”, disse.
O Uber informou que considera sua operação no Brasil completamente legal. “Estamos em constante conversa com o poder público para esclarecer os benefícios da economia colaborativa. Acreditamos que é necessária uma ampla conversa com a sociedade e o Legislativo, para chegar a um formato de regulamentação que favoreça a inovação. Nossa principal preocupação é a satisfação, tanto dos usuários quanto dos motoristas. Atualmente, estamos atingindo todas as nossas expectativas e metas em relação ao mercado brasileiro.” Sobre os embates com taxistas, a empresa afirma ter respondido por meio da campanha #Uberloveday, que permitiu sete horas de corridas gratuitas em BH.
Divisão até entre taxistas
Nas esquinas da cidade, em restaurantes e praças, a batalha taxistas x Uber divide opiniões e preferências. “Já usei o Uber uma vez. Não sei se é ilegal, mas gostei muito do serviço. Os motoristas são educados e oferecem água. Os carros são mais confortáveis que os táxis. Achei um serviço muito seguro, em que você avalia o condutor ao final, e isso fica na ficha dele”, disse a advogada Letícia Gomes, de 26 anos. O amigo dela e também advogado Jessé Barbosa, de 25, considera o serviço ilegal, e disse que não o utilizou ainda. “Se não têm licença, não podem operar na cidade. Mas toda essa discussão acabou por promover o serviço deles, que antes era pouco conhecido aqui, em comparação com os táxis, que são muito usados”, afirma.
Há 15 anos na praça, o taxista Eustáquio Alves, de 61, diz que o impacto da concorrência com o Uber já está sendo sentido. “Participamos de um processo, fazemos cursos, somos todos registrados e conhecidos pelos órgãos reguladores. Aí, aparecem esses clandestinos e tiram da gente 50% até 60% do faturamento. Isso é injusto, estão tirando o sustento das nossas famílias, o dinheiro de pagar prestações e sobreviver”, disse.
Entre os quadros de motoristas parceiros do Uber, no entanto, há quem já tenha passado pela praça de BH como taxista. Um deles, que pediu para não ser identificado por temer represálias dos ex-colegas, acredita que o aplicativo é o futuro. “Hoje tenho uma empresa de transporte particular e presto serviços para o Uber nas horas vagas. Quando era taxista, era explorado pelos donos da placa. Com o Uber a gente atende com melhores condições, quando pode, e o serviço é mais bem avaliado que o da BHTrans. Se você tiver nota menor do que 4,7 dos passageiros na semana, em 5 pontos, é advertido. Se continuar pode até ser expulso para sempre”, afirma.
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