O preço de sonhar em dólar

Tragédia não interrompe fluxo migratório em cidade natal de Jean Charles

Prosperidade de quem se deu bem no estrangeiro mascara riscos e dificuldades de viajar para o exterior

O empresário Magno Silva sobre a experiência na América: 'Não é moleza, tem que ralar' - Foto: Gladyston Rodrigues / EM / D.A Press
Gonzaga –
A história de Gonzaga, município do Vale do Rio Doce a 300 quilômetros de Belo Horizonte, está para sempre atrelada à emigração.
A execução de Jean Charles de Menezes, morto pela polícia britânica há 10 anos, ao ser confundido com um terrorista no metrô londrino, tornou essa realidade tragicamente conhecida no mundo inteiro, mas ela não começou com o eletricista. Nem acabou com sua morte. “Ainda tem muita gente na cidade indo atrás do mesmo sonho do Jean. E teve quem voltou com dinheiro, levantou prédio de dois, três andares, construiu loja, abriu comércio. Uns compraram terra, gado, tudo com o que ganharam lá fora. Muita gente ficou e manda dinheiro para a família aqui. Tem até um sobrinho da minha mulher trabalhando nos Estados Unidos, que manda dinheiro para a família”, conta o pai de Jean, Matozinho Otoni da Silva.


Por isso, ele sabe que não será tarefa fácil mudar a ideia de Robert, sobrinho de Jean, que sonha em emigrar para a América.

O avô já sofre por antecedência, mas aceita a vontade do neto de 17 anos, como antes aceitou a do filho. “Fico preocupado, mas depois dos 18 anos não tem como segurar. É a sorte dele”, resigna-se. Parece difícil convencer os mais jovens dos perigos da empreitada, diante da prosperidade que alguns trouxeram do exterior. E que se anuncia por vários cantos da cidade.

Newiton de Sousa Costa, de 30, foi em 2002 para os Estados Unidos, sozinho. “Aventura de gente nova, sem juízo. Eu tinha 18 anos. Voltei com pouco dinheiro, mas a experiência de vida que adquiri lá me ajudou muito aqui no Brasil. Agora, em nome de Jesus, não quero sair de Gonzaga nunca mais”, conta ele, hoje sócio com dois irmãos de um supermercado e uma casa de produtos agropecuários. Houve uma época, explica, em que o dinheiro que vinha da América mudou radicalmente a economia de Gonzaga. “Era muito dinheiro, muita gente construindo e comprando imóvel. O preço disparou. Se um terreno valia R$ 10 mil, o dono pedia R$ 20 mil.
E vendia”, conta. Até a organização da cidade veio com a experiência do atual prefeito, Júlio Maria de Souza (PSDB), que morou nos Estados Unidos na década de 1970, segundo ele.

A pequena Gonzaga é impecável e cresce a cada dia. São muitos prédios sendo erguidos. É cercada por mata atlântica e há inúmeras nascentes que brotam nas montanhas e deságuam na cidade. Um parque público chama a atenção pela beleza das quedas d'água. As praças são cuidadas com esmero, algumas com fontes luminosas. Há postos de saúde, centros odontológicos, instalações novas e pensadas para portadores de necessidades especiais.

- Foto: Um dos responsáveis por esse ambiente de prosperidade é Magno Souza Silva, de 50. Depois de dar duro nos Estados Unidos, ele leva uma vida tranquila em sua cidade natal. Trabalhava como operador de máquinas e decidiu em 1994 ir para a Filadélfia, onde permaneceu até 2000. “Fiz de tudo: serviços gerais, construção.
Era casado e deixei mulher e dois filhos aqui”, conta.

Com o dinheiro que trouxe, comprou uma propriedade na entrada de Gonzaga e fez loteamento. No mesmo terreno, construiu um posto de combustíveis. Depois, montou uma empresa de terraplanagem, que não deu certo. Teve problemas financeiros por dois anos, mas conseguiu superar. Hoje, tem um dos melhores hotéis da cidade, o posto, loja de autopeça e uma churrascaria em fase final de construção.

Mas não são todos que voltam com dinheiro, alerta o empresário. “Muitos chegam com as mãos abanando. Acham que lá é moleza, e não é. Tem que ralar muito, se sujeitar a qualquer tipo de serviço. A pessoa também tem que economizar. Se quiser viver o padrão de vida deles lá, vive bem, mas não sobra nada”, alerta ele, que, apesar de não ter nada a reclamar da América, está convicto de que não voltaria para lá.

 

À sombra e uma execução

 

Os tiros disparados em 22 de julho de 2005 na estação de Stockwell, que mataram o filho de seu Matozinho e dona Maria, continuam ecoando em Gonzaga, passados 10 anos. Não é sem motivo: Jean Charles era muito querido na cidade, onde mais de 10 mil pessoas acompanharam seu sepultamento. “Veio gente até do estrangeiro. Meu filho era de família pobre, atrasada, mas a morte dele abalou o mundo inteiro”, diz o pai, lembrando-se da exibição do filme sobre a saga do mineiro, que reuniu milhares de pessoas na praça de Gonzaga, anos depois. Matozinho não gostou do que viu: “Muito triste. Fiquei contrariado. Senti um pouco do sofrimento que meu filho passou”.

A imagem do inocente executado por uma das mais festejadas polícias do mundo ainda tem um efeito devastador sobre a família. Tanto que as fotos de Jean vivem guardadas. “Se eu pego a foto dele, perco a vontade de fazer as coisas. Tenho crise de choro”, comenta a mãe, Maria Otoni de Menezes. “Quando você tem uma família pequena, dois filhos só, que cria com muito amor e muita luta, que acompanha crescer, que ensina o que seus pais ensinaram, é muito doloroso perder um deles, como eu perdi. Meu filho aprendeu a lutar desde pequeno pelos seus sonhos, mas morreu de uma forma tão covarde...”

Muitas vezes, a mãe conta que vai para a cama e não consegue dormir. Quando isso acontece, fica fantasiando que Jean vai chegar a qualquer momento, de moto, como fazia quando morava com ela. “Quando penso na barbaridade que fizeram com meu filho, uma pessoa inocente, fico muito triste”, lamenta a mãe. “A justiça não foi bem feita”, completa o pai. A família recebeu parte de uma indenização, segundo ele. “Dinheiro meio desanimado. Saiu um pouquinho e o resto ficou enrolado lá em Londres. Ninguém sabe como vai ficar. Na verdade, na verdade, o que a gente quer é justiça.”

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