Gonzaga – A história de Gonzaga, município do Vale do Rio Doce a 300 quilômetros de Belo Horizonte, está para sempre atrelada à emigração.
Por isso, ele sabe que não será tarefa fácil mudar a ideia de Robert, sobrinho de Jean, que sonha em emigrar para a América.
Newiton de Sousa Costa, de 30, foi em 2002 para os Estados Unidos, sozinho. “Aventura de gente nova, sem juízo. Eu tinha 18 anos. Voltei com pouco dinheiro, mas a experiência de vida que adquiri lá me ajudou muito aqui no Brasil. Agora, em nome de Jesus, não quero sair de Gonzaga nunca mais”, conta ele, hoje sócio com dois irmãos de um supermercado e uma casa de produtos agropecuários. Houve uma época, explica, em que o dinheiro que vinha da América mudou radicalmente a economia de Gonzaga. “Era muito dinheiro, muita gente construindo e comprando imóvel. O preço disparou. Se um terreno valia R$ 10 mil, o dono pedia R$ 20 mil.
A pequena Gonzaga é impecável e cresce a cada dia. São muitos prédios sendo erguidos. É cercada por mata atlântica e há inúmeras nascentes que brotam nas montanhas e deságuam na cidade. Um parque público chama a atenção pela beleza das quedas d'água. As praças são cuidadas com esmero, algumas com fontes luminosas. Há postos de saúde, centros odontológicos, instalações novas e pensadas para portadores de necessidades especiais.
Com o dinheiro que trouxe, comprou uma propriedade na entrada de Gonzaga e fez loteamento. No mesmo terreno, construiu um posto de combustíveis. Depois, montou uma empresa de terraplanagem, que não deu certo. Teve problemas financeiros por dois anos, mas conseguiu superar. Hoje, tem um dos melhores hotéis da cidade, o posto, loja de autopeça e uma churrascaria em fase final de construção.
Mas não são todos que voltam com dinheiro, alerta o empresário. “Muitos chegam com as mãos abanando. Acham que lá é moleza, e não é. Tem que ralar muito, se sujeitar a qualquer tipo de serviço. A pessoa também tem que economizar. Se quiser viver o padrão de vida deles lá, vive bem, mas não sobra nada”, alerta ele, que, apesar de não ter nada a reclamar da América, está convicto de que não voltaria para lá.
À sombra e uma execução
Os tiros disparados em 22 de julho de 2005 na estação de Stockwell, que mataram o filho de seu Matozinho e dona Maria, continuam ecoando em Gonzaga, passados 10 anos. Não é sem motivo: Jean Charles era muito querido na cidade, onde mais de 10 mil pessoas acompanharam seu sepultamento. “Veio gente até do estrangeiro. Meu filho era de família pobre, atrasada, mas a morte dele abalou o mundo inteiro”, diz o pai, lembrando-se da exibição do filme sobre a saga do mineiro, que reuniu milhares de pessoas na praça de Gonzaga, anos depois. Matozinho não gostou do que viu: “Muito triste. Fiquei contrariado. Senti um pouco do sofrimento que meu filho passou”.
A imagem do inocente executado por uma das mais festejadas polícias do mundo ainda tem um efeito devastador sobre a família. Tanto que as fotos de Jean vivem guardadas. “Se eu pego a foto dele, perco a vontade de fazer as coisas. Tenho crise de choro”, comenta a mãe, Maria Otoni de Menezes. “Quando você tem uma família pequena, dois filhos só, que cria com muito amor e muita luta, que acompanha crescer, que ensina o que seus pais ensinaram, é muito doloroso perder um deles, como eu perdi. Meu filho aprendeu a lutar desde pequeno pelos seus sonhos, mas morreu de uma forma tão covarde...”
Muitas vezes, a mãe conta que vai para a cama e não consegue dormir. Quando isso acontece, fica fantasiando que Jean vai chegar a qualquer momento, de moto, como fazia quando morava com ela. “Quando penso na barbaridade que fizeram com meu filho, uma pessoa inocente, fico muito triste”, lamenta a mãe. “A justiça não foi bem feita”, completa o pai. A família recebeu parte de uma indenização, segundo ele. “Dinheiro meio desanimado. Saiu um pouquinho e o resto ficou enrolado lá em Londres. Ninguém sabe como vai ficar. Na verdade, na verdade, o que a gente quer é justiça.”