A responsável pelo processo que contesta a impunidade que a Justiça britânica deixou pairando sobre o caso é Patrícia Armani, prima do brasileiro. “A impressão que dá é que, a qualquer momento, ele vai dar um telefonema e vamos acordar deste faz de conta”, emociona-se ela, que morava com Jean Charles em um apartamento alugado na Scotia Road, em Tulse Hill, área residencial do Sul de Londres. Patrícia, prima de primeiro grau do lado materno, havia chegado à capital inglesa meses antes, animada pelo primo, que embarcou para Londres com o sonho na bagagem em março de 2002. “Mesmo 10 anos depois, a palavra que vem à minha cabeça é incredulidade. Não dá para acreditar, a ficha não caiu”, explica.
Jean Charles – “nascido em Gonzaga e baleado aqui, em 22/7/2005”, como lembra o quadro na estrada da estação –, não passava pelo local com frequência. Na manhã daquela sexta-feira, chamado por um amigo para instalar câmera de segurança em uma residência do outro lado da cidade, saiu de seu apartamento em Tulse Hill e, depois de encontrar a estação de Brixton fechada, seguiu de ônibus para o terminal de metrô mais próximo: Stockwell.
PROCESSO Além da solidariedade que deu forças para enfrentar a tragédia, Patrícia deposita esperanças no processo que contesta a decisão da Justiça britânica no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – a última instância a que a família pode recorrer para que os envolvidos na operação desastrada que matou Jean Charles sejam punidos, 10 anos depois. O tribunal, criado em 1959 e transformado em órgão permanente em 2008, tem por responsabilidade verificar se os princípios de direitos humanos são respeitados, e tem o poder de julgar os 47 estados que assinaram a convenção. O primeiro julgamento ocorreu no dia 10 do mês passado, em Estrasburgo, na França.
“Nós nos baseamos no artigo 2º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que obriga os Estados a assegurarem que todos os cidadãos têm direito absoluto à vida, e que o uso excessivo da força por agentes do Estado é ilegal e deve ser punido”, afirmou, por e-mail enviado ao Estado de Minas, a ativista e advogada britânica Harriet Wistrich, que defende a família de Jean Charles no tribunal. “Nós também argumentamos sobre a autodefesa, e que não é necessário matar para defender a si mesmo ou aos outros”, disse.
Patrícia ingressou com a ação em 2008, logo depois que o Ministério Público Britânico decidiu não abrir processos criminais contra os agentes envolvidos. A polícia foi condenada a pagar multa (em torno de R$ 835), pena contestada pela família. Houve acordo para pagamento de uma indenização de 100 mil libras aos familiares (cerca de R$ 286 mil), que os pais de Jean dizem ter recebido em parte. “Quando terminou a investigação pública, nos reunimos (os primos) e decidimos apelar para mais este recurso.