Jornal Estado de Minas

Falta de pediatras dificulta atendimento de emergência em Belo Horizonte


A crise enfrentada pelo Hospital Infantil João Paulo II (HIJP II), antigo Centro Geral de Pediatria (CGP), em Belo Horizonte, expõe novamente a falta de pediatras para atendimento de urgência na capital mineira. Embora entidades médicas observem uma retomada recente do interesse de residentes pela área, a realidade na porta das unidades de atendimento ainda é de reclamação. Na entrada do hospital infantil, uma faixa de pano resume o problema: “Caos no HIJP II. Escalas incompletas, médicos sobrecarregados, péssimas condições de trabalho. Por falta de profissionais serão priorizados os atendimentos às urgências graves”.


Na avaliação da presidente da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), Rachel Pitchon dos Reis, a crise no HIJP II gerou efeito cascata nas outras unidades de urgência e emergência da capital. A médica aponta que, numericamente, há pediatras suficientes em Minas Gerais. São 2.850 em todo o estado, sendo que 1.231 (45%) estão concentrados em Belo Horizonte, o que se enquadra na recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Rachel atribui a crise de atendimento na pediatria a uma falta de estruturação da rede.
“Muitas vezes a mãe chega ao centro de saúde e não encontra pediatra. Recorre à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e também não consegue. Vai então a um hospital de referência, que fica sobrecarregado”, afirma.


O diagnóstico da médica se aplica bem ao que aconteceu com a dona de casa Cristina Rodrigues, de 35 anos. Cristina precisou chamar a polícia para garantir o atendimento médico da sua filha Crisbela, de 8 meses, no Posto de Saúde Palmares A, em Ibirité, Região Metropolitana de Belo Horizonte. “O pediatra só aparece uma vez por semana no posto e só atende crianças que já têm consulta marcada”, reclama a dona de casa. Ontem, Crisbela amanheceu doente de novo. A mãe resolveu buscar ajuda na capital.

Cristina chegou às 13h no HIJP II e até as 15h10 a criança não tinha sido atendida. O hospital, assim como o posto de saúde do seu bairro, enfrenta dificuldades.


O pronto-atendimento do HIJP II conta com apenas 12 especialistas no setor de urgência, quando o ideal seriam 60. “Não faltam pediatras no mercado em termos quantitativos; faltam nos postos de trabalho que não oferecem estrutura adequada”, diz o diretor técnico do HIJP II, Cristiano Túlio Maciel Albuquerque. “Com isso, muitos acabam indo para outras especialidades. A gente vê por aí muito pediatra fazendo perícia, em áreas administrativas, trabalhando como médicos de família ou fazendo pesquisas”, acrescenta.

Concurso A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), responsável pelo HIJP II, informou que tem 295 pediatras em 11 unidades da fundação pelo estado. A Fhemig admite que há um déficit, sem especificar qual, e afirma que há concurso autorizado para contratação de novos profissionais. “Faltam pediatras para trabalhar em postos de saúde de baixa complexidade e no pronto-atendimento no CGP e na rede em geral”, reforça Cristiano Albuquerque.


A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por sua vez, admite que, em alguns períodos, há escassez de pediatras em suas Unidades de Pronto-atendimento (UPAs), como feriados, meses de férias escolares e em casos de licença médica e licenças prolongadas. A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), no entanto, afirma fazer contratações temporárias para substituição.

“Não há falta permanente de pediatras”, diz a secretaria em nota. “A redução no número de pediatras é um desafio enfrentado na saúde em todo o país. Como incentivo para atrair profissionais, houve reajuste nos valores dos plantões dos contratados de RPA e existe a estratégia de pagamento de plantão extra dos efetivos, com valores diferentes, nos finais de semana”, acrescenta a nota.


A secretaria informou ainda ter feito uma escala de atendimento quando há falta de pediatra em alguma unidade. “Pacientes com pulseira verde ou amarela são direcionados a outras UPAs. Quando recebem a pulseira laranja ou vermelha, as crianças são estabilizadas pelo clínico geral de plantão, e encaminhadas, de ambulância, a uma unidade que tenha um pediatra de plantão”, concluiu.

Rede privada
Hospitais particulares também enfrentam dificuldades para recrutar pediatras, segundo o  presidente da Central dos Hospitais (associação e sindicato dos hospitais, clínicas e casas de saúde do estado de Minas Gerais), Castinaldo Bastos. Para ele, “a pediatria é uma especialidade que gera desinteresse para novos médicos, pois a renumeração é baixa”. No Hospital Vila da Serra, que cogitou fechar o pronto-socorro infantil há dois anos, a solução encontrada foi aumentar a remuneração. “A sociedade fez pressão, os convênios aumentaram um pouco o pagamento e atualmente o hospital subsidia o pagamento dos pediatras do pronto-socorro”, afirma o diretor da instituição, Wagner Issa. Ele avalia que, depois de uma crise grave nos últimos anos, o “estoque” de pediatras da cidade começa a ser reposto. Apesar dos problemas na urgência e emergência, a Sociedade Mineira de Pediatria também avalia que há uma recuperação do interesse pela especialidade.

No ano passado, foram 98 médicos inscritos no exame para pediatra. Em 2013, foram 62 inscrições, o que representa um aumento de quase 50%. “Considerando os últimos oito anos, a redução foi grande, com recém-formados procurando outras áreas. Mas nos dois últimos dois anos houve um aumento”, disse a presidente do SMP, Rachel Reis.

Palavra de especialista

Fábio Guerra, Presidente do CRM-MG

Condições de trabalho recisam melhorar


No caso da pediatria, como em outras especialidades, há problemas de distribuição e desmotivação dos profissionais para aceitar as condições de serviços oferecidas. São contratos precários, que não garantem plano de cargos e carreiras e, por isso, os médicos não se vinculam. Uma solução para o problema é realização de concursos públicos..