A crise enfrentada pelo Hospital Infantil João Paulo II (HIJP II), antigo Centro Geral de Pediatria (CGP), em Belo Horizonte, expõe novamente a falta de pediatras para atendimento de urgência na capital mineira. Embora entidades médicas observem uma retomada recente do interesse de residentes pela área, a realidade na porta das unidades de atendimento ainda é de reclamação. Na entrada do hospital infantil, uma faixa de pano resume o problema: “Caos no HIJP II. Escalas incompletas, médicos sobrecarregados, péssimas condições de trabalho. Por falta de profissionais serão priorizados os atendimentos às urgências graves”.
O diagnóstico da médica se aplica bem ao que aconteceu com a dona de casa Cristina Rodrigues, de 35 anos. Cristina precisou chamar a polícia para garantir o atendimento médico da sua filha Crisbela, de 8 meses, no Posto de Saúde Palmares A, em Ibirité, Região Metropolitana de Belo Horizonte. “O pediatra só aparece uma vez por semana no posto e só atende crianças que já têm consulta marcada”, reclama a dona de casa. Ontem, Crisbela amanheceu doente de novo. A mãe resolveu buscar ajuda na capital. Cristina chegou às 13h no HIJP II e até as 15h10 a criança não tinha sido atendida. O hospital, assim como o posto de saúde do seu bairro, enfrenta dificuldades.
O pronto-atendimento do HIJP II conta com apenas 12 especialistas no setor de urgência, quando o ideal seriam 60. “Não faltam pediatras no mercado em termos quantitativos; faltam nos postos de trabalho que não oferecem estrutura adequada”, diz o diretor técnico do HIJP II, Cristiano Túlio Maciel Albuquerque. “Com isso, muitos acabam indo para outras especialidades. A gente vê por aí muito pediatra fazendo perícia, em áreas administrativas, trabalhando como médicos de família ou fazendo pesquisas”, acrescenta.
Concurso A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), responsável pelo HIJP II, informou que tem 295 pediatras em 11 unidades da fundação pelo estado. A Fhemig admite que há um déficit, sem especificar qual, e afirma que há concurso autorizado para contratação de novos profissionais. “Faltam pediatras para trabalhar em postos de saúde de baixa complexidade e no pronto-atendimento no CGP e na rede em geral”, reforça Cristiano Albuquerque.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por sua vez, admite que, em alguns períodos, há escassez de pediatras em suas Unidades de Pronto-atendimento (UPAs), como feriados, meses de férias escolares e em casos de licença médica e licenças prolongadas. A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), no entanto, afirma fazer contratações temporárias para substituição. “Não há falta permanente de pediatras”, diz a secretaria em nota. “A redução no número de pediatras é um desafio enfrentado na saúde em todo o país. Como incentivo para atrair profissionais, houve reajuste nos valores dos plantões dos contratados de RPA e existe a estratégia de pagamento de plantão extra dos efetivos, com valores diferentes, nos finais de semana”, acrescenta a nota.
A secretaria informou ainda ter feito uma escala de atendimento quando há falta de pediatra em alguma unidade. “Pacientes com pulseira verde ou amarela são direcionados a outras UPAs. Quando recebem a pulseira laranja ou vermelha, as crianças são estabilizadas pelo clínico geral de plantão, e encaminhadas, de ambulância, a uma unidade que tenha um pediatra de plantão”, concluiu.
Rede privada Hospitais particulares também enfrentam dificuldades para recrutar pediatras, segundo o presidente da Central dos Hospitais (associação e sindicato dos hospitais, clínicas e casas de saúde do estado de Minas Gerais), Castinaldo Bastos. Para ele, “a pediatria é uma especialidade que gera desinteresse para novos médicos, pois a renumeração é baixa”. No Hospital Vila da Serra, que cogitou fechar o pronto-socorro infantil há dois anos, a solução encontrada foi aumentar a remuneração. “A sociedade fez pressão, os convênios aumentaram um pouco o pagamento e atualmente o hospital subsidia o pagamento dos pediatras do pronto-socorro”, afirma o diretor da instituição, Wagner Issa. Ele avalia que, depois de uma crise grave nos últimos anos, o “estoque” de pediatras da cidade começa a ser reposto. Apesar dos problemas na urgência e emergência, a Sociedade Mineira de Pediatria também avalia que há uma recuperação do interesse pela especialidade. No ano passado, foram 98 médicos inscritos no exame para pediatra. Em 2013, foram 62 inscrições, o que representa um aumento de quase 50%. “Considerando os últimos oito anos, a redução foi grande, com recém-formados procurando outras áreas. Mas nos dois últimos dois anos houve um aumento”, disse a presidente do SMP, Rachel Reis.
Palavra de especialista
Fábio Guerra, Presidente do CRM-MG
Condições de trabalho recisam melhorar
No caso da pediatria, como em outras especialidades, há problemas de distribuição e desmotivação dos profissionais para aceitar as condições de serviços oferecidas. São contratos precários, que não garantem plano de cargos e carreiras e, por isso, os médicos não se vinculam. Uma solução para o problema é realização de concursos públicos.