Cadet Fritznel, de 34 anos, é pedagogo. Durante mais de uma década, foi professor e tradutor de inglês. Também domina as línguas francesa, crioula, espanhola e portuguesa – embora nesta última ainda tropece. O currículo impressiona muita gente, mas tem pouca valia. Hoje, ele ganha cerca de R$ 1 mil trabalhando como frentista em um posto, na Zona Oeste de Belo Horizonte. E agradece a oportunidade, pois até chegar a ela passou por maus bocados.
A dificuldade em encontrar emprego na área não tem relação com a crise econômica que atravessa o Brasil. O maior obstáculo, segundo ele, é o preconceito.
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Haitianos fogem da pobreza e viajam do Caribe para EsmeraldasColônia de haitianos que busca refúgio no Brasil escolhe Grande BH para morar e trabalharEngenheiro haitiano vira servente para trabalhar em EsmeraldasComércio da Grande BH se rende à banana verde, costume de haitianosHaitianos recebem apoio de centro que acolhe imigrantes na Grande BHPai de quatro filhos, todos com menos de 11 anos, o tradutor conta que, quando chegou, não sobravam nem trocados para enviar para a família. Sua mulher não trabalha, e todos sobrevivem com o dinheiro enviado do Brasil.
O primeiro trabalho dele foi como descarregador de caminhões. O haitiano conta que sofria com a jornada longa e desgastante. Chegava, segundo ele, às 11h. Muitas vezes, ficava até as 3h da manhã. Tanto esforço por R$ 50 por dia. Se ficasse doente e não pudesse comparecer, tinha o dia cortado. “Foi o momento mais difícil aqui em Belo Horizonte.
O desgosto com a situação humilhante quase fez o haitiano voltar ao país de origem. Mas o que faltava em dinheiro sobrou em perseverança. Fritznel é homem valente, de fibra. Frequentador da Igreja Assembleia de Deus, também se apega à religião. “O sofrimento foi muito grande.
Uma nova oportunidade apareceu, em um hotel da região Centro-Sul da capital. Mais uma vez, porém, a experiência foi traumática. Antes de deixar o emprego, soube, por outros funcionários do hotel, que um dos hóspedes não queria ser atendido por um “funcionário de cor”, como teria dito a madame. A direção não confirmou o incidente. “Falar sobre isso me dói. Eu não escolhi nascer preto, você não escolheu nascer branco. A gente é igual.
OPORTUNIDADE Hoje, Fritznel agradece a oportunidade de trabalhar em um posto, “com pessoas boas”, como destaca, mas, claro, sonha mais alto. A educação está no horizonte do haitiano. Em frente ao local de trabalho, observa todos os dias o Cefet I, do Bairro Nova Suíça. Ao lado, está uma escola estadual. Ele sorri com a coincidência. E sonha com os livros, todos os dias. “Meu objetivo é trabalhar como professor, em qualquer lugar”, explica. “Depois de me estabilizar, trarei minha família. O Brasil tem problemas como qualquer outro país, mas é possível sonhar com uma vida melhor”, projeta Fritznel, que mora com a prima e outros quatro haitianos, no Bairro Morada Nova, limite entre Belo Horizonte e Contagem.
O clima na casa é familiar. Todos se ajudam para superar a saudade da terra natal e pagar as contas. Segundo Fritznel, quem fica sem emprego é desonerado. Por outro lado, aos desempregados cabe fazer o serviço da casa, enquanto não encontram nova ocupação.
Brasil surge como salvação pós-tragédia
O professor que já trabalhou de carregador e hoje é frentista seguiu o destino de mais de 39 mil haitianos – dado atualizado pela Polícia Federal em setembro de 2014 –, que desde o terremoto migraram para o Brasil. O tremor de 7 graus na escala Richter arruinou o país, provocando cerca de 250 mil mortes, centenas de milhares de feridos e desabrigados.
Em Minas, o recuo da construção civil passado o incremento das obras visando à Copa de 2014, não resultou em redução da população haitiana, estimada em cerca de 3 mil pessoas, que tinham como principal fonte de renda as ofertas do setor. O mesmo número foi apontado por pesquisa dos professores da PUC Minas Duval Fernandes e Maria da Consolação Gomes de Castro, realizada em 2013.
O professor aponta que a maioria dos imigrantes está nos municípios de Contagem, Ribeirão das Neves e Esmeraldas. “A localização se explica pela proximidade com a Ceasa, onde trabalham como carregadores de caminhão e faxineiros”, afirma Duval Fernandes. Ele diz que a construção civil, apesar do desaquecimento, ainda recruta haitianos, por serem profissionais dedicados. “O que falta a esses imigrantes é o compromisso dos governos de gerar condições que atendam a necessidades como acesso ao ensino. Quando recebem o visto de ajuda humanitária, eles têm os mesmos diretos dos cidadãos brasileiros”, destaca Fernandes. O professor estima que cerca de 35 mil haitianos aguardem julgamento do pedido de asilo.
A possibilidade de acolhimento é o que atrai a maioria. “O terremoto destruiu nosso país. Todo mundo tem um conhecido, um parente que morreu por causa dos tremores. Eu perdi um tio e uma prima. Depois disso, o Haiti entrou em uma grande crise. Muitos tentam fugir para outros países, mas tirar o visto é difícil. O Brasil abre essa possibilidade de visto de trabalho. Muita gente vende tudo para vir para cá ”, conta ele, que tem o visto de cinco anos.
Friznet escolheu com cuidado a cidade em que moraria: “Procurei um centro grande, com oportunidade de emprego, mas tentei fugir das cidades muito violentas”, diz ele, que chegou à capital mineira em 25 de setembro de 2013. Mas o percurso foi longo. Deixou sua cidade, Dessalines, para pegar um voo na capital Porto Príncipe. Foi para o Panamá, de onde decolou para São Paulo. Lá, encontrou um coiote que, segundo ele, trocou seus US$ 500 por uma passagem de ônibus para a capital mineira.
Em BH, Fritznel procura alugueis baratos, ao lado de outros haitianos. Em geral, eles tentam ao máximo acumular dinheiro para enviar aos familiares. “Ganho quase R$ 1 mil, mas sobra pouco, por causa das contas. Minha família recebem cerca de US$ 100”, conta.
Atrás do rosto cansado – a entrevista ocorreu após o expediente, que se estende das 7 às 19h – ele mantém a esperança de dias melhores. “Penso nos meus filhos. O mais novo dormia sobre minha barriga todo dia. É isso que me ajuda a prosseguir”, diz, emocionado, pensando no dia em que vai reencontrar a família. (Com Landercy Hemerson).