Novos protestos de taxistas contra o Uber em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro aumentaram a pressão sobre autoridades e evidenciaram dificuldades enfrentadas nos municípios para lidar com o novo serviço de transporte por meio de aplicativo. Mais de 4 mil motoristas de táxi, entre eles condutores da capital mineira, organizaram grande manifestação na capital fluminense. Em BH, taxistas passaram a rodar com uma fita preta amarrada ao retrovisor em repúdio ao que consideram falta de fiscalização de carros do Uber. No Rio, o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, afirmou ontem que não vai regulamentar o novo serviço e que pretende recorrer à Justiça para declará-lo ilegal. Na capital mineira, a prefeitura informou que estuda o assunto e que espera o desenrolar de medidas adotadas em outras cidades para definir como atuar. Por sua vez, o estado busca junto ao Ministério da Justiça orientação sobre como proceder com o serviço particular. Na segunda-feira, o governador Fernando Pimentel (PT) enviou consulta pública ao órgão para saber se há legislação em que o Uber se enquadre.
Os embates entre taxistas e o serviço de transporte por aplicativo e as reações de prefeituras e governos ocorrem em praticamente todas as cidades onde o Uber se instala. No Brasil, além do Rio de Janeiro – que já se posicionou contrário ao Uber –, São Paulo também já adotou medidas. A Câmara Municipal da cidade aprovou projeto de lei que proíbe o uso do aplicativo para transporte remunerado de pessoas, mas a proposta ainda precisa passar por segunda votação. O serviço ainda funciona e a prefeitura sinalizou que pode haver regulamentação. Fora do país, o aplicativo de viagens pagas também desperta desavenças. Em Paris, na França, o serviço mais barato, UberPop, foi considerado ilegal. A Cidade do México, por sua vez, regulamentou a atividade.
Cobranças No protesto dessa sexta-feira em BH, taxistas amarraram um fita preta no retrovisor esquerdo do veículo, como forma de cobrar fiscalização das autoridades em relação ao transporte que classificam como clandestino, por não ter regulamentação do poder público municipal. A ação foi também uma resposta da categoria ao avanço do serviço de transporte, que começou a operar na capital em setembro do ano passado, acirrando a concorrência na capital. As fitas foram distribuídas em frente à sede do Sindicato Intermunicipal dos Condutores de Autônomos de Veículos Rodoviários (Sincavir), no Bairro Ipiranga, Nordeste de BH. “A administração municipal já deveria ter se posicionado e proibido o serviço, que é ilegal e funciona clandestinamente. Estamos aguardando uma reunião com o prefeito e esperamos que ele vete essa atividade, determinando também fiscalização”, afirmou o diretor-secretário da entidade, Avelino Moreira Araújo. Segundo ele, taxistas de Belo Horizonte engrossaram o protesto no Rio, onde os profissionais seguiram em carreata e interditaram vias importantes da cidade.
Revoltados com o crescimento do aplicativo, os taxistas esperam decisão que confirme a irregularidade da prestação do serviço, para que a fiscalização municipal e a Polícia Militar impeçam a circulação dos veículos cadastrados no aplicativo. Enquanto isso, o Departamento de Estradas e Rodagens (DER) reforçou ontem por meio de nota, que o serviço é ilegal e que não há, no âmbito do governo do estado, nenhum estudo para verificar se o uso do aplicativo deve ser regulamentado ou não. Além disso, informou que motoristas que fazem o serviço de transporte por meio da ferramenta estão sendo fiscalizados e multados.
Já a BHTrans reafirmou que qualquer tipo de serviço de transporte remunerado deve estar devidamente autorizado pelo poder público, o que não ocorre no caso do Uber. A empresa informou ainda que trabalha em parceria com a Polícia Militar e o DER para combater o transporte clandestino na capital e conta com o apoio do Ministério Público para a intensificação dessas ações de forma geral. A Polícia Militar também garantiu que ações de combate ao transporte clandestino são feitas.
Picolé Em contrapartida ao ato dos taxistas, o aplicativo anunciou mais uma estratégia de marketing em Belo Horizonte, o “Day Uber ice cream” e distribuiu um kit com sorvetes, chinelo e óculos para clientes – à tarde, no entanto, já não havia carros disponíveis com os produtos. Na busca por regulamentação, a empresa Uber informou que mantém “constante diálogo” com o poder público e com a sociedade para debater uma soluções específicas que funcionem em cada localidade onde opera. “O fato de uma atividade não ser regulamentada não a torna ilegal. Vale lembrar que a inovação sempre vem antes da legislação”, afirmou a empresa, por meio de nota. No documento, a companhia ainda destaca o uso da tecnologia para sanar problemas de transporte e trânsito nas grandes cidades, defendeu que a plataforma é segura e que atende aos requisitos mais rígidos de segurança da informação.
Ponto crítico
O Uber deve ser regulamentado?
Clodoveu Davis
Professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG
Sim
“O Uber faz parte de um movimento que vem ocorrendo há tempos, relacionado a como as pessoas fazem as coisas nos ambientes urbanos. O mundo está mudando e o uso da tecnologia no dia a dia é um caminho sem volta. Não há mais como proibir o serviço. Os órgãos públicos devem regulamentar, para que não haja uma competição desleal com os serviços existentes. O inteligente é entrar no movimento, porque é mais um meio de transporte, numa cidade que precisa de mais modalidades. A regulamentação será importante para definir regras, já que outros modais, como o táxi, precisam segui-las.”
Paulo Rogério Monteiro
Especialista e consultor em transporte e trânsito
Não
O Uber não deve ser legalizado. Ele cria um serviço paralelo a uma atividade já existente, sem passar por nenhum tipo de concorrência pública ou atender às regras da legislação. Não é porque um serviço público é ruim que se cria o direito de fazer um serviço paralelo e ilegal, porque isso configura clandestinidade. Se os usuários querem melhorias no serviço de táxi, isso é o que deve ser feito. É da regra do jogo, se não vira anarquia. Por que as regras não devem funcionar para o Uber? Além disso, não se sabe qual a segurança jurídica do serviço, se ele vai se sustentar ou não ao longo do tempo”.
Cidades divididas
Veja como alguns municípios brasileiros e do exterior reagem ao Uber; taxistas acusam empresa de concorrência desleal
RIO DE JANEIRO
Secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani disse que não vai regulamentar o Uber porque, segundo ele, o Rio já tem uma frota de táxis – inclusive com serviço executivo – compatível com a demanda (são 33 mil licenças). Ele diz que a fiscalização é inócua porque não há cadastro dos motoristas que usam o aplicativo e que a prefeitura recorrerá à Justiça.
SÃO PAULO
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou no fim de junho o projeto de lei 349/2014, que proíbe o uso do Uber para transporte remunerado de pessoas. A prefeitura, por sua vez, sinalizou que estuda se é caso de regulamentação. Em maio, a Justiça de São Paulo derrubou a liminar que determinava a suspensão das atividades do Uber no Brasil sob pena de multa diária de R$ 100 mil e o serviço voltou a ser regular.
PARIS
O serviço UberPop, mais barato, já foi considerado ilegal na França. A empresa UberFrance, que administra o serviço, era investigada desde 2014 por oferecer um trabalho remunerado, mas sem pagar nenhum tipo de contribuição social ao Estado. No fim de junho, taxistas organizaram grande protesto contra o serviço mais simples em Paris e em Marseille – houve até casos de depredação.
CIDADE DO MÉXICO
Primeiro município a regulamentar o aplicativo Uber em toda a América Latina. As regras foram divulgadas no dia 15 de junho e determinam que todos os motoristas do app devem adquirir permissão do governo, no valor de US$ 100 por ano, para desempenhar legalmente a atividade. Precisam ainda pagar o valor equivalente a 1,5% de cada corrida como imposto. Além disso, os veículos usados devem ter o valor mínimo de US% 12,6 mil.
NOVA YORK
Prefeitura travou guerra contra o Uber e avalia proibir o serviço, que já tem mais carros que o táxi convencional. Para a administração pública, a Uber prejudica trabalhadores, entope as ruas de carros e promove uma política de preços injusta. Recentemente, a prefeitura permitiu que a empresa continue operando nos próximos meses até que um estudo do impacto sobre o trânsito e e o meio ambiente seja concluído.