Jornal Estado de Minas

Desmatamento avança pelos arredores de BH

Santa Bárbara – De longe, quase escondidas pelas linhas simétricas das copas de eucaliptos, as folhagens de árvores de madeiras de lei da mata atlântica sacodem, depois envergam e com um estalo desaparecem, como que engolidas pela floresta. A cada aceleração das motosserras, exemplares da vegetação que abriga a mais rica biodiversidade nacional – e também a mais ameaçada – vão abaixo para se tornar carvão de churrasco ou para alimentar autofornos de siderúrgicas, não estando a salvo nem sequer nos espaços de parques e áreas de proteção. Comparando fotografias de satélites dos últimos oito anos, a reportagem do Estado de Minas encontrou 41 clareiras abertas por lenhadores e empreendimentos em áreas florestais que devastaram cerca de 380 hectares do Parque Nacional da Serra do Gandarela e da Área de Preservação Ambiental da Serra da Pedreira, em volta do Parque Nacional da Serra do Cipó. Para abrir pastagens, plantar eucalipto ou fazer carvão, reservas ambientais federais próximas a Belo Horizonte vêm sendo derrubadas por fazendeiros e silvicultores que não temem a fiscalização em propriedades limítrofes com as unidades, nas áreas de amortecimento que as circundam e dentro dos parques.

Mais recente parque nacional mineiro, demarcado em 13 de outubro do ano passado, o Serra do Gandarela tem 31 mil hectares e abriga a segunda maior mancha contínua de mata atlântica do estado, com 20 mil hectares, menor apenas do que o Parque Estadual do Rio Doce. Contém também formações de cerrado e cangas ferruginosas, sob as quais se encontram reservas hídricas de grande importância para a Grande BH, sobretudo por injetar água no Rio das Velhas, responsável por 60% do abastecimento da região. Devido à sua importância, o Gandarela tem sido razão de embates entre ambientalistas, mineradores e poder público por causa de projetos de extração de minério de ferro que ficaram de fora dos limites do perímetro original do parque, proposto em 2010. Mas a ameaça mais imediata, por enquanto, é o desmatamento provocado por carvoeiros que derrubam a mata atlântica e a misturam aos eucaliptos plantados sobretudo nas partes sul e sudeste do espaço de preservação.

As áreas desmatadas são de difícil acesso, bem na transição entre os eucaliptos e a floresta nativa confinada entre vales e precipícios rochosos, próximos ao distrito de Cruz dos Peixotos, em Santa Bárbara, na Região Central do estado. É preciso transpor estradas rurais abertas em antigas trilhas de animais e carroças e ainda penetrar nos labirintos formados pelos eucaliptos.
Mas, ao se aproximar de uma fazenda que tem atividades dentro do parque, o som das motosserras e dos tratores trabalhando ajudou a orientar o caminho até o desmate. Dois homens usavam as correntes afiadas das motosserras para derrubar a madeira plantada e avançavam mata atlântica adentro, fazendo desmoronar grossos troncos de jacarandá, cedro e andira. Com uma garra de aço na dianteira, um trator segurava os troncos junto com o eucalipto e tudo era transportado até um caminhão. O veículo de carga então seguia até as baterias de fornos de tijolos de barro espalhados pelo terreno e descarregava a madeira, que então alimentava os fornos para se tornar carvão.

“FOI ENGANO” A reação dos desmatadores ao ser contestados pela reportagem foi primeiro dizer que não estavam dentro do parque, apesar de o GPS confirmar a localização e de a mata atlântica ser protegida por lei, não podendo ser derrubada sem licença específica. “Essas estradas fomos nós que abrimos. Esse eucalipto nós plantamos. Agora vem o governo e fala que vai virar parque e não vai pagar para a gente nada?”, protestou o proprietário da fazenda, que não quis se identificar.
Sobre as madeiras de lei cortadas, o fazendeiro primeiro disse que se tratavam de árvores que caíram e que eles apenas as partiram. Depois, em vista da grande quantidade de espécimes espalhados pela clareira, sugeriu que o desmate foi feito por engano, por um “funcionário mal instruído”. Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em nenhum dos pontos de desmatamento encontrados pela reportagem dentro do Gandarela há licença para retirada de eucalipto ou de qualquer outro tipo de árvore.

Para Paulo Baptista, membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, os atrasos na implantação de uma estrutura administrativa e de vigilância no parque permitem que a devastação continue. “A gente vê, pelos outros parques, que mesmo onde há um plano de manejo e fiscais ocorrem danos ambientais. Onde não tem então, a situação fica mais grave”, compara. O ambientalista projeta problemas futuros se as questões fundiárias não forem resolvidas. “Muitas áreas dessas (dentro do parque), com plantações de eucaliptos, precisam ser desapropriadas e recuperadas, já que o impacto ali é muito grande. Uma coisa que tememos é que, aproveitando que o parque foi demarcado, mas não há cercas nem fiscais, esses produtores avancem suas ocupações para dentro da mata, derrubando as árvores, plantando eucalipto e construindo estruturas para depois pedirem indenizações”, alerta.

31 mil - hectares é a área do Parque Serra do Gandarela

380 - hectares já foram devastados na recém-criada área de preservação ambiental

Vídeo: Mata Atlântica é derrubada para produzir carvão na Serra do Gandarela


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