O livro O vendedor de sonhos, do médico psiquiatra, psicanalista e escritor Augusto Cury, é um dos mais requisitados na biblioteca dos presos, ou recuperandos, como são chamados, da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Augusto Cury envolve as pessoas com mensagens que a gente precisa ouvir. O vendedor de sonhos conta a história de uma pessoa que consegue ter sucesso em todos os seus projetos de vida”, comenta o condenado Rafael Antônio do Carmo, de 25 anos, que chega a ler quatro livros por mês. “Além de ganhar conhecimento, estou antecipando a minha liberdade”, completa o jovem, um dos vários beneficiados pela Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reduz em quatro dias a sentença do preso que ler um livro por mês e apresentar resenha à Justiça. “Já consegui diminuir minha pena em 281 dias, lendo livros, frequentando a escola e trabalhando na Apac”, conta Rafael, orgulhoso.
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Detentas de presídio misto em Muriaé serão transferidas para unidade femininaCom verba federal, Governo de Minas anuncia criação de mais 3,5 mil vagas em presídiosSeds promete 15 mil novas vagas em presídios de Minas até 2018Seds agiliza processo para liberação de presos provisórios das unidades prisionaisCom a orientação de um engenheiro civil voluntário, eles ergueram o espaço de 170 metros quadrados. São três salas, dois auditórios de arena e uma sala de inclusão digital com 17 computadores. O segundo pavimento do prédio ainda está em obras, e lá vão funcionar a sala dos professores e mais uma sala de inclusão digital.
As aulas começam em 30 de agosto. Serão oferecidos 97 cursos a distância, tecnológicos, de graduação e pós-graduação. Todos os presos já se candidataram. Quem não tem o ensino médio completo faz curso técnico. A própria Apac já oferece ensino médio e fundamental. Rafael pretende fazer administração de empresas.
Ele já reduziu a pena em 200 dias estudando, lendo e trabalhando. “A remição é um fator motivador para eu me dedicar mais aos estudos e ao trabalho”, completou Vinícios, que concluiu o ensino médio na Penitenciária Antônio Dutra Ladeira, em Contagem, Grande BH, e foi aprovado agora no Enem.
Uma das condições para se viver na Apac de Nova é estudar, explica a diretora, a assistente social Sandra Miroslawa Gil Carneiro Tibo. “A gente acredita que só por meio da educação podemos conseguir que a pessoa se desvencilhe do crime, que abra os olhos para o mundo”, justifica.
Na Apac, os próprios presos cuidam da administração. São responsáveis por tudo, desde a alimentação, padaria, marcenaria e várias oficinas. As portas da faculdade foram todas feitas por eles e também a entrada principal, em madeira de demolição, batizada de Portal do Conhecimento.
RESENHA Para a remição da pena pela leitura, eles devem apresentar uma resenha do livro para uma comissão da Apac, formada por três pedagogos. O recuperando se reúne com a comissão e conta a história do livro. Isso é para evitar que um preso faça a resenha para outro”, disse Sandra. O relatório é encaminhado ao juiz de execução penal para conceder o benefício ao condenado.
A biblioteca tem mais de 5 mil exemplares. Alguns, clássicos da literatura, como Machado de Assis e Jorge Amado. As obras de Caio Fernando Abreu conquistaram alguns internos.
A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que ainda não implantou a Recomendação 44/2013 do CNJ em suas unidades prisionais, de incentivo à remição da pena pela leitura, mas que está em fase de planejamento. Hoje, segundo a Seds, 7,7 mil presos estudam e têm o benefício.
ENTREVISTA
Juarez Morais de Azevedo, juiz da Vara de Execução Penal e das varas Criminal e da Infância e da Juventude de Nova Lima
É fundamental que o preso estude
1 – O que diferencia a Apac de Nova Lima de outras apacs e demais unidades prisionais administradas pelo estado?
É a questão educacional. Com a inauguração da Uaitec, vamos dar um passo muito grande nesse sentido de melhorar o homem pela educação. Já tínhamos aqui a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e estamos inaugurando a faculdade. A porta de entrada do preso é o presídio. De lá, ele pode ir para a Apac, permanecer lá ou ir para a rua. O importante é que o preso estude.
2 – Qual o critério para o preso ser aceito na Apac?
O primeiro passo é estar condenado definitivamente. Segundo: ele tem que pedir para ir para a Apac. Com esse pedido, assumirá um compromisso de acompanhar e cumprir a metodologia do lugar. Terceiro, tem que ter uma vinculação com Nova Lima. Ou ele nasceu em Nova Lima, mora em Nova Lima ou então ele cometeu o crime em Nova Lima. O número de anos da prisão, que tipo de crime cometeu, isso não nos importa. Aqui entra o homem, o criminoso fica lá na porta. Tanto é que evitam comentar o que fizeram lá fora.
3 – Na Apac os presos têm mais condições de benefícios como a remição da pena?
Não apenas pela leitura de livros, mas pelos cursos. Estudando ou trabalhado, também tem remição. Para cada livro lido são quatro dias a menos. Para cada 12 horas de estudo, o preso consegue remir um dia da pena, que vale para os estudos feitos a distância, como os de informática. Para cada três dias de trabalho dentro da Apac, um dia a menos de pena. Na conclusão de qualquer curso, o recuperando consegue mais um terço em cima dos dias remidos.
4 – Qual a expectativa do senhor? Os presos vão valorizar ainda mais os estudos pelo fato de terem construído a própria faculdade?
É como a música Cidadão, do Zé Geraldo. ‘Tá vendo aquele edifício, moço/ajudei a levantar’. Fizemos questão de colocar o nome de cada um dos recuperandos que trabalhou na obra. Eles vão ficar marcados de forma indelével na história dessa faculdade. Eles não construíram uma obra qualquer, mas uma universidade. E construíram para eles, a família e a sociedade, pois um dia eles vão sair daqui, mas essa obra permanece. .