Templo que abriga a fé de quem chega, testemunha a história secular e abençoa um povo apaixonado pela riqueza ambiental de Milho Verde, distrito do Serro, no Vale do Jequitinhonha. Assim – e muito mais, segundo os admiradores – é a Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, do século 18, onde está a padroeira do distrito e constitui um dos expoentes do patrimônio mineiro. Preocupados com a degradação da igreja, moradores se mobilizam para salvar a construção de importância vital para a comunidade e onde foi batizada a célebre Chica da Silva (1732-1796), escrava alforriada que encantou o contratador de diamantes João Fernandes (1720-1779) e marcou o seu tempo.
“Eu também fui batizada na igreja, a pia batismal de pedra está lá. Também fui crismada na matriz”, diz, com orgulho, a ministra da eucaristia Olímpia Ferreira de Morais, de 71 anos, nascida e criada em Milho Verde, que fica a 23 quilômetros da sede do município. “A situação é grave, há muitas trincas, as paredes estão descascando. Estamos tristes”, afirma Olímpia, que se recorda muito bem de quando uma equipe do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) esteve no local, há dois anos, fez levantamentos e “depois sumiu”. Na sua opinião, é preciso urgência no serviço, pois a comunidade não tem recursos para a obra. “Veja só, a Matriz de São Gonçalo do Rio das Pedras foi restaurada, distrito vizinho, ficou muito bonita, e a nossa até hoje está desse jeito”, lamenta.
Também ciente da necessidade e emegência da recuperação, a professora aposentada Ruth da Conceição Figueiredo revela que o restauro é uma corrida contra o tempo, principalmente diante da temporada de chuvas que se aproxima.
O desejo dos moradores tem apoio do Instituto Milho Verde, organização não governamental ligada às questões ambientais, culturais e comunitárias. A diretora-presidente, Valeska de Belli, conta que as atividades continuam sendo realizadas (missas, casamentos, batizados e outros ritos). “Trata-se de uma igreja muito usada pela comunidade”, afirma. Milho Verde tem cerca de 1 mil habitantes, com uma população flutuante: sua paisagem bucólica atrai muita gente que chega para passar uns dias, decide morar por uns tempos e depois segue viagem. Ou fica para sempre.
BEM CULTURAL O secretário municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio do Serro, Pedro Farnesi, tem conhecimento da situação da matriz.
O arquiteto Daniel Quintão, do escritório 03L Arquitetos, de Belo Horizonte, destaca outras preciosidades da igreja. Em 2013, ele e sua equipe fizeram um projeto de restauração da parte civil e dos elementos artísticos para o Programa Minas Patrimônio Vivo, do Iepha. “Já houve várias repinturas e raspagem das paredes internas. Foi feita uma prospecção e vimos que há ‘chinesices’ em alguns dos retábulos”, afirma Daniel.
PROJETO APROVADO A diretora de Conservação e Restauração do Iepha, Soraia Farias, explica que, conforme o projeto elaborado em 2012, dentro do Programa Minas Patrimônio Vivo, e já aprovado, o custo da obra está em torno de R$ 2 milhões. Ela adianta que a restauração foi incluída no orçamento de 2016. O tombamento do Iepha inclui os elementos de pintura, talha, imaginária e alfaias.
‘Chinesice’ em uma igreja do Vale do Jequitinhonha é novidade. Conforme levantamento do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), as ‘chinesices’, geralmente com fundos vermelho, verde ou azul e elementos dourados, estão na Igreja de Nossa Senhora do Ó, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, na Grande BH, e em outras cidades mineiras.
Em Mariana, na Região Central, é destaque na tricentenária Basílica de Nossa Senhora da Assunção, a Catedral da Sé, com motivos diversos (chafarizes, elefantes, dromedários e tigres); na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de Catas Altas, com elementos artísticos no altar de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Rosário; e na Igreja de Sant’ana, no distrito de Cocais, em Barão de Cocais, que guarda pinturas orientais no púlpito da nave e no altar-mor. As pesquisas em Milho Verde foram feitas pelo Laboratório de Ciências da Conservação (Lacicor) da UFMG.
Clima bucólico e belas paisagens
Milho Verde se destaca pelo clima bucólico e pela beleza da paisagem, pontificando o casario no entorno da Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres e da Capela do Rosário, e pelas manifestações culturais, como os festejos de Nossa Senhora do Rosário, que tem grande atração turística. Não há registro da data de construção da matriz. De acordo com pesquisas do Iepha, Chica da Silva, nascida no local, foi batizada na então capela Nossa Senhora dos Prazeres por volta de 1734. Em frente à igreja, há um cruzeiro de madeira erguido em 1969, devido à degradação do anterior. O sistema construtivo, em estrutura autônoma de madeira e vedação em adobe é similar ao encontrado nas demais capelas e igrejas da região.
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