O cerrado, com paus-terra de flores amarelas e jacarandás de cascas escuras, dominava o alto do morro, compondo com a mata ciliar do Rio das Velhas um corredor contínuo de vegetação fechada, onde comunidades próximas convivem com lontras, tatus, seriemas e outros animais. Até 2008, esse fragmento de mata nativa de 108 hectares (ha) permaneceu intacto, resistindo ao avanço das fronteiras agrícolas e da especulação imobiliária na região de Lagoa Santa, na Grande BH. Mas, no ano seguinte, uma clareira de 3,86 ha surgiu sem licença para desmatamento. Dois anos depois, uma plantação de hortaliças foi cultivada na floresta, escondida da fiscalização. É a agonia do cerrado, que se estende também para o Norte de Minas, agravada pela seca e pelo desmatamento.
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O aumento da devastação também está na mira da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Segundo o monitoramento por satélite da secretaria, no período agrícola 2011/2013, a derrubada de florestas abrangia uma área estimada em 36.450 ha, que saltou para 45 mil ha nos anos 2013/2015.
Segundo o gerente de Monitoramento de Vegetação e Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Waldir Melo, o corte de recursos humanos e financeiros coincidiu com a perda da órbita de um dos satélites que cediam imagens ao departamento, o Land-Sat. Um satélite indiano passou a transmitir esses dados, mas também enfrentou problemas, inclusive meteorológicos.
MENOS TÉCNICOS “Desde 2010 ocorreu sucateamento do setor de monitoramento. Não se investiu mais e ainda perdemos 20 dos 26 técnicos que faziam os trabalhos. Com isso, só chegamos a 27 mil hectares desmatados, mas o erro é estimado em 35% para mais áreas devastadas”, afirma Melo. Sem as ferramentas de monitoramento, fiscalização, planejamento e licenciamento ficam prejudicados. “É um setor estratégico que vive do esforço da equipe restante”, disse.
A devastação encontrada pela reportagem em Lagoa Santa é apenas uma mostra de desmatamentos na região, que foi localizada após a análise de dados de fotografias de satélites ao longo de 10 anos.
Num desses desmates, uma área de 233 ha de cerrado, próxima ao Parque Estadual do Sumidouro, perdeu 97 ha em cinco anos. “Tem sido muito comum: desmata-se o eucalipto e adentra-se a mata nativa. O setor está numa corrida, porque a partir de 2018 não será permitido exceder o percentual de 5% de mata nativa para o consumo de alto-fornos. Isso terá de ser substituído por eucaliptos, que precisam ser plantados logo, pois levam sete anos para corte”, alerta Walter Melo.
A perda de vegetação nativa afeta os três biomas dominantes em Minas, que, de acordo com o IEF, chegam a 33,12% do território. Ainda restam 57,44% da caatinga, 39,44% do cerrado e 23,26% da mata atlântica originais. Além de garantir a biodiversidade, a vegetação impede assoreamento de rios e córregos, protege nascentes e áreas de recarga dos mananciais que abastecem o estado.
Na comparação com a cobertura vegetal de 2003, Minas perdeu 2,7% de sua área de florestas nativas. A devastação também ocorre nas unidades de conservação, como o Parque Estadual Caminho dos Gerais, única área de proteção da caatinga, no Norte de Minas, que perdeu 103 ha entre 2001 e 2013, segundo a ONG Global Forest Watch, e a Área de Preservação Ambiental Carste de Lagoa Santa, que diminuiu de 611 ha no mesmo período.
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