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Estado de Minas

Japonês e cabo da FEB relembram lançamento de bombas atômicas há 70 anos

Lançamento de bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, deixando mais de 300 mil mortos, completa hoje 70 anos


postado em 06/08/2015 06:00 / atualizado em 06/08/2015 07:41

Akira Imanishi, de 81 anos, tinha 11 e morava em Kyoto quando bombas foram lançadas:
Akira Imanishi, de 81 anos, tinha 11 e morava em Kyoto quando bombas foram lançadas: "Com meus olhos de criança, presenciei e senti fome" (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Akira Imanishi era uma criança de 11 anos quando as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos arrasaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando mais de 300 mil pessoas. Ele morava em Kyoto, mas guarda na memória prodigiosa as cenas de tempos parecidos com o fim do mundo. Com o dobro da idade do pequeno Akira e bem distante dali, o cabo João Batista Moreira, da Força Expedicionária Brasileira (FEB), natural de Contagem, na Grande BH, aguardava ordens superiores, na Itália, para seguir rumo ao Japão, que até então não se rendera às tropas aliadas (EUA, Inglaterra e União Soviética). Depois daqueles dias fatídicos e o término definitivo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o cabo Moreira finalmente tinha motivos para comemorar a derrota dos países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália), liderados por Adolf Hitler (1889-1945): era hora de voltar para casa.

Exatos 70 anos se passaram e Akira, de 81, e João Batista, de 93, ambos com impressionantes bom humor e lucidez, lembram hoje os dois dias que ficaram na história como páginas de horror, de capítulos a não se repetirem, do início da era nuclear. Em 6 de agosto de 1945, Hiroshima foi incinerada pelo “cogumelo” de fogo e irradiação formado pelo equivalente a 20 mil toneladas de dinamite disparadas pelo bombardeiro B-29, batizado de Enola Gay. A estimativa é de que, nos primeiros meses, o efeito das explosões tenha matado entre 90 mil e 166 mil. Três dias depois, em 9 de agosto, foi a vez de Nagasaki ser arrasada pelo ataque atômico, com a perda de 80 mil vidas. Passadas tantas décadas, ainda perdura o debate, se as bombas significaram um mal necessário ou uma demonstração de força dos Estados Unidos.

Na tranquilidade do condomínio onde mora em Brumadinho, na Grande BH, o engenheiro mecânico Akira Imanishi, residente no Brasil desde 1956, encontra inspiração suficiente para trabalhar como artista plástico. Juntando conhecimento técnico e talento artesanal, ele passou os últimos três meses fazendo um navio de guerra, réplica do porta-aviões japonês Musashi, usado durante a Segunda Guerra e bombardeado pelos aliados. “Não é para lembrar aqueles tempos nem a data de hoje. Pura coincidência. Foi só um presente para o meu genro, Geraldo Faraci, que está completando 60 anos”, conta Akira com um sorriso.

Veja os depoimentos de Akira Imanishi e do cabo João Batista Moreira

 

CENÁRIO DE DESTRUIÇÃO Ao ver a embarcação com base de madeira e material reciclado no convés, Akira volta ao passado. “A cidade de Osaka, localizada a cerca de 40 quilômetros de Kyoto, também foi bombardeada pelos norte-americanos, lembro bem do céu muito vermelho. Já Hiroshima ficava a 80 quilômetros de distância, mas pude ver o cenário de destruição”, recorda-se. “Só fui entender o significado daqueles ataques nucleares, o que representava uma bomba atômica, muitos anos depois. Com meus olhos de criança, presenciei e senti a fome que se abateu sobre toda a região.”

Filho de um professor universitário de economia, que estudou na Europa, bisneto de um samurai (soldado da aristocracia do Japão até o século 19) e pertencente a uma família abastada, dona de postos de gasolina, Akira, a pedido da mãe, foi enviado com um grupo à cidade de Myasaki, na Ilha de Kyushu. “Não havia comida, fui em busca de alimentos, de arroz, principalmente. Peguei o trem em 15 de agosto, na semana seguinte aos bombadeios, e paramos na estação de Hiroshima. Os vagões estavam cheios, as pessoas, calmas. Fazer xixi, só pela janela. Lá fora, não se via nada, apenas a destruição”, afirma.

Depois de mostrar mais um detalhe do navio, o engenheiro e artista plástico recorda que, se tivesse três anos a mais na época, teria sido convocado para combater pelo exército do imperador Hirohito (1901-1989). “O imperador era como um Deus, e os jovens de 14 anos eram convocados para lutar. Todo mundo queria ir para o front e muitos, inclusive eu, queriam ser um kamikaze”, diz Akira, citando os pilotos japoneses que tinham a missão de fazer ataques suicidas contra navios dos Aliados. Num minuto de reflexão, o japonês diz que “guerra é um negócio horrível”, e tudo deve ser feito em prol da paz.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)
VOLTA AO BRASIL Na comemoração da libertação da Itália, em abril deste ano, o cabo Moreira voltou ao país europeu onde participou com os pracinhas (25.334 combatentes, dos quais 2.947 mineiros) da campanha da FEB. Nos campos de batalha, conquistaram vitórias históricas como as de Monte Castelo e Montese. A viagem reacendeu as lembranças do homem simpático, morador do Bairro Coração Eucarístico, na Região Noroeste de BH, que reservou uma parede do apartamento para pendurar dois capacetes, casacos verde-oliva, diplomas e outras honrarias. “Prefiro os prêmios recebidos em tempos de guerra do que em tempos de paz”, afirma com o orgulho de quem “não passou nenhum dia num hospital de campanha” e combateu na infantaria.

Cabo Moreira tinha 22 anos ao ser convocado para lutar contra os nazistas. “Na guerra, há uma força que nos ajuda”, afirma o veterano da FEB, que guarda com carinho uma Cruz de Combate de primeira classe. “Nós, brasileiros, fomos integrados ao 4º Corpo do 5º Regimento do Exército Americano”, conta o ex-combatente, vestindo um casaco que tem o símbolo dos pracinhas, de um lado, e dos americanos do outro.

De repente, o veterano pega uma revista e mostra uma foto do “cogumelo” formado pela bomba atômica. “Com o encerramento da guerra na Europa, em 8 de maio de 1945, ficamos esperando a decisão dos superiores, pois já tínhamos sido desligados do Exército Americano. Ocorre que novamente fomos reintegrados, pois havia a possibilidade de seguirmos para o Japão. “Na guerra, não se escolhem inimigos”, afirma. Mas foi quando veio a decisão final. “Para nós, foi bom, pois terminou o conflito e pudemos retornar ao Brasil”. Atento ao presente e ao futuro, o cabo Moreira está certo de que “enquanto pensarmos nas consequências de uma guerra, não haverá a Terceira Guerra Mundial”.

João Batista Moreira, de 93 anos, era cabo da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e aguardava, na Itália, ordens para seguir para o Japão:
João Batista Moreira, de 93 anos, era cabo da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e aguardava, na Itália, ordens para seguir para o Japão: "Na guerra, há uma força que nos ajuda" (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


INÍCIO DA ERA NUCLEAR

» OS BOMBARDEIOS
A bomba atômica de urânio (Little Boy) foi lançada sobre Hiroshima em 6 de agosto de 1945. Três dias depois, em 9 de agosto, houve a explosão de uma bomba nuclear de plutônio (Fat Man) sobre Nagasaki

» AS MORTES
Nos meses posteriores aos ataques atômicos, os efeitos das explosões mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e entre 60 mil e 80 mil em Nagasaki. Aproximadamente metade das perdas em cada cidade ocorreu no primeiro dia.

» A HISTÓRIA
Os ataques atômicos de Hiroshima e Nagasaki foram feitos pelos Estados Unidos contra o Império do Japão, no estágio final da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945. Foi o primeiro e único momento na história em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis

» O FIM
Em 15 de agosto, seis dias depois do bombardeio de Nagasaki, o Japão anunciou sua rendição aos Aliados. Em 2 de setembro, o governo japonês assinou o acordo de rendição, pondo fim à Segunda Guerra Mundial. O papel dos bombardeios na rendição do Japão e a sua justificação ética ainda são pontos debatidos entre acadêmicos e na sociedade.

Cerimônias no Japão


O Japão inicia hoje as cerimônias em lembrança das vítimas dos ataques nucleares sofridos na Segunda Guerra Mundial. Lançadas pelas Forças Armadas dos EUA, a primeira bomba, jogada em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, matou 130 mil pessoas. A segunda, atirada em Nagasaki, três dias depois, deixou 220 mil mortos. O número exato de vítimas, porém, é motivo de discussão entre os dois países. Não se sabe quantas mortes ocorreram indiretamente, devido à radiação liberada pelos artefatos. Ontem, japoneses já foram ao Parque Memorial da Paz em Hiroshima para rezar pelas vítimas do bombardeio (foto). O primeiro-ministro Shinzo Abe e delegados estrangeiros estarão entre os que farão hoje um minuto de silêncio às 8h15 (horário local), quando a detonação transformou a cidade japonesa ocidental em um inferno.


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