“Um carro pode ser um revólver nas mãos de irresponsáveis. O acelerador tem o mesmo poder do gatilho.” A comparação é do taxista Marcelo Prado, de 44 anos. Há quase duas décadas e meia na profissão, o experiente condutor perdeu a conta de quantas vezes sua vida esteve em perigo por causa de veículos que trafegam em velocidade acima da permitida. “Falta mais responsabilidade a quem dirige em Belo Horizonte.” O alerta ganha maior força diante de uma tragédia recente, associada a um dado alarmante: as autuações por excesso de velocidade – causa de acidentes como o provocado pelo Gol turbinado que atingiu e matou um casal na capital, na segunda-feira – somaram 225.442 ocorrências no primeiro semestre deste ano, segundo a BHTrans.
O número, se dividido pelos 181 dias do acumulado de janeiro a junho de 2015, revela a média de 1.245,5 infrações a cada 24 horas. Portanto, 51,8 autuações por hora – quase uma por minuto – e apenas considerados motoristas que são efetivamente flagrados pelos radares da capital. Os 225.442 casos de desrespeito à legislação de trânsito foram registrados pelos equipamentos fixos de controle de velocidade (211.131) e pelos aparelhos móveis (14.311). São 5.985 autuações a mais do que no mesmo período de 2014, quando houve 219.457 ocorrências (veja gráfico).
A diferença se deve, sobretudo, ao aumento do número de radares fixos, cujo total saltou de 66 no primeiro semestre de 2014 para os atuais 81 aparelhos. Até o fim do ano, mais 23 equipamentos vão vigiar os motoristas da cidade. Na prática, porém, o número real de infrações sempre será maior do que o registrado pela fiscalização, pois a maioria das vias da capital não tem equipamentos de controle, como o trecho da Avenida Américo Vespúcio, na Região Noroeste de BH, onde na segunda-feira o Gol turbinado atingiu o Palio em que estavam Paulo Guilherme Medeiros Meireles, de 29 anos, e Kátia Aisten de Assis, de 27.
Os corpos do casal – que deixou os filhos Giovana, de 9, e João Pedro, de 4 – foram sepultados ontem, no Cemitério José Brandão, em Caeté, na Grande BH. O condutor do Gol, José Almério, deve ser indiciado pela Polícia Civil por duplo homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar). Uma testemunha disse aos policiais que seu carro trafegava a cerca de 150km/h no momento do desastre.
“A intensidade do trauma está relacionada com a transmissão de energia ao organismo (vítima). A tendência é de que, quanto maior a velocidade, maior a transmissão de energia e mais intensas as lesões”, informou o médico Rômulo Suki, coordenador do setor de Emergência do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, na capital. O HPS também elaborou uma estatística que reforça a necessidade de mais respeito no tráfego: 6,2 mil pessoas foram socorridas na unidade, apenas no primeiro semestre deste ano, em razão de acidentes no trânsito, 1.056 delas pedestres. Vale lembrar que o HPS recebe acidentados tanto de BH quanto de outras partes do estado. Ainda assim, fica o alerta: a média é de 34,2 vítimas por dia.
Enquanto isso...
Atropela, mata, foge e é liberado
O motorista Paulo Henrique Vilela Cardoso, de 41 anos, preso terça-feira depois de atropelar e matar um pedestre na Rua Professor Moraes, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi liberado ontem pelo Detran. O condutor – localizado depois de fugir do local do desastre, sendo indiciado por homicídio culposo e omissão de socorro, sem direito a fiança – teve a prisão revertida pela Justiça. De acordo com a Polícia Civil, o delegado não pôde estipular fiança porque as penas dos crimes pelos quais Paulo Henrique foi indiciado superam quatro anos. A assessoria do Fórum Lafayette informou que o juiz fixou fiança em 50 salários-mínimos, reduzida em um terço, acolhendo pedido da defesa.