É conhecida entre profissionais de saúde e até mesmo entre leigos a máxima de que, quanto mais rápido o socorro, maiores as chances de sobrevivência de vítimas de acidentes graves. Porém, em Montes Claros, no Norte de Minas, a agilidade representada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) vem esbarrando em problema prosaico: há ambulâncias e socorristas, mas faltam macas. O estrangulamento do sistema de saúde e a superlotação das unidades no município chegou a tal grau que os equipamentos destinados ao transporte de pacientes estão sendo retidos nos hospitais e usados como se fossem leitos. As direções alegam que precisam segurar as marcas para garantir a assistência aos acidentados e a outros pacientes graves que chegam, pois não têm outras camas disponíveis. Já o Samu se viu obrigado a montar uma espécie de “operação resgate” para recuperar seu instrumento de trabalho.
O Samu tem seis ambulâncias em Montes Claros, totalizando 36 macas – seis por veículos. Mas, ontem à tarde, estavam disponíveis apenas duas macas. As outras 34 estavam ocupadas por pacientes dentro dos pronto-atendimentos. A cidade conta com cinco hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que a maior demanda de pacientes de urgência é atendida na Santa Casa e no Hospital Universitário Clemente de Faria.
O Samu faz em Montes Claros, em média, 52 atendimentos por dia, dos quais cerca de 30% envolvem traumas – vítimas de acidentes, quedas, tiros e outros tipos de violência – que dependem do transporte em macas. Há casos de vítimas que são obrigadas a esperar por até 40 minutos até a chegada do Samu. Muitos apelam ao Corpo de Bombeiros, que tem poucos veículos de socorro e também fica sobrecarregado.
Um dos que sofreram com a situação foi um servidor público que teve fratura exposta em uma das pernas, após sofrer acidente de moto na Zona Norte da cidade, no último domingo. O caso foi denunciado na Câmara Municipal pelo vereador Raimundo Pereira da Silva (PDT). “Mesmo com a fratura exposta, a vítima ficou 40 minutos esperando a ambulância. Liguei para o Samu e disseram que não poderiam fazer o atendimento rápido, por causa da falta de macas.”
“Não deixamos de socorrer ninguém. Mas estamos priorizando os casos mais graves”, afirma o coordenador regional do Samu em Montes Claros, Enius Freire Versiani. Ele disse que, diante da falta de macas, em algumas situações somente são atendidos casos em que os cuidados médicos possam ser prestados no local da chamada, sem a necessidade de transporte até o hospital. São casos como desmaios, obstrução de vias aéreas, necessidade de oxigênio e pacientes já acamados.
Diante do problema crônico, o Samu criou um setor de busca ativa, que faz ronda nos hospitais três vezes por dia, a fim de resgatar as macas. Muitas vezes, quando uma pessoa liga para o serviço, precisa esperar pelo “resgate” de um dos equipamentos. “Recomendamos as pessoas que, nos casos de acidentes, possam ter paciência e esperar, sem mexer com a vítima, até a chegada da ambulância”, informa Daniela Queiroz, atendente do Samu, que, a cada chamada, se desdobra para explicar a quem está do outro lado da linha a dificuldade enfrentada pelo serviço.
De acordo com a coordenação regional do Samu, o problema da retenção das macas ocorre há algum tempo e se agravou nesta semana, mas não tem relação com a disputa entre a Prefeitura de Montes Claros e o governo do estado em torno da gestão plena da saúde no município, polêmica que se intensificou nos últimos dias.
'ALA INTERMEDIÁRIA' Na tarde de ontem, no Pronto-Socorro da Santa Casa de Montes Claros, havia 43 pacientes nos corredores e no setor administrativo, 23 deles em macas do Samu. É o maior hospital do Norte de Minas, com 392 leitos, dos quais 305 vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 87 particulares e de convênios. Os pacientes atendidos no serviço de urgência e emergência que necessitam de internação são colocados nesssa “ala intermediária” enquanto aguardam vagas em uma enfermaria ou quarto – ou a transferência para outro serviço de saúde.
O gerente do Pronto-Socorro da Santa Casa, Wendel Felix Guimarães, explica que a dificuldade é que o hospital tem capacidade instalada somente para 20 leitos no pronto-socorro. “Nossa demanda é muito maior do que isso, pois a Santa Casa é um hospital de referência para 86 municípios da região. Não retemos macas porque queremos”, disse.
Procurada a Prefeitura de Montes Claros informou que, desde 1º de agosto, o governo estadual, por meio de intervenção, assumiu a gestão plena da saúde do município, “cabendo a ele, portanto, explicar as retenções de macas”. O EM manteve contato com a assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado de Saúde e com a Gerência Regional de Saúde (GRS) de Montes Claros, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.