Deitando sangue pela boca em noites horríveis, autores tísicos vomitavam versos sobre o famigerado mal do século, como descreveu, no poema Os doentes, Augusto dos Anjos . Na proporção inversa da inspiração literária, faltava material científico sobre a tuberculose, e os poucos artigos que havia eram em inglês e francês. Na Escola de Medicina da UFMG, as anotações das aulas do catedrático José Feldman eram reproduzidas nos mimeógrafos pelos alunos, formando as antigas “bentas”. Na “benta” de Feldman, é possível verificar que os coeficientes de mortalidade por tuberculose eram altos até 1947: atingiam 250 a cada 100 mil habitantes em BH. Para se ter uma ideia, eram nada menos que 44 vezes superiores às 5,7 mortes a cada 100 mil pessoas registradas por HIV no Brasil, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, de 2014.
Sem remédios conhecidos (os primeiros tuberculostáticos só viriam depois da Segunda Guerra Mundial), era preconizado o isolamento dos pacientes em hospitais afastados dos centros urbanos. Reconhecida pelo clima ameno, com altitude acima de 800 metros, a capital mineira sediaria alguns dos mais luxuosos sanatórios do país, como o Alberto Cavalcanti, o Júlia Kubitschek, o Baleia e o Eduardo de Menezes, mais tarde readaptados para hospitais gerais. Nessas unidades, eram atendidos em sua maioria pacientes ligados aos institutos de previdência dos bancários, industriários e comerciários.
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Cercado por espécimes da mata atlântica, o Sanatório Eduardo de Menezes tornou-se hospital especializado em doenças infectocontagiosas, referência no atendimento a portadores de HIV. Na década de 1980, a epidemia da Aids baixou a imunidade dos soropositivos, trazendo de volta a tuberculose, como doença oportunista.
Da indigência ao golpe
Nos piores tempos da tuberculose, quem não tinha previdência era chamado de indigente. E eles chegavam a BH aos montes, vindos de todo o país. Sem recursos, muitos acabavam embaixo de pontes ou se hospedavam em pensões para tuberculosos, que proliferavam na região hospitalar da capital. “Como os tuberculosos vinham do interior para as cidades, recebendo do governo a verba-sanatório, criou-se na época o ‘golpe do escarro’. Doentes cobravam para cuspir catarro com sangue em um copo. Pessoas imunes à doença usavam o material para se apresentar na hora do exame e fingir que estavam tuberculosas, para receber os benefícios”, lembra-se o pneumotisiologista Frederico Ozanam, de 74 anos.
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Na região do Morro das Pedras, na altura da Avenida Raja Gabaglia, seria fundada uma vila para acolher trabalhadores carentes. O povoado daria origem ao Sanatório Marques Lisboa, chamado primeiro pelo nome do médico fundador e, mais tarde, rebatizado com a denominação atual de Hospital Madre Teresa. “Devido às péssimas condições de higiene, alimentação e moradia, a tuberculose produzia verdadeiros estragos entre os pobres. Além do sofrimento do corpo, o doente carregava na alma o peso de ter contraído uma doença contagiosa e fatal, muitas vezes associada a práticas desregradas”, informa a edição histórica de uma revista feita em comemoração aos 50 anos das freiras do Madre Teresa.
Diante do quadro de calamidade, na década de 1940 o Estado decide intensificar a luta contra a doença, questão prioritária de saúde pública, criando o Serviço Nacional de Tuberculose (1941) e a Campanha Nacional contra a Tuberculose (1946). “Como não havia remédios, os pacientes apelavam para rezas e benzeções. A cirurgia foi o primeiro método terapêutico verdadeiramente válido para curar a tuberculose”, diz o cirurgião torácico Silvio Paulo Pereira, de 73 anos, 48 deles dedicados à medicina. Segundo ele, a colapsoterapia era a técnica mais usada, adotando métodos como o pneumotórax. A grosso modo, a intervenção consistia em injeções regulares de ar entre a pleura e o pulmão, que faziam partes comprometidas do órgão “murcharem”, ajudando a fechar as lesões.
Novos sanatórios surgiram em Belo Horizonte nas décadas de 1940 e 50, todos eles com amplas janelas, para facilitar a ventilação. Unidades foram abertas em lugares então isolados do Centro da cidade, como o Hugo Werneck, na Região de Venda Nova. No Barreiro, o então presidente Juscelino Kubitschek abriria em 1958 o hospital com o nome da mãe, Júlia Kubitschek. Originalmente, as instalações seriam destinadas a abrigar um novo clube do Sesc. Diante da epidemia, os prédios foram readaptados para receber tuberculosos.
MARCAS DO PASSADO
No Leito
(Casimiro de Abreu – morto de tuberculose aos 21 anos)
Eu sofro; o corpo padece
E minh’alma se estremece
Ouvindo o dobrar dum sino!
Quem sabe? – A vida fenece
Como a lâmpada no templo
Ou como a nota dum hino!
A febre me queima a fronte
E dos túmulos a aragem
Roçou-me a pálida face;
Mas no delírio e na febre
Sempre teu rosto contemplo
(...)