Uma festa para calouros da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) se transformou em baderna e terminou com um assassinato, além de brigas e acidente com motorista alcoolizado, entre a noite de sexta-feira e madrugada de ontem. Os estudantes que organizaram o encontro fecharam a Avenida 31 de Março, diante da unidade do Bairro Coração Eucarístico, na Região Noroeste de BH, em evento que contou com farto consumo de bebidas alcoólicas e gerou muito lixo. Por volta da 1h30 de ontem, em meio à festa, o estudante Daniel Adolpho de Melo Vianna, de 22 anos, do último período de direito da Faculdade Pitágoras, se desentendeu com o soldador Pedro Henrique Costa Lourenço, de 29. Segundo testemunhas, Pedro Henrique tinha um revólver na cintura e atirou no rosto de Daniel, que morreu na hora. Amigos do universitário morto entraram em luta com o atirador e o imobilizaram. Horas antes, um calouro de 19 anos, do curso de ciências contábeis da PUC, que havia saído da festa, bateu em pelo menos cinco carros estacionados. A polícia fez o teste do bafômetro e constatou que o rapaz apresentava mais de três vezes o teor alcoólico limite para crime de trânsito.
O rapaz assassinado durante a festa deixou de viajar com a família da mãe para passar o Dia dos Pais em Belo Horizonte, com o pai. Tio materno de Daniel, o comerciante Sérgio Luiz Perpétuo de Melo, de 54, disse que a família está devastada. “Estávamos em Carandaí (137 quilômetros de BH), no meu sítio. Por volta das 4h30, nos deram a notícia. Voltamos na hora. A mãe dele ainda não acredita. A irmã, de 17, está muito abalada. Ninguém entendeu como alguém pode destruir uma família de uma forma tão estúpida”, desabafou.
Segundo o comerciante, Daniel era um rapaz de família e muito reservado. “Tinha começado um escritório de advocacia com amigos e todo dinheiro que ganhava usava para comprar algo para casa. Ele era o sonho da minha irmã, que teve de lutar muito em tratamentos para engravidar dele. A ficha dela ainda não caiu”, conta. O pai, em estado de choque, não falou sobre o episódio. O corpo do rapaz deve ser sepultado hoje, às 10h, no Cemitério do Bonfim, na capital.
De acordo com uma engenheira ambiental de 26 anos, que participava da festa e pediu para não ser identificada, o homem apontado como assassino chegou ao evento com um grupo que se destacava por um aspecto que ela classificou como “típico de marginais”. “Esse pessoal esquisito mal chegou e a confusão começou, em frente ao banheiro feminino. Escutei um tiro e fiquei apavorada. Fui embora imediatamente. Antes, estava tudo pacífico, com as pessoas dançando e conversando numa boa. Foi só esse pessoal chegar que ocorreu essa tragédia”, conta.
EUFÓRICO Na delegacia, Sérgio Luiz, tio do rapaz morto, contou que o soldador não demonstrou arrependimento e seus pais chegaram a zombar da família da vítima. “Minha irmã estava desesperada e os pais daquele monstro ficaram falando que logo ele estaria solto. Se fosse meu filho, iria chegar de joelhos e pedir perdão por ele ter tirado a vida do filho de outra pessoa”, criticou. De acordo com o delegado Sidney Aleluia, o acusado aparentava estar muito eufórico e poderia ter feito uso de alguma substância entorpecente. Pedro Henrique não quis falar sobre o episódio e disse aos policiais militares que não foi ele quem atirou. O advogado Fábio Piló, contratado pela família do acusado para acompanhar a lavratura do flagrante, disse que ainda não havia conversado com o cliente sobre o caso. O delegado disse que indiciaria o homem por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil, impossibilidade de defesa da vítima e com emprego de arma de fogo, além de tentativa de homicídio contra um dos amigos do rapaz e disparo de arma de fogo em via pública. As penas, somadas, em caso de condenação, podem chegar a 54 anos de reclusão e multa.
Horas antes do assassinato, ainda pintado de azul, como é tradição na recepção dos calouros, um estudante de 19 saiu da mesma calourada dirigindo seu automóvel Gol, mas perdeu o controle e bateu em pelo menos cinco carros estacionados na Alameda Guajará, a menos de um quarteirão da PUC. Policiais do 34º Batalhão da PM detiveram o motorista, que concordou em soprar o bafômetro. A quantidade de álcool medida no ar expelido pelos pulmões foi de 1,19 miligrama por litro de ar, sendo que o limite para que se configure crime de trânsito é de 0,34 miligrama. O caso foi encerrado na delegacia do Detran e o veículo, levado pela mãe do calouro.
Vizinhança pede fim do transtorno
Moradores do entorno do bar onde ocorreu o homicídio reclamam que os transtornos relacionados a barulho, sujeira e brigas começaram desde a abertura do estabelecimento, há pouco mais de dois anos. E que, inclusive, procuraram o Ministério Público no fim do ano passado, para relatar os problemas, mas não tiveram retorno. De acordo com o presidente da Associação de Moradores do Bairro Coração Eucarístico, Walter Freitas, festas marcadas em redes sociais chegaram a reunir cerca de 5 mil pessoas nas imediações. “Nas calouradas, vêm alunos da PUC, mas também muita gente de fora, porque os encontros são divulgados na internet. Vira uma verdadeira balbúrdia”, afirma o morador, ressaltando que, ontem, o bar estava aberto. “Estão funcionando, como se nada tivesse ocorrido”, criticou. Os transtornos na região são criticados pela própria PUC, que destacou em nota nada ter a ver com o evento que terminou em morte.
O líder comunitário conta que, com tanta gente, o trânsito fica complicado e ônibus das linhas que atendem ao bairro ficam travados entre veículos, muitas vezes estacionados de forma irregular. “Vira um caos generalizado. Os frequentadores ligam o som dos carros e fazem muito barulho madrugada adentro. Atrapalham a passagem de pedestres e de quem chega de carro em casa”, lembrou. Segundo Walter, a associação vai voltar a procurar o MP, desta vez para pedir que o funcionamento dos bares ocorra somente até as 23h, além de reforço de policiamento.
Em nota, a PUC Minas informou que o evento não era uma calourada da universidade. E, ainda, que o estabelecimento onde ocorreu o confronto é frequentado por um grande número de pessoas, entre elas, alunos, e que os eventos provocam, muitas vezes, transtornos para o trânsito e riscos para a segurança de toda a comunidade. “Com os moradores da região e a Polícia Militar, a universidade tem mantido um permanente diálogo sobre o problema, entendendo que há prejuízos claros à tranquilidade e à qualidade de vida dos vizinhos do estabelecimento. Além disso, por meio de seus professores, gestores acadêmicos e funcionários, a universidade procura desestimular a ida de seus alunos àquele local, em função, exatamente, das aglomerações que ali eventualmente se dão”, diz trecho da nota. A instituição lamentou o ocorrido, que, de acordo com a nota, “expressa, de modo grave, a banalização da violência em nossa sociedade”. “A PUC Minas reitera sua determinação em continuar buscando uma solução para o fim dos mencionados transtornos, que resulte de um amplo diálogo, envolvendo toda a comunidade”, conclui o texto.