No mês que vem, em 22 de setembro, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, completaria 70 anos de vida, certamente sem ter vergonha de ser feliz. “Como poderia ser triste uma pessoa que nasceu na primavera? Gonzaga estava feliz, com a vida toda organizada. Mariana ia fazer 8 anos quando ele foi atingido por um débil mental na contramão, em plena rodovia”, diz a segunda mulher do compositor carioca, Louise, a Lelete, de Belo Horizonte. Ela e a prometida tranquilidade da capital mineira atraíram Gonzaguinha a BH, em 1981, na tentativa de se curar de uma segunda crise de tuberculose.
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Segundo Lelete, que costuma hospedar em casa os dois filhos do primeiro casamento de Gonzaguinha, o músico teve uma fase pacata em BH. “Ele gostava de pedalar em volta da Lagoa da Pampulha e jogava pelada com os amigos em frente ao Mineirão, onde hoje é uma quadra de esportes.
Um artista na contramão do fluxo
Não era unanimidade absoluta a tese de que a capital mineira era a mais indicada para tratar dos pulmões brasileiros adoecidos. Nascido em Araguari, em 1926, o artista plástico mineiro Farnese de Andrade, rejeitou o ar das montanhas na década de 1940, as quais considerava “cerceantes”. “Adoeci dos pulmões em Belo Horizonte, considerado o melhor clima para tuberculose. Se não tivesse perdido a paciência e vindo para o Rio, teria morrido”, disse, em sua biografia, o renomado escultor, que aproveitou a estada na cidade para estudar com o mestre Alberto da Veiga Guignard, fundador da escola de artes que leva seu nome.
Ao ser declarado precocemente inválido, Farnese de Andrade mudou o curso da vida. Com a sentença de morte já anunciada, como ocorria com os tísicos da época, voltou-se para o caminho das artes. Um ano depois, começou a desenhar com o professor Guignard. “Esse parente nosso foi reconhecido no mundo todo. Eu era criança, mas me lembro vagamente de minha mãe ir ao Rio e voltar de lá com desenhos que ele fazia. Farnese vivia no mundo dele, enfurnado no atelier de arte”, recorda-se Leila Machado de Brito, filha da psicóloga Martha de Andrade, prima em primeiro grau do artista, falecida em 2006.
Depois que Farnese de Andrade radicou-se no Rio, em 1948, a mãe dele também partiu de mudança para a capital carioca. Inicialmente, dona Mariquinha (Maria Andrade) abriu uma pensão, onde chegou a hospedar o ilustre visitante Guignard.
Na ocasião, ao descobrir que a doença ainda não estava curada e que, ao contrário, havia tomado os dois pulmões, o artista abandonou as pinturas a óleo, com tintas de maior toxidade. Passou a se dedicar a esculturas inovadoras, fabricadas com pedaços de madeira, conchas e restos de objetos encontrados nas praias, onde se dedicava a fazer longas caminhadas. “Para mim o mar é importantíssimo.
Segundo o servidor público aposentado Luiz Edmundo Machado Brito, de 73 anos, os desenhos de Farnese foram qualificados como “excelentes” pelo próprio Guignard, mas no futuro ele iria mesmo se destacar a partir das montagens de objetos. “Nada se compara ao trabalho dele, que contém peças emocionantes. Nesse aspecto, ele foi um dos melhores do mundo”, elogia o parente, que continuou morando em BH. “Eu o conheci pessoalmente, mas conversamos muito pouco”, completa ele que, na ocasião, havia ido ao Rio visitar Maria Andrade, a dona Mariquinha, mãe de Farnese de Andrade.
Após passar o dia na companhia da idosa internada no hotel geriátrico, Luiz Edmundo já estava de saída quando se deparou com o primo de segundo grau, que chegava para visitar a mãe, dona Mariquinha: “O relacionamento dos dois era curioso, porque se gostavam muito, mas viviam brigando. Os dois tinham gênio forte, mas ela teve muita importância na vida dele. Ela era uma florista respeitada e penso que seu dom artístico teve alguma influência no filho. Os dois viveram juntos durante bastante tempo, porque ele nunca se casou. Era um ser humano diferenciado, especial, um artista mesmo”.
MAIS SOBRE O ESCULTOR Farnese de Andrade Neto (Araguari / MG, 1926 – Rio de Janeiro, / RJ, 1996) era pintor, escultor, desenhista, gravador e ilustrador. Aperfeiçoou sua técnica de gravura em metal no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tendo como orientador Johnny Friedlaender.
Foi para a Espanha (Barcelona) – com o Prêmio de Viagem ao Exterior ganho no Salão Nacional de Arte Moderna – e lá montou estúdio, onde permaneceu até 1975, quando voltou para o Rio de Janeiro e morou até sua morte, em 1996. Para o crítico Frederico Morais, seus objetos são object-trouvés (objetos encontrados) que atuam em nosso inconsciente e parecem estar associados a algumas lembranças, mas sobretudo fazem parte de uma autobiografia que o artista construiu. Assim, aproximam-se mais do surrealismo e da pintura metafísica do que do dadaísmo.
MARCAS DO PASSADO
Odaleia, noites brasileiras
(Gonzaguinha – diagnosticado com tuberculose aos 14 anos)
Minha cantora esquecida das noites brasileiras
Te amo
Compositora esmagada dessas barras brasileiras
Te amo
Minha heroína doente do peito
Minha menina de luta
minha morena catita
Ah! minha preta
Furando cartão
cantando nos becos
tossindo nos cantos
o lenço na boca, o sangue
A mão na garganta
a perna já bamba
a força não tanta
a vida tão tonta.