Jornal Estado de Minas

Ativistas atacam ação da PM no Centro, que sustenta ter reagido à interdição de via


Um protesto contra o reajuste da tarifa de ônibus em Belo Horizonte terminou em tumulto entre manifestantes e policiais militares, que usaram bombas e balas de borracha para dispersar o movimento, na noite de ontem. Houve 60 detidos, das quais pelo menos 15 algemados e presos, entre participantes do ato ou pessoas que passavam pela Rua da Bahia, no Centro, no momento do conflito. Não houve divulgação do número de feridos, mas pelo menos oito pessoas foram atendidas no Hospital de Pronto Socorro João XXIII e outras unidades de saúde, com ferimentos sem gravidade, e até um hóspede de um hotel próximo ao local precisou de atendimento médico. A justificativa da PM para o uso da força foi o fechamento da via e o arremesso de objetos contra militares, o que é negado por manifestantes. O governo do estado informou que vai apurar o episódio.

A concentração de integrantes de vários movimentos sociais no quarteirão da Rua Rio de Janeiro, entre Praça Sete e Rua Tamoios, começou às 17h. Os protestos, convocados pelo movimento Tarifa Zero, vinham sendo acompanhados de perto por militares de várias unidades. “Estamos aqui para garantir a segurança das pessoas e impedir o fechamento de vias”, informava o capitão Carlos Henrique, do Batalhão de Choque, antes de o grupo de cerca de 500 pessoas fechar as vias. Cerca de uma hora e meia depois, os manifestantes fecharam a Praça Sete por aproximadamente 20 minutos.

O indicativo de que o protesto poderia esbarrar em reação policial veio logo em seguida, quando um grupo de PMs, usando escudos, manteve os ativistas bloqueados na Avenida Afonso Pena, impedindo a passeata em direção ao prédio da Prefeitura de Belo Horizonte.
Era uma tática para ganhar tempo até que chegassem mais militares.

A passeata seguia de forma pacífica em direção à PBH, fechando o trânsito da Afonso Pena sentido Praça Sete/Mangabeiras e de vias que cortam a avenida. “É importante que a população venha para a rua protestar, complementando a ação da Defensoria Pública, para suspender o reajuste da tarifa. É a maneira de alertar os órgãos públicos sobre a insatisfação das pessoas”, justificava a estudante Anne Ovideo, integrante do Tarifa Zero.

No cruzamento da Afonso Pena com a Rua da Bahia, os manifestantes perceberam o forte aparato policial em frente à PBH e decidiram subir a Bahia. O objetivo era levar o protesto para trás da prefeitura, mas os militares agiram rápido e bloquearam a Rua Goiás, onde fica a portaria dos fundos do prédio da administração municipal. Parados na Rua da Bahia entre Goiás e Avenida Augusto de Lima, os ativistas esperaram uma negociação entre lideranças e comandantes da ação policial.

Na Rua da Bahia, próximo à esquina da Augusto de Lima, um forte bloqueio de militares com escudo impedia a passagem, inclusive de quem não participava do ato. Antevendo o tumulto, lojistas fecharam suas portas. Foi quando tiveram início os disparos de bala de borracha, spray de pimenta, além de bombas de gás e de efeito.
O comandante do Batalhão de Choque, tenente-coronel Gianfranco Caiafa, disse que a PM agiu porque pediu a liberação da faixa e não foi atendida. O militar mostrou uma lesão na mão que, segundo ele, foi provocada por uma pedrada. “Quem não contribuiu foram eles. Esperamos 40 minutos para agir”, afirmou. “A ordem é de não tolerância com a obstrução de vias”, acrescentou.

Ativistas negam que tenham jogado pedras ou objetos nos policiais e alegam que estavam negociando com a PM quando militares usaram a força. Houve correria e um grande grupo de manifestantes entrou no Hotel Sol Belo Horizonte para se esconder. Outros procuravam abrigo em edifícios residenciais e comerciais vizinhos.

- Foto: Arte EM

As cabeleireiras E.D.A, de 38, e R.R., de 40, assistiam ao tumulto do alto de um prédio onde têm um salão. “Era um movimento pacífico, com as pessoas segurando faixas e gritando palavras de ordem.
De repente os militares passaram a atirar e houve pânico”, contou E., em tom de indignação. “Não sei o motivo da ação policial, pois era um protesto pacífico. Vi pessoas caindo e sendo atingidas por balas de borracha”, afirmou R., que depois de 20 minutos ainda não conseguia deixar o edifício, cercado de PMs. De acordo com porteiros do prédio, pelo menos 50 pessoas invadiram o imóvel para se abrigar.

A dona de casa L., de 60 anos, contou que desceu à portaria de seu prédio para esperar as filhas que chegavam do trabalho. “Não vi motivos para as bombas. Havia pessoas no ponto de ônibus que nem participavam do ato. Quando vi a correria, deixei que várias pessoas entrassem.” “Eu chegava do trabalho e tive que dar a volta, pois os PMs fecharam a rua. Quando vi o tumulto, corri, entrei pela garagem e tive que ficar escondido até a liberação da polícia”, relatou o vendedor V., de 29.

Em nota divulgada ontem, o governo do estado classificou os fatos como “lamentáveis” e informou que “determinou apuração rigorosa”. “A Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania está acompanhando os desdobramentos do conflito e participará diretamente da investigação (...), incluindo a escuta livre de todos os envolvidos e a perícia das imagens obtidas pela imprensa e câmeras de vigilância. O Governo de Minas Gerais reitera sua posição de garantir o direito democrático de livre manifestação, assim como o de ir e vir de todos os cidadãos, e a não tolerância com agressão a agentes públicos no exercício de sua função”, diz o texto.
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