A exuberância da mata atlântica e do cerrado mineiros entre as serras fluminenses, paulistas, capixabas e o planalto goiano encolhe à razão de um hectare (ha) para cada quilômetro e meio rodado nas rodovias BR-040 e BR-381, as mais movimentadas de Minas Gerais. Exemplo de como as atividades rodoviárias mal fiscalizadas e mal planejadas podem ser nocivas ao meio ambiente, ao longo dos 1.625 quilômetros das duas estradas, uma área de 1.054ha que era ocupada por florestas se perdeu só em 2013, rombo que é três vezes maior que o Parque das Mangabeiras (337ha), em Belo Horizonte, e quase sete vezes o Parque do Ibirapuera (158ha), em São Paulo. Resultado de queimadas iniciadas por destroços de veículos acidentados e não recolhidos, derramamentos de cargas de produtos químicos, falta de drenagens eficientes e de fiscalização das faixas de domínio, esse retrato da devastação que ocorre nas estradas foi o saldo de um levantamento feito pela reportagem do Estado de Minas a partir do cruzamento de dados de satélites de monitoramento da retração florestal especialmente dimensionado sobre uma zona que se estende a 100 metros a partir das margens das duas estradas.
Como os órgãos ambientais, empresas de conservação das vias e concessionárias não dispõem de informações específicas sobre a devastação de ecossistemas em torno de rodovias, foi preciso utilizar o sistema de interpretação de perda de vegetação da organização não-governamental Global Forest Watch. A precisão do instrumento é reconhecida pela ONU em trabalhos na África e no Sudeste Asiático e também pelo setor de Monitoramento de Vegetação e Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais.
As queimadas aparecem como o componente mais devastador para esses ecossistemas, destruindo árvores, bosques, empobrecendo o solo de nutrientes e secando nascentes. Para o biólogo e consultor em gestão ambiental Rafael Resck, pedaços de faróis, para-brisas e peças não recolhidas pelas empresas de conservação após acidentes estão entre os principais causadores de queimadas, ao se tornarem lentes focalizadoras dos raios solares capazes de produzir fogo. “O capim seco das margens das rodovias propaga as labaredas com muita rapidez e traz problemas para a cobertura florestal e para a fauna. Um perigo também para acidentes. O problema é que o estado não tem pessoal para fazer essa fiscalização e a remoção, o que funciona um pouco melhor nas vias privatizadas”, afirma.
Outro importante causador de incêndios é o usuário das estradas, que, ao atirar garrafas com água na beira da rodovia, transforma esses recipientes em lente de aumento, que também inicia o fogo.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e as administradoras das rodovias mineiras também não dispõem de estudos e registros sobre incêndios florestais iniciados nas vias de sua responsabilidade. Para ter uma ideia de quão abrangente é esse problema, a reportagem do EM recorreu novamente aos satélites de monitoramento ambiental, desta vez do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Os aparelhos mapeiam todos os focos de calor ao longo de um ano e, ao verificar essas ocorrências nos 104 municípios cortados pelas rodovias BR-040, BR-381 e MG-050, as de tráfego mais pesado no estado, foram localizados 151 focos nas margens e áreas de influência das vias, entre o início do ano e o dia 13. A quantidade de incêndios iniciados nas margens das estradas superou em 26% as ocorrências do mesmo período do ano passado, quando foram verificados 120 focos.
Essas estradas cruzam nada menos do que 11 áreas sensíveis, demarcadas para a proteção da biodiversidade. A BR-040, por exemplo, atravessa a Área de Proteção Ambiental (APA) Sul, a Floresta de Paraopeba, os monumentos naturais da Gruta Rei do Mato e da Serra da Moeda e os parques estaduais da Serra do Rola-Moça e de Paracatu. De São Paulo a Governador Valadares, a BR-381 corta as APAs Fernão Dias, Serra de Timóteo e o Parque Estadual do Rio Doce, enquanto a MG-050 margeia o Parque Nacional da Serra da Canastra.