Todos os dias os fiscais de trânsito da Polícia Militar e da Guarda Municipal flagram e multam, em média, três veículos com as características alteradas em Belo Horizonte, como mudanças na suspensão, alterações na iluminação, modificações no motor, entre outras mexidas. Os dados são do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG) e superam a média registrada em 2014. Enquanto no ano passado foram 1.046 autuações, ou 2,86 por dia, nos seis primeiros meses de 2015 essa média subiu 18% até chegar na atual, de 3,38 multas diariamente, fechando o primeiro semestre com 609 registros. O aumento também é verificado quando comparados os dados de todo o estado (veja quadro). Para o Detran, a estatística ainda está abaixo da realidade, já que muitas pessoas rodam com veículos modificados em áreas onde normalmente a fiscalização é mais rara, aumentando os riscos para o tráfego mesmo quando as alterações têm apenas caráter estético.
Duas portarias de 2011 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) estipulam parâmetros para a modificação dos veículos. Dependendo do porte da mudança, a alteração é considerada uma transformação e para isso é necessário uma homologação compulsória. Esse é o caso das mexidas que visam ao aumento da potência do motor em mais de 10% da especificação original, caso dos veículos turbinados. No dia 3, José Almério de Amorim Neto, de 35 anos, dirigia um Gol fabricado em 1996 pela Avenida Américo Vespúcio, Noroeste da capital, com o objetivo de “testar” um sistema de turbo instalado no veículo. Testemunhas disseram que ele transitava a cerca de 150 km/h quando perdeu o controle do veículo, bateu no canteiro central da avenida e praticamente decolou, acertando em cheio um carro que vinha no sentido contrário. Os dois ocupantes morreram na hora. A modificação no Gol de José Almério não era homologada, de acordo com o Detran. Além de responder pelo homicídio com dolo eventual, quando a pessoa assume o risco do resultado de seus atos, ele foi multado em R$ 127,69, valor da infração grave, que ainda significa a perda de 5 pontos na carteira. Na terça-feira ele obteve habeas corpus e aguarda a conclusão do inquérito em liberdade.
Segundo o vistoriador do Detran/MG, Flávio Augusto de Andrade, o serviço de instalação do turbo só pode ser feito em uma oficina homologada pelo Denatran, o que não existe em Minas Gerais, caso o objetivo seja transitar pelas ruas da cidade. “É essa homologação que garante que aquele serviço está sendo feito com todas as modificações necessárias para readequar o veículo à sua nova potência”, afirma o vistoriador. Depois disso, ainda é necessário buscar uma inspeção em algum estabelecimento credenciado pelo Detran para garantir que a modificação é segura e obter o Certificado de Segurança Veicular (CSV). “Por fim, é feita a vistoria no Detran, para comunicar a alteração e adicionar a mudança no documento do carro”, acrescenta Flávio.
Na Portaria 1.101 do Denatran, de 20 de dezembro de 2011, consta uma lista com 21 mudanças em que a homologação junto a uma oficina com autorização do órgão para efetuar o serviço é obrigatória. Outro exemplo é a instalação de um sistema de tração em outro eixo do veículo, além do original. Já a Portaria 1.100, da mesma data, traz outros 40 tipos de alterações mais simples, em que a homologação compulsória não é necessária, mas torna-se obrigatória a obtenção do CSV antes da vistoria. Nesse grupo entram as mudanças nos componentes do sistema de suspensão, na cor, blindagem, rebaixamento e também o aumento da potência em até 10% da especificação original.
O professor Rogério Botelho Parra, coordenador do curso de Engenharia Mecânica e Aeronáutica da Fumec, diz que as alterações feitas por conta e risco dos condutores, sem seguir os procedimentos legais, aumentam as possibilidades de acidentes. “O principal problema é o fato de os demais componentes do carro não acompanharem uma mudança, por exemplo, na potência do motor. Dependendo da complexidade das alterações, às vezes o condutor precisa até passar por um curso, porque ele não tem capacidade para conduzir o carro daquele jeito”, afirma o especialista. Outro exemplo dado pelo professor é o rebaixamento. “Numa alteração desse tipo, você acaba mudando o centro de gravidade do carro e pode ser que ele não faça uma curva como deveria”, completa. A reportagem procurou o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) para comentar a circulação de veículos modificados nas ruas da capital, mas o órgão não retornou os contatos feitos pela reportagem.
O que diz a lei
Segundo o artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), conduzir o veículo com a cor ou característica alterada é considerado infração grave. O motorista paga uma multa de R$ 127,69, perde cinco pontos na carteira e tem o veículo retido para regularização.
Como ficou?
ACIDENTE COM TURBO
Motorista foi solto após pagar fiança
O motorista José Almério de Amorim Neto (foto), de 35 anos, que conduzia o Gol turbinado pela Avenida Américo Vespúcio, Região Noroeste de BH, no momento da batida que matou um casal, no dia 3, foi levado ao Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na quarta-feira, ele foi solto por meio de habeas corpus concedido pela Justiça, que estipulou fiança de 50 salários mínimos (R$ 39,4 mil) e determinou a suspensão de sua carteira de habilitação. Segundo a Polícia Civil, foi constatada a alteração de característica do veículo (motor turbinado), o que significou a aplicação de uma multa, e o carro foi apreendido. O motorista foi indiciado pelo duplo homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.