São Vicente de Minas – Na entrada da Fazenda Paraíso Manancial, uma das seis em São Vicente de Minas que pertencem à seita “Jesus, a verdade que marca”, várias mulheres e algumas adolescentes trabalhavam nessa terça-feira no cultivo de ervilhas. Mas, assim como outros integrantes da comunidade que atuam em lojas do grupo na cidade, elas são orientadas a não conversar com ninguém de fora. Mais adiante, um grupo trabalhava no cultivo de banana, laranja, maracujá, limão e café. Na portaria de acesso à sede da fazenda e aos galpões onde os fiéis vivem, um dos moradores se sentia difamado por se considerado escravo pelas autoridades policiais. “Agora, as pessoas de fora vivem me apontando e me chamando de escravo. A gente é livre. Aqui ninguém trabalha acorrentado, não tem cerca elétrica e a gente pode sair quando bem quiser”, reagiu o homem, que não quis se identificar.
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Na cidade, integrantes do grupo têm a mesma resposta quando questionados sobre o que são e o que fazem: “Nada a declarar”.
‘TODOS IGUAIS’ O diretor da Fazenda Paraíso Manancial, Paulo Henrique da Silva, em rápida entrevista, definiu o local como uma associação agrícola familiar e negou as acusações da Polícia Federal. Ele recebeu a equipe do Estado de Minas na portaria e garantiu não haver trabalho escravo no lugar. “Aqui, todo mundo trabalha e vive em conjunto.
O fato de ninguém ter carteira de trabalho, segundo ele, ocorre por se tratar de uma associação. “A associação nasce de uma vontade comum de pessoas que têm os mesmos objetivos. Não havendo isso, seríamos chefes e empregados. Aqui, somos donos disso tudo”, afirmou.
Qualquer pessoa que quiser sair do grupo, segundo ele, pode pedir “demissão ou desassociação”. “Várias pessoas foram embora desse projeto e receberam ajuda financeira até serem reinseridas no mercado de trabalho lá fora. Mas, essa ajuda é definida mediante a vontade dos associados, que decidem se a pessoa merece ou não receber ajuda. A pessoa que usa drogas aqui dentro, ou tenta abusar de uma criança, por exemplo, é convidada a se retirar. Mas, tudo é decidido em assembleias”, sustenta, contestando ainda as denúncias de censura a programação de TV ou restrições a relações sexuais.
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A prefeita de São Vicente de Minas, Regina Coeli Carvalho Lima (PMDB), lembra que era vereadora em 2005 quando a cidade foi “invadida” por cerca de 1,2 mil pessoas acompanhando os líderes da seita, com promessas de trabalhar em fazendas e no comércio. “Traziam dinheiro nos porta-malas dos carros e compravam tudo”, disse.
A prefeita conta que em 2005 não havia estrutura para atender a demanda, principalmente na saúde. Hoje, ela garante que a cidade se adequou e mantém política de boa vizinhança com o grupo. Apesar da cautela, Regina Coeli questiona o fato de muitos da seita terem carros e casas de luxo e outros não. “Mas as pessoas que entram não reclamam”, diz.
Atualmente, 140 famílias da comunidade recebem o Bolsa-Família, mas são proibidas de participar de projetos sociais da prefeitura ligados ao benefício federal, principalmente idosos e crianças. “Eles não se misturam. No comércio, só empregam quem é do grupo. Mas são muito educados com a gente”, relata.
Os líderes da seita têm seus próprios advogados, fundaram uma associação de assistência social só deles e até conseguiram doação de um carro do governo federal, o que a prefeitura não conseguiu. A prefeita conta que até ela é proibida de entrar nas fazendas do grupo. “Só me recebem se for agendado. São muito bem instruídos e não é qualquer um que pode falar com terceiros. Se chegar sem avisar, não entra”, comentou uma assistente social da prefeitura, que pediu anonimato.
Segundo integrantes da Secretaria Municipal de Educação, crianças das fazendas estudam em escolas municipais e estaduais, mas seus pais não frequentam reuniões. “Mandam uma única pessoa para representar todos”, disse uma integrante da administração. Há muita rotatividade de alunos, segundo ela, pois os pais vivem mudando de região. (PF).