Minduri – O clima que já era de mistério se transformou em medo na segunda-feira na pacata Minduri, cidade de 4 mil habitantes no Sul de Minas. Desde 2005, os moradores convivem com a indiferença de centenas de forasteiros que se mudaram para seis cidades da região para morar em fazendas e trabalhar em comércio administrados por grupos de religiosos pertencentes à seita “Jesus, a verdade que marca”. Eles são muito reservados e não se misturam com quem não é do seu convívio. Mas, por volta das 5h de segunda-feira, vários carros da Polícia Federal entraram na cidade “queimando pneu”, segundo moradores, para fazer buscas em imóveis dos “paulistas”. A denúncia da PF de que integrantes da seita são acusados de estelionato, lavagem de dinheiro e de manter todas aquelas pessoas trabalhando em suas fazendas e comércio em situação análoga à escravidão pegou todos de surpresa.
Leia Mais
Advogado contesta prisão de integrantes de seita religiosa acusada de aplicar golpes em MGSeguidores de comunidade defendem seita acusada de aplicar golpesEx-seguidora de seita revela rotina de doutrinamento, expropriação e trabalho forçadoVereadores investigados por integrar seita suspeita de escravizar seguidores se apresentam à PFVeja como funcionava a seita suspeita de escravizar seguidores em MinasFiéis que trabalhavam como escravos em seita religiosa não querem deixar fazendas em MinasPF indicia mais de 40 envolvidos em seita religiosa no Sul de MinasIntegrantes de seita acusada de aplicar golpes em MG deixam a prisãoIntegrantes de seita acusada de aplicar golpes em MG se negam a dar depoimentos à PFO prefeito conta que ficou surpreso com a informação de trabalho escravo. “Fui algumas vezes à fazenda deles e ninguém reclamou de nada. Mas sabe como é religião, tem esse tal de dízimo”, comentou. “Se existe trabalho escravo, este é o melhor momento para algum deles denunciar, com a Polícia Federal e toda a imprensa em cima”. Os “paulistas”, segundo o prefeito, nunca causaram problemas. “Não saem para beber, não fazem festa, não brigam, nada”, disse.
Os poucos momentos em que membros da comunidade se integram à cidade é quando há festas.
O prefeito conta que a cidade ficou assustada na segunda-feira com o “circo armado” pela PF. “Entraram mais de seis carros no município em alta velocidade, cantando pneus, e o pessoal que acorda cedo para varrer rua começou a me telefonar desesperado dizendo: ‘Prefeito, tem um monte de homens de preto procurando os paulistas. Deram batida até na casa dos outros.’ Os paulistas tinham vendido uma casa lá em cima e os policiais não sabiam. Chegaram de uma vez e o novo dono do imóvel quase morreu”, conta o prefeito.
A fábrica de artesanato também foi alvo da fiscalização e a loja que vende os produtos permanecia fechada ontem. “A funcionária me disse que está tremendo até hoje. Falou: ‘Entrei em pânico’”, conta o prefeito. A Rádio Rede FM, também do grupo religioso, permanece funcionando na cidade.
O dono da padaria, Eder Wesley Macedo, de 41 anos, sabia da existência da fábrica de artesanato e da loja dos paulistas, essa, por sinal, em frente ao seu comércio. “O pessoal deles de vez em quando compra um pão aqui, mas só de vez em quando. Não puxam conversa com ninguém”, comentou.
Uma família que mora em frente à fábrica demonstrou medo em comentar qualquer coisa sobre os vizinhos da frente. “Não sei de nada deles”, disse uma senhora idosa. “Não mexem com ninguém. Não sei o que tem lá dentro.
A reportagem retornou à Fazenda Paraíso Manancial, em São Vicente de Minas, onde vivem mais de 130 famílias adeptas da seita. No dia anterior, o diretor da fazenda, Paulo Henrique da Silva, havia recebido prometido abrir as portas da fazenda para mostrar como ela realmente funciona, mas ontem voltou atrás.
‘Prisão injusta’
O advogado do pastor Cícero Araújo, Leonardo Campos, considerou “injusta” a prisão de seu cliente e de outros cinco líderes da seita sob suspeita de explorar trabalho escravo de fiéis. “Em 2005, o Ministério Público do Trabalho (MPT) declarou que não havia isso na comunidade. Se houvesse teriam que libertar os escravos, não?”, questiona.